Doutores,
O Informativo nº 554 do STJ veio bombando para a galera
de Empresarial. Muito bom... com assuntos relevantes para os comercialistas.
Seguem abaixo os julgados que nos interessam.
Forte abraço,
Primeiro julgado a ser destacado é a questão do
prosseguimento das ações contra os coobrigados, tema polêmico. Confiram a
ementa, muito explicativa:
DIREITO
EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE DEVEDOR PRINCIPAL E TERCEIROS DEVEDORES
SOLIDÁRIOS OU COOBRIGADOS EM GERAL. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E
RES. 8/2008-STJ).
A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento
das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra
terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial,
real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts.
6º, caput, e 52, III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força
do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei 11.101/2005. De
fato, a recuperação judicial divide-se, essencialmente, em duas fases: (a)
a primeira inicia-se com o deferimento de seu processamento (arts. 6º, caput, e 52, III, da Lei 11.101/2005);
e (b) a segunda, com a aprovação do plano pelos credores
reunidos em assembleia, seguida da concessão da recuperação por sentença (arts.
57 e 58, caput)
ou, excepcionalmente, pela concessão forçada da recuperação pelo juiz, nas
hipóteses previstas nos incisos do § 1º do art. 58 (Cram Down).
No que diz respeito à primeira fase (a), uma vez deferido o processamento da
recuperação, entre outras providências a serem adotadas pelo magistrado,
determina-se a suspensão de todas as ações e execuções. É o que prescreve o
art. 6º, caput,
da Lei 11.101/2005: “A decretação da falência ou o deferimento do processamento
da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e
execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do
sócio solidário”. No mesmo sentido, o art. 52, III, do mesmo diploma legal:
“Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá
o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: [...] III – ordenará a
suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6º
desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam,
ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º, 2º e 7º do art. 6º desta Lei e as
relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei
[...]”. A par disso, ressalte-se ainda que, em não raras vezes, o devedor
solidário é, também, sócio da pessoa jurídica em recuperação. Contudo, os
devedores solidários da obrigação – que tem como devedor principal a empresa
recuperanda – não podem alegar em seu favor a parte final do caput do
referido art. 6º como fundamento do pedido de suspensão das ações individuais
ajuizadas contra eles, invocando, assim, a redação que determina a suspensão
das ações não apenas contra o devedor principal, mas também “aquelas dos
credores particulares do sócio solidário”. Isso porque o caput do
art. 6º da Lei 11.101/2005, no que concerne à suspensão das ações por ocasião
do deferimento da recuperação, alcança os sócios solidários, figuras presentes
naqueles tipos societários em que a responsabilidade pessoal dos consorciados
não é subsidiária ou limitada às suas respectivas quotas/ações, como é o caso,
por exemplo, da sociedade em nome coletivo (art. 1.039 do CC/2002) e da
sociedade em comandita simples, no que concerne aos sócios comanditados (art.
1.045 do CC/2002). Diferentemente, é a situação dos devedores solidários ou
coobrigados, haja vista que para eles a disciplina é exatamente inversa,
prevendo o § 1º do art. 49, expressamente, a preservação de suas obrigações na
eventualidade de ser deferida a recuperação judicial do devedor principal: “Os
credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e
privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”. Portanto,
não há falar em suspensão da execução direcionada a codevedores ou a devedores
solidários pelo só fato de o devedor principal ser sociedade cuja recuperação
foi deferida, pouco importando se o executado é também sócio da recuperanda ou
não, uma vez não se tratar de sócio solidário. Nesse sentido, aliás, o
Enunciado 43 da I Jornada de Direito Comercial realizada pelo CJF/STJ determina
que a “suspensão das ações e execuções previstas no art. 6º da Lei n.
11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor”. Sob outro enfoque, no
tocante à segunda fase (b), a aprovação do plano opera –
diferentemente da primeira fase – novação dos créditos, e a decisão
homologatória constitui, ela própria, novo título executivo judicial. É o que
dispõe o art. 59, caput e § 1º, da Lei 11.101/2005: “O plano
de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e
obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das
garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei [...] § 1º A
decisão judicial que conceder a recuperação judicial constituirá título
executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III, do caput da
Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil”. Antes de
prosseguir, a respeito da novação comum, destaque-se que os arts. 364 e 365 do
CC prescrevem, respectivamente, que “A novação extingue os acessórios e
garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário. Não
aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese,
se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na
novação” e que “Operada a novação entre o credor e um dos devedores solidários,
somente sobre os bens do que contrair a nova obrigação subsistem as
preferências e garantias do crédito novado. Os outros devedores solidários
ficam por esse fato exonerados”. A despeito disso, as execuções intentadas
contra a empresa recuperanda e seus garantes não podem ser extintas nos termos
dos referidos arts. 364 e 365 do CC. De igual sorte, as garantias concedidas
não podem ser restabelecidas em caso de futura decretação de falência, apesar do
disposto no art. 61, § 2º, da Lei 11.101/2005, segundo o qual “Decretada a
falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas
condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e
ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial”.
Tudo isso porque a novação prevista na lei civil é bem diversa daquela
disciplinada na Lei 11.101/2005. Se a novação civil faz, como regra, extinguir
as garantias da dívida, inclusive as reais prestadas por terceiros estranhos ao
pacto (art. 364 do CC), a novação decorrente do plano de recuperação traz, como
regra, ao reverso, a manutenção das garantias (art. 59, caput, da Lei 11.101/2005), as quais só
serão suprimidas ou substituídas “mediante aprovação expressa do credor titular
da respectiva garantia”, por ocasião da alienação do bem gravado (art. 50, §
1º). Além disso, a novação específica da recuperação desfaz-se na hipótese de
falência, quando então os “credores terão reconstituídos seus direitos e garantias
nas condições originalmente contratadas” (art. 61, § 2º). Daí se conclui que o
plano de recuperação judicial opera uma novação sui generis e sempre sujeita a condição resolutiva
– que é o eventual descumprimento do que ficou acertado no plano –, circunstância
que a diferencia, sobremaneira, daquela outra, comum, prevista na lei civil.
Dessa forma, muito embora o plano de recuperação judicial opere novação das
dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias são preservadas,
circunstância que possibilita ao credor exercer seus direitos contra terceiros
garantidores e impõe a manutenção das ações e execuções aforadas em face de
fiadores, avalistas ou coobrigados em geral. Importa ressaltar que não haveria
lógica no sistema se a conservação dos direitos e privilégios dos credores
contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (art. 49, § 1º, da Lei
11.101/2005) dissesse respeito apenas ao interregno temporal que medeia o
deferimento da recuperação e a aprovação do plano, cessando tais direitos após
a concessão definitiva com a decisão judicial. Precedentes citados: REsp
1.326.888-RS, Quarta Turma, DJe 5/5/2014; REsp 1.269.703-MG, Quarta Turma, DJe
30/11/2012; AgRg no REsp 1.334.284-MT, Terceira Turma, DJe 15/9/2014; AgRg nos
EDcl no REsp 1.280.036-SP, Terceira Turma, DJe 5/9/2013; e EAg 1.179.654-SP,
Segunda Seção, DJe 13/4/2012. REsp 1.333.349-SP, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, Segunda Seção, julgado em 26/11/2014, DJe 2/2/2015.
Ainda, o Informativo traz a questão da aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica na dissolução irregular das
sociedades. Confiram:
DIREITO CIVIL. LIMITES À APLICABILIDADE DO ART. 50 DO CC.
O encerramento das atividades da sociedade ou sua
dissolução, ainda que irregulares, não são causas, por si sós, para a
desconsideração da personalidade jurídica a que se refere o art. 50 do CC. Para
a aplicação da teoria maior da desconsideração da personalidade social –
adotada pelo CC –, exige-se o dolo das pessoas naturais que estão por trás da
sociedade, desvirtuando-lhe os fins institucionais e servindo-se os sócios ou
administradores desta para lesar credores ou terceiros. É a intenção ilícita e
fraudulenta, portanto, que autoriza, nos termos da teoria adotada pelo CC, a
aplicação do instituto em comento. Especificamente em relação à hipótese a que
se refere o art. 50 do CC, tratando-se de regra de exceção, de restrição ao
princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, deve-se restringir a
aplicação desse disposto legal a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha
sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da
finalidade institucional ou a confusão patrimonial. Dessa forma, a ausência de
intuito fraudulento afasta o cabimento da desconsideração da personalidade
jurídica, ao menos quando se tem o CC como o microssistema legislativo
norteador do instituto, a afastar a simples hipótese de encerramento ou
dissolução irregular da sociedade como causa bastante para a aplicação do disregard doctrine. Ressalte-se que não
se quer dizer com isso que o encerramento da sociedade jamais será causa de
desconsideração de sua personalidade, mas que somente o será quando sua
dissolução ou inatividade irregulares tenham o fim de fraudar a lei, com o
desvirtuamento da finalidade institucional ou confusão patrimonial. Assim é que
o enunciado 146, da III Jornada de Direito Civil, orienta o intérprete a adotar
exegese restritiva no exame do artigo 50 do CC, haja vista que o instituto da
desconsideração, embora não determine a despersonalização da sociedade – visto
que aplicável a certo ou determinado negócio e que impõe apenas a ineficácia da
pessoa jurídica frente ao lesado –, constitui restrição ao princípio da
autonomia patrimonial. Ademais, evidenciando a interpretação restritiva que se
deve dar ao dispositivo em exame, a IV Jornada de Direito Civil firmou o
enunciado 282, que expressamente afasta o encerramento irregular da pessoa
jurídica como causa para desconsideração de sua personalidade: “O encerramento
irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para
caracterizar abuso da personalidade jurídica”. Entendimento diverso conduziria,
no limite, em termos práticos, ao fim da autonomia patrimonial da pessoa
jurídica, ou seja, regresso histórico incompatível com a segurança jurídica e
com o vigor da atividade econômica. Precedentes citados: AgRg no REsp
762.555-SC, Quarta Turma, DJe 25/10/2012; e AgRg no REsp 1.173.067/RS, Terceira
Turma, DJe 19/6/2012. EREsp 1.306.553-SC, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, julgado em 10/12/2014, DJe 12/12/2014.
Por fim, o Informativo trouxe também a possibilidade de
aplicação da regra insculpida no art. 1.034 do CC para a dissolução da Sociedade
em Conta de Participação. Confiram:
DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE EM CONTA DE
PARTICIPAÇÃO.
Aplica-se subsidiariamente às sociedades em conta de
participação o art. 1.034 do CC, o qual define de forma taxativa as hipóteses
pelas quais se admite a dissolução judicial das sociedades. Apesar de despersonificadas e de os seus sócios
possuírem graus de responsabilidade distintos, as sociedades em conta de
participação decorrem da união de esforços, com compartilhamento de
responsabilidades, comunhão de finalidade econômica e existência de um
patrimônio especial garantidor das obrigações assumidas no exercício da
empresa. Não há diferença ontológica entre as sociedades em conta de
participação e os demais tipos societários personificados, distinguindo-se
quanto aos efeitos jurídicos unicamente em razão da dispensa de formalidades
legais para sua constituição. Sendo assim, admitindo-se a natureza societária
dessa espécie empresarial, deve-se reconhecer a aplicação subsidiária do art.
1.034 do CC – o qual define de forma taxativa as hipóteses pelas quais se
admite a dissolução judicial das sociedades – às sociedades em conta de
participação, nos termos do art. 996 do CC, enquanto ato inicial que rompe o
vínculo jurídico entre os sócios. Ora, as sociedades não personificadas,
diversamente das universalidades despersonalizadas, decorrem de um vínculo
jurídico negocial e, no mais das vezes, plurissubjetivo. São contratos
relacionais multilaterais de longa duração, os quais podem ser rompidos pela
vontade das partes, em consenso ou não, porquanto não se pode exigir a
eternização do vínculo contratual. E é essa a finalidade do instituto jurídico
denominado dissolução. Por fim, ressalte-se que, somente após esse ato inicial,
que dissolve as amarras contratuais entre os sócios, inicia-se o procedimento
de liquidação. E, nesta fase, sim, a ausência de personalidade jurídica terá
clara relevância, impondo às sociedades em conta de participação um regime
distinto dos demais tipos societários. Isso porque a especialização patrimonial
das sociedades em conta de participação só tem efeitos entre os sócios, nos
termos do § 1º do art. 994 do CC, de forma a existir, perante terceiros,
verdadeira confusão patrimonial entre o sócio ostensivo e a sociedade. Assim,
inexistindo possibilidade material de apuração de haveres, disciplinou o art.
996 do mesmo diploma legal que a liquidação dessas sociedades deveriam seguir o
procedimento relativo às prestações de contas, solução que era adotada mesmo
antes da vigência do novo Código Civil. Dessa forma, o procedimento especial de
prestação de contas refere-se tão somente à forma de sua liquidação, momento
posterior à dissolução do vínculo entre os sócios ostensivo e oculto. Contudo,
essa disciplina da liquidação não afasta nem poderia atingir o ato inicial,
antecedente lógico e necessário, qual seja, a extinção do vínculo contratual de
natureza societária por meio da dissolução. REsp 1.230.981-RJ,
Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16/12/2014, DJe 5/2/2015.
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