quarta-feira, 4 de março de 2015

Direito Empresarial no Informativo nº 554 do STJ

Doutores,

O Informativo nº 554 do STJ veio bombando para a galera de Empresarial. Muito bom... com assuntos relevantes para os comercialistas.

Seguem abaixo os julgados que nos interessam.

Forte abraço,


Primeiro julgado a ser destacado é a questão do prosseguimento das ações contra os coobrigados, tema polêmico. Confiram a ementa, muito explicativa:

DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE DEVEDOR PRINCIPAL E TERCEIROS DEVEDORES SOLIDÁRIOS OU COOBRIGADOS EM GERAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei 11.101/2005. De fato, a recuperação judicial divide-se, essencialmente, em duas fases: (a) a primeira inicia-se com o deferimento de seu processamento (arts. 6º, caput, e 52, III, da Lei 11.101/2005); e (b) a segunda, com a aprovação do plano pelos credores reunidos em assembleia, seguida da concessão da recuperação por sentença (arts. 57 e 58, caput) ou, excepcionalmente, pela concessão forçada da recuperação pelo juiz, nas hipóteses previstas nos incisos do § 1º do art. 58 (Cram Down). No que diz respeito à primeira fase (a), uma vez deferido o processamento da recuperação, entre outras providências a serem adotadas pelo magistrado, determina-se a suspensão de todas as ações e execuções. É o que prescreve o art. 6º, caput, da Lei 11.101/2005: “A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário”. No mesmo sentido, o art. 52, III, do mesmo diploma legal: “Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: [...] III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6º desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º, 2º e 7º do art. 6º desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei [...]”. A par disso, ressalte-se ainda que, em não raras vezes, o devedor solidário é, também, sócio da pessoa jurídica em recuperação. Contudo, os devedores solidários da obrigação – que tem como devedor principal a empresa recuperanda – não podem alegar em seu favor a parte final do caput do referido art. 6º como fundamento do pedido de suspensão das ações individuais ajuizadas contra eles, invocando, assim, a redação que determina a suspensão das ações não apenas contra o devedor principal, mas também “aquelas dos credores particulares do sócio solidário”. Isso porque o caput do art. 6º da Lei 11.101/2005, no que concerne à suspensão das ações por ocasião do deferimento da recuperação, alcança os sócios solidários, figuras presentes naqueles tipos societários em que a responsabilidade pessoal dos consorciados não é subsidiária ou limitada às suas respectivas quotas/ações, como é o caso, por exemplo, da sociedade em nome coletivo (art. 1.039 do CC/2002) e da sociedade em comandita simples, no que concerne aos sócios comanditados (art. 1.045 do CC/2002). Diferentemente, é a situação dos devedores solidários ou coobrigados, haja vista que para eles a disciplina é exatamente inversa, prevendo o § 1º do art. 49, expressamente, a preservação de suas obrigações na eventualidade de ser deferida a recuperação judicial do devedor principal: “Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”. Portanto, não há falar em suspensão da execução direcionada a codevedores ou a devedores solidários pelo só fato de o devedor principal ser sociedade cuja recuperação foi deferida, pouco importando se o executado é também sócio da recuperanda ou não, uma vez não se tratar de sócio solidário. Nesse sentido, aliás, o Enunciado 43 da I Jornada de Direito Comercial realizada pelo CJF/STJ determina que a “suspensão das ações e execuções previstas no art. 6º da Lei n. 11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor”. Sob outro enfoque, no tocante à segunda fase (b), a aprovação do plano opera – diferentemente da primeira fase – novação dos créditos, e a decisão homologatória constitui, ela própria, novo título executivo judicial. É o que dispõe o art. 59, caput e § 1º, da Lei 11.101/2005: “O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei [...] § 1º A decisão judicial que conceder a recuperação judicial constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III, do caput da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil”. Antes de prosseguir, a respeito da novação comum, destaque-se que os arts. 364 e 365 do CC prescrevem, respectivamente, que “A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na novação” e que “Operada a novação entre o credor e um dos devedores solidários, somente sobre os bens do que contrair a nova obrigação subsistem as preferências e garantias do crédito novado. Os outros devedores solidários ficam por esse fato exonerados”. A despeito disso, as execuções intentadas contra a empresa recuperanda e seus garantes não podem ser extintas nos termos dos referidos arts. 364 e 365 do CC. De igual sorte, as garantias concedidas não podem ser restabelecidas em caso de futura decretação de falência, apesar do disposto no art. 61, § 2º, da Lei 11.101/2005, segundo o qual “Decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial”. Tudo isso porque a novação prevista na lei civil é bem diversa daquela disciplinada na Lei 11.101/2005. Se a novação civil faz, como regra, extinguir as garantias da dívida, inclusive as reais prestadas por terceiros estranhos ao pacto (art. 364 do CC), a novação decorrente do plano de recuperação traz, como regra, ao reverso, a manutenção das garantias (art. 59, caput, da Lei 11.101/2005), as quais só serão suprimidas ou substituídas “mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia”, por ocasião da alienação do bem gravado (art. 50, § 1º). Além disso, a novação específica da recuperação desfaz-se na hipótese de falência, quando então os “credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas” (art. 61, § 2º). Daí se conclui que o plano de recuperação judicial opera uma novação sui generis e sempre sujeita a condição resolutiva – que é o eventual descumprimento do que ficou acertado no plano –, circunstância que a diferencia, sobremaneira, daquela outra, comum, prevista na lei civil. Dessa forma, muito embora o plano de recuperação judicial opere novação das dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias são preservadas, circunstância que possibilita ao credor exercer seus direitos contra terceiros garantidores e impõe a manutenção das ações e execuções aforadas em face de fiadores, avalistas ou coobrigados em geral. Importa ressaltar que não haveria lógica no sistema se a conservação dos direitos e privilégios dos credores contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (art. 49, § 1º, da Lei 11.101/2005) dissesse respeito apenas ao interregno temporal que medeia o deferimento da recuperação e a aprovação do plano, cessando tais direitos após a concessão definitiva com a decisão judicial. Precedentes citados: REsp 1.326.888-RS, Quarta Turma, DJe 5/5/2014; REsp 1.269.703-MG, Quarta Turma, DJe 30/11/2012; AgRg no REsp 1.334.284-MT, Terceira Turma, DJe 15/9/2014; AgRg nos EDcl no REsp 1.280.036-SP, Terceira Turma, DJe 5/9/2013; e EAg 1.179.654-SP, Segunda Seção, DJe 13/4/2012. REsp 1.333.349-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 26/11/2014, DJe 2/2/2015.
Ainda, o Informativo traz a questão da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica na dissolução irregular das sociedades. Confiram:

DIREITO CIVIL. LIMITES À APLICABILIDADE DO ART. 50 DO CC.
O encerramento das atividades da sociedade ou sua dissolução, ainda que irregulares, não são causas, por si sós, para a desconsideração da personalidade jurídica a que se refere o art. 50 do CC. Para a aplicação da teoria maior da desconsideração da personalidade social – adotada pelo CC –, exige-se o dolo das pessoas naturais que estão por trás da sociedade, desvirtuando-lhe os fins institucionais e servindo-se os sócios ou administradores desta para lesar credores ou terceiros. É a intenção ilícita e fraudulenta, portanto, que autoriza, nos termos da teoria adotada pelo CC, a aplicação do instituto em comento. Especificamente em relação à hipótese a que se refere o art. 50 do CC, tratando-se de regra de exceção, de restrição ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, deve-se restringir a aplicação desse disposto legal a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial. Dessa forma, a ausência de intuito fraudulento afasta o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica, ao menos quando se tem o CC como o microssistema legislativo norteador do instituto, a afastar a simples hipótese de encerramento ou dissolução irregular da sociedade como causa bastante para a aplicação do disregard doctrine. Ressalte-se que não se quer dizer com isso que o encerramento da sociedade jamais será causa de desconsideração de sua personalidade, mas que somente o será quando sua dissolução ou inatividade irregulares tenham o fim de fraudar a lei, com o desvirtuamento da finalidade institucional ou confusão patrimonial. Assim é que o enunciado 146, da III Jornada de Direito Civil, orienta o intérprete a adotar exegese restritiva no exame do artigo 50 do CC, haja vista que o instituto da desconsideração, embora não determine a despersonalização da sociedade – visto que aplicável a certo ou determinado negócio e que impõe apenas a ineficácia da pessoa jurídica frente ao lesado –, constitui restrição ao princípio da autonomia patrimonial. Ademais, evidenciando a interpretação restritiva que se deve dar ao dispositivo em exame, a IV Jornada de Direito Civil firmou o enunciado 282, que expressamente afasta o encerramento irregular da pessoa jurídica como causa para desconsideração de sua personalidade: “O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica”. Entendimento diverso conduziria, no limite, em termos práticos, ao fim da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, ou seja, regresso histórico incompatível com a segurança jurídica e com o vigor da atividade econômica. Precedentes citados: AgRg no REsp 762.555-SC, Quarta Turma, DJe 25/10/2012; e AgRg no REsp 1.173.067/RS, Terceira Turma, DJe 19/6/2012. EREsp 1.306.553-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/12/2014, DJe 12/12/2014.

Por fim, o Informativo trouxe também a possibilidade de aplicação da regra insculpida no art. 1.034 do CC para a dissolução da Sociedade em Conta de Participação. Confiram:

DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO.
Aplica-se subsidiariamente às sociedades em conta de participação o art. 1.034 do CC, o qual define de forma taxativa as hipóteses pelas quais se admite a dissolução judicial das sociedades. Apesar de despersonificadas e de os seus sócios possuírem graus de responsabilidade distintos, as sociedades em conta de participação decorrem da união de esforços, com compartilhamento de responsabilidades, comunhão de finalidade econômica e existência de um patrimônio especial garantidor das obrigações assumidas no exercício da empresa. Não há diferença ontológica entre as sociedades em conta de participação e os demais tipos societários personificados, distinguindo-se quanto aos efeitos jurídicos unicamente em razão da dispensa de formalidades legais para sua constituição. Sendo assim, admitindo-se a natureza societária dessa espécie empresarial, deve-se reconhecer a aplicação subsidiária do art. 1.034 do CC – o qual define de forma taxativa as hipóteses pelas quais se admite a dissolução judicial das sociedades – às sociedades em conta de participação, nos termos do art. 996 do CC, enquanto ato inicial que rompe o vínculo jurídico entre os sócios. Ora, as sociedades não personificadas, diversamente das universalidades despersonalizadas, decorrem de um vínculo jurídico negocial e, no mais das vezes, plurissubjetivo. São contratos relacionais multilaterais de longa duração, os quais podem ser rompidos pela vontade das partes, em consenso ou não, porquanto não se pode exigir a eternização do vínculo contratual. E é essa a finalidade do instituto jurídico denominado dissolução. Por fim, ressalte-se que, somente após esse ato inicial, que dissolve as amarras contratuais entre os sócios, inicia-se o procedimento de liquidação. E, nesta fase, sim, a ausência de personalidade jurídica terá clara relevância, impondo às sociedades em conta de participação um regime distinto dos demais tipos societários. Isso porque a especialização patrimonial das sociedades em conta de participação só tem efeitos entre os sócios, nos termos do § 1º do art. 994 do CC, de forma a existir, perante terceiros, verdadeira confusão patrimonial entre o sócio ostensivo e a sociedade. Assim, inexistindo possibilidade material de apuração de haveres, disciplinou o art. 996 do mesmo diploma legal que a liquidação dessas sociedades deveriam seguir o procedimento relativo às prestações de contas, solução que era adotada mesmo antes da vigência do novo Código Civil. Dessa forma, o procedimento especial de prestação de contas refere-se tão somente à forma de sua liquidação, momento posterior à dissolução do vínculo entre os sócios ostensivo e oculto. Contudo, essa disciplina da liquidação não afasta nem poderia atingir o ato inicial, antecedente lógico e necessário, qual seja, a extinção do vínculo contratual de natureza societária por meio da dissolução. REsp 1.230.981-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16/12/2014, DJe 5/2/2015.

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