Nessa semana recebi
consulta de um cliente me informando que comprou um apartamento na cidade de
Salvador que somente será entregue em 2017/2018, assinando o pacto de promessa
de compra e venda com a Construtora/Incorporadora. Contudo, o mesmo me
questionou se seria correto a cobrança do Imposto de Transmissão Inter Vivos -
ITIV (também chamado de ITBI - Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) no ato
da assinatura de tal pacto, ou se o correto seria o recolhimento no momento da
transcrição perante o cartório, transferido o imóvel para a sua propriedade.
Deveras, com o "boom" imobiliário a
questão da cobrança de ITIV deve ganhar grandes proporções, sendo interesse
então discuti-lo em nossa coluna.
Sob o
aspecto da legalidade o Código de Tributos e Rendas do Município de Salvador,
em seu art. 114, estabelece que "o Imposto sobre
Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis e de direitos reais sobre eles tem como
fato gerador (I) a transmissão inter vivos, a qualquer título, por Ato oneroso
(a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física". Ademais, o art. 114-A do mesmo
diploma normativo estabelece que "estão compreendidos na
incidência do imposto (IX) a cessão de direitos decorrente de compromisso de
compra e venda".
Pois bem,
sob o aspecto legal, aparentemente o Município estaria correto em sua cobrança,
contudo, e sob o aspecto constitucional? Há constitucionalidade na exigência do
tributo em questão no ato de assinatura do contrato de promessa de compra e
venda?
Com efeito,
apesar de disposto em lei municipal, a exigência do tributo em tela tendo como
fato gerador o compromisso de promessa de compra e venda é inconstitucional,
sendo a exigência indevida.
Ocorre
que, o recolhimento do tributo em tela é obrigatório sempre que houver
transmissão onerosa de bem imóvel, ou seja, quando houver qualquer ato de
transferência de uma propriedade.
O art. 156
da CF/88 prescreve que compete aos Municípios instituir impostos
sobre (II) transmissão
"inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis,
por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de
garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.
Ademais,
o art. 35, I, do CTN, estabelece que "o imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de
bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador (I) a
transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens
imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil".
Deveras, a
transferência do bem imóvel somente se opera com a transcrição do registro
através do Cartório de Imóveis, conforme bem estabelece o art. 108 do Código
Civil, quando informa que "não dispondo a lei em contrário, a
escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à
constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta
vezes o maior salário mínimo vigente no País". Ademais, o art. 1.245 do CC
ainda estabelece que "transfere-se entre
vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de
Imóveis".
Pois bem,
somente com a transcrição em cartório é que se opera a transferência do bem
imóvel, constituindo assim o fato gerador do ITIV/ITBI.
Ora, o compromisso
de promessa de compra e venda não tem o condão de transferir a propriedade. Deveras, o art. 1.417 do CC, ao tratar da
Promessa de Compra e Venda informa que "mediante promessa de compra e venda, em que se
não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e
registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel".
Pois bem,
a própria lei estabelece que através da promessa de compra e venda não se
adquire o imóvel, mas o direito real à sua aquisição.
Resta
claro então, conjugando a CF/88 com o CC e o CTN, que a exação do tributo em
tela somente ocorrerá quando houver a transcrição, transmitindo a propriedade
do bem imóvel, perante o registro público de imóveis.
Outrossim,
há que lembrar o quanto estabelece o art. 110 do CTN quando o mesmo diz que "a lei tributária não pode alterar a definição, o
conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado,
utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas
Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos
Municípios, para definir ou limitar competências tributárias".
Decerto,
não opino sozinho pela não incidência do ITIV no pacto de promessa de compra e
venda. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que o ITIV somente incide quando
ocorrer a transferência de propriedade(STF - ARE: 798241 RJ , Relator: Min.
CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 01/04/2014, Segunda Turma, Data de
Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-073 DIVULG 11-04-2014 PUBLIC 14-04-2014)
Mesmo
posicionamento é o TJSP, afirmando que "o fato gerador do ITBI só ocorre
com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil e com o registro
no Cartório de Registro de Imóveis" (TJ-SP - APL: 00039687220138260587 SP
0003968-72.2013.8.26.0587, Relator: Eutálio Porto, Data de Julgamento:
04/09/2014, 15ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 09/09/2014)
Ademais,
tratando-se expressamente do compromisso de promessa de compra e venda, o STF
já se posicionou pela ilegalidade da exação do tributo utilizando-se tal
contrato como fato gerador, informando que "a celebração de contrato de
compromisso de compra e venda não gera obrigação ao pagamento do ITBI"
(STF - AI: 603309 MG , Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 18/12/2006,
Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 23-02-2007 PP-00030 EMENT VOL-02265-08
PP-01552).
Desta
forma, observa-se a inconstitucionalidade da exigência do ITIV antes da efetiva
transferência da propriedade do imóvel, gerando inclusive para o contribuinte o
direito de repetição de indébito (art. 165, CTN) no caso dele vir a distratar o
pacto firmado.
Forte abraço e
até a nova postagem.
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