Doutores,
Já tratamos aqui algumas vezes sobre o crime tributário. Agora é
interessante conferir a opinião do Dr. Raul Haidar sobre a participação da polícia
para o combate a sonegação.
Leiam.
Forte abraço,
Quem precisa de polícia no combate à sonegação?
Na quinta-feira, 2/8, foi feita ampla divulgação de uma tal
“operação Orange”, desenvolvida no Distrito Federal pela Receita e pela Polícia
Federal, com o objetivo de desenvolver fiscalização sobre empresas do ramo
alimentício. Divulgou-se que seriam cumpridos mandados de busca e apreensão até
mesmo em residências dos sócios das empresas.
Segundo a notícia, há suspeita de que as empresas são compostas
por sócios “laranjas”, tendo causado prejuízos ao erário da ordem de 100
milhões de reais com sonegação de tributos. A ação estaria sendo realizada por
40 policiais federais e 25 auditores fiscais da receita.
Não há a menor dúvida de que o combate à sonegação é importante.
Todavia há certo aspectos que chamam nossa atenção no caso, especialmente no
que se refere à atuação de agentes policiais.
O artigo 200 do Código Tributário Nacional diz que as autoridades
administrativas federais podem requisitar auxílio policial “quando vítimas
de embaraço ou desacato...ou quando necessário à efetivação de medida prevista
na legislação tributária...” Portanto, a presença da polícia na ação
fiscal é exceção e não regra e só se justifica quando houver embaraço ou
desacato e em situações muito especiais.
Se a Receita tem meios até mesmo de avaliar o valor sonegado, já
tem condições de fazer o lançamento. Mas quando em nota divulgada pela sua
assessoria de imprensa declara que há 10 mandados de busca e apreensão a serem
cumpridos, registra que o lançamento ainda dependente de provas. Ou seja: se o
trabalho ainda está na fase de coleta de provas, não há base legal para
lançamento e o valor de 100 milhões não tem fundamento ou se trata de mera
adivinhação.
Como se sabe, legalmente policiais não podem arrecadar ou examinar
livros ou documentos fiscais e contábeis. No § 1º do artigo 144 , a
Constituição diz ser competente a polícia federal para prevenir e reprimir o
contrabando e o descaminho, mas isso “sem prejuízo da ação fazendária”, o
que significa que, quanto à fiscalização, ela é privativa do fiscal.
A exclusividade do auditor fiscal no lançamento tributário não é
apenas uma prerrogativa de função. Todas as atividades de apuração do crédito
fiscal e respectivos lançamentos necessitam de conhecimentos técnicos e
adequado treinamento, que somente os auditores possuem.
Apesar do elevado nível técnico desses profissionais, muitas vezes
ocorrem falhas em seu trabalho, até porque sua formação acadêmica é extremamente
eclética. Há auditores formados em filosofia , odontologia, física, engenharia,
etc. que, apesar do treinamento, podem cometer enganos em seu trabalho.
Policiais, quer sejam delegados, agentes, escrivães,
investigadores , etc., não possuem conhecimento técnico que lhes permita
exercer a difícil tarefa da fiscalização tributária. E mesmo que eventualmente
algum deles possuir o conhecimento, não possui a atribuição legal que para
tanto se exige.
Ademais, quando tais policiais comparecem nas empresas para, ao
arrepio da lei, examinar livros e documentos fiscais, geralmente se apresentam
em viaturas policiais, cuja presença ostensiva em muitos casos causa
desnecessário constrangimento ao contribuinte.
Ora, se não ocorre embaraço ao trabalho fiscal, se os auditores
não encontram impedimentos à sua atuação, não há necessidade de acompanhamento
policial em diligências administrativas.
Sempre que a fiscalização , seja federal, estadual ou municipal,
usa a força policial sem necessidade ou sem mandado judicial, convida a
imprensa para acompanhar diligências que deveriam ser realizadas com critério e
moderação, ou quando agentes do fisco ou da polícia passam a dar entrevistas e
submeter o contribuinte à execração pública, estamos diante de atos abusivos,
feitos ao arrepio da lei. Isso não é necessário e muitas vezes coloca em risco
a própria legitimidade das diligências.
A fraude que consiste em empresas compostas por “laranjas” deve
ser combatida com rigor. Estamos na era da internet, onde quase tudo é fácil. Pois
bem: se a Receita fizer (de forma legal) um convênio com o Registro do
Comércio, bastaria acompanhar todas as alterações societárias no momento em que
estejam em andamento. Verificar a fraude depois de causado o prejuízo ao
erário, tem resultados práticos muito discutíveis. Trata-se de fechar a
porteira depois que a boiada fugiu. Isso não serve para nada. Nesse ponto
assemelha-se a essa necessidade ridícula de colocar nomes que entendem
engraçados para rotular o trabalho fiscal. Operação Orange! Pois sim! A Receita
faz um trabalho sério e não precisa dessas brincadeiras e nem de polícia para
acompanhar seus agentes em suas atividades rotineiras. Os agentes federais
talvez sejam mais úteis nas fronteiras e no combate ao narcotráfico.
Raul Haidar é advogado tributarista,
ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do
Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 6 de agosto de 2012
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