Aos alunos de Direitos Empresarial I,
Segue abaixo o esquema da aula 01 - INTRODUÇÃO AOS CONTRATOS MERCANTIS
Forte abraço,
Aula 01 - CONTRATOS
MERCANTIS
1. INTRODUÇÃO
®
Os contratos estritamente empresariais – avenças celebradas entre empresários.
1.1. Delimitação do tema
- Contratos celebrados pelo empresário:
a) contrato administrativo;
b) contrato de trabalho;
c) contrato de consumo;
d) contrato cível; e
e) contrato mercantil.
1.2. Contratos Mercantis e
o CDC
No que tange a aplicação do CDC, conferir o Enunciado nº 20
da 1ª Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal:
20. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos
contratos celebrados entre empresários em que um dos contratantes tenha por
objetivo suprir-se de insumos para sua atividade de produção, comércio ou
prestação de serviços.
Sobre o tema, válido conferir ementa de decisão publicada no
Informativo nº 541 do STJ:
DIREITO DO CONSUMIDOR E INTERNACIONAL PRIVADO. INAPLICABILIDADE DO CDC
AO CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIA DESTINADA A INCREMENTAR A
ATIVIDADE COMERCIAL DA CONTRATANTE.
Para efeito de fixação de indenização por danos à mercadoria ocorridos
em transporte aéreo internacional, o CDC não prevalece sobre a Convenção de
Varsóvia quando o contrato de transporte tiver por objeto equipamento adquirido
no exterior para incrementar a atividade comercial de sociedade empresária que
não se afigure vulnerável na relação jurídico-obrigacional. Na
hipótese em foco, a mercadoria transportada destinava-se a ampliar e a melhorar
a prestação do serviço e, por conseguinte, aumentar os lucros. Sob esse
enfoque, não se pode conceber o contrato de transporte isoladamente. Na
verdade, a importação da mercadoria tem natureza de ato complexo, envolvendo
(i) a compra e venda propriamente dita, (ii) o desembaraço para retirar o bem
do país de origem, (iii) o eventual seguro, (iv) o transporte e (v) o
desembaraço no país de destino mediante o recolhimento de taxas, impostos etc.
Essas etapas do ato complexo de importação, conforme o caso, podem ser
efetivadas diretamente por agentes da própria empresa adquirente ou envolver
terceiros contratados para cada fim específico. Mas essa última possibilidade –
contratação de terceiros –, por si, não permite que se aplique separadamente, a
cada etapa, normas legais diversas da incidente sobre o ciclo completo da
importação. Desse modo, não há como considerar a importadora destinatária final
do ato complexo de importação nem dos atos e contratos intermediários, entre
eles o contrato de transporte, para o propósito da tutela protetiva da
legislação consumerista, sobretudo porque a mercadoria importada irá integrar a
cadeia produtiva dos serviços prestados pela empresa contratante do transporte.
Neste contexto, aplica-se, no caso em análise, o mesmo entendimento adotado
pelo STJ nos casos de financiamento bancário ou de aplicação financeira com o
propósito de ampliar capital de giro e de fomentar a atividade empresarial. O
capital obtido da instituição financeira, evidentemente, destina-se, apenas, a
fomentar a atividade industrial, comercial ou de serviços e, com isso, ampliar
os negócios e o lucro. Daí que nessas operações não se aplica o CDC, pela
ausência da figura do consumidor, definida no art. 2º do referido diploma.
Assim, da mesma forma que o financiamento e a aplicação financeira mencionados
fazem parte e não podem ser desmembrados do ciclo de produção, comercialização
e de prestação de serviços, o contrato de transporte igualmente não pode ser
retirado do ato complexo ora em análise. Observe-se que, num e noutro caso,
está-se diante de uma engrenagem complexa, que demanda a prática de vários
outros atos com o único escopo de fomentar a atividade da pessoa jurídica.
Ademais, não se desconhece que o STJ tem atenuado a incidência da teoria
finalista, aplicando o CDC quando, apesar de relação jurídico-obrigacional
entre comerciantes ou profissionais, estiver caracterizada situação de
vulnerabilidade ou hipossuficiência. Entretanto, a empresa importadora não
apresenta vulnerabilidade ou hipossuficiência, o que afasta a incidência das
normas do CDC. Dessa forma, inexistindo relação de consumo, circunstância que
impede a aplicação das regras específicas do CDC, há que ser observada a
Convenção de Varsóvia, que regula especificamente o transporte aéreo
internacional. Precedentes citados: REsp 1.358.231-SP, Terceira Turma, DJ de
17/6/2013; e AgRg no Ag 1.291.994-SP, Terceira Turma, DJe de 6/3/2012. REsp 1.162.649-SP,
Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Antonio Carlos
Ferreira, julgado em 13/5/2014.
Sobre o tema, confiram também notícia de decisão do STJ:
STJ - Terceira
Turma reconhece aplicabilidade do CDC em contrato de seguro empresarial
Publicado em 8
de Setembro de 2014 às 10h48
Em decisão unânime,
a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a
aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nos contratos de seguro
empresarial, na hipótese em que a empresa contrata seguro para a proteção de
seus próprios bens sem o integrar nos produtos e serviços que oferece. A
decisão foi tomada em julgamento de recurso especial interposto contra acórdão
do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
Uma empresa do
ramo de comércio de automóveis novos e usados contratou seguro para proteger os
veículos mantidos em seu estabelecimento. A seguradora, entretanto, negou a
cobertura do prejuízo decorrente do furto de uma caminhonete nas dependências
da empresa.
Segundo a
seguradora, a recusa foi em virtude da falta de comprovação de ter havido furto
qualificado, já que não havia na apólice a garantia para o sinistro furto
simples.
A empresa
segurada ajuizou ação por quebra de contrato. A sentença, aplicando a
legislação consumerista, julgou o pedido procedente, mas o TJSP entendeu pela
inaplicabilidade do CDC e reformou a decisão.
Consumo x
insumo
Segundo a
Corte local, a empresa não poderia alegar que não sabia das condições de
cobertura da apólice. Ao segurador caberia apenas cobrir os riscos
predeterminados no contrato, não se admitindo interpretação extensiva ou
analógica das cláusulas de cobertura.
No recurso ao
STJ, a empresa insistiu na aplicação do CDC e no reconhecimento de que as
cláusulas ambíguas ou contraditórias do contrato de adesão devem ser
interpretadas favoravelmente ao aderente.
Afirmou que,
ao estipular no contrato que o seguro cobria furto qualificado, a seguradora
fez presumir no negócio que cobria também furto simples, “pois quem cobre o
mais, cobre o menos.
O ministro
Villas Bôas Cueva, relator, acolheu a irresignação. Segundo ele, o fundamento
de relação de consumo adotado pelo STJ é o de que toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza, como destinatário final, produto ou serviço de
determinado fornecedor é consumidor.
Para o
ministro, não se pode confundir relação de consumo com relação de insumo. Se a
empresa é a destinatária final do seguro, sem incluí-lo nos serviços e produtos
oferecidos, há clara caracterização de relação de consumo.
“Situação
diversa seria se o seguro empresarial fosse contratado para cobrir riscos dos
clientes, ocasião em que faria parte dos serviços prestados pela pessoa
jurídica, o que configuraria consumo intermediário, não protegido pelo CDC”,
explicou o ministro.
Cláusulas
abusivas
Em relação à
cobertura do furto simples, o relator entendeu que, como o
segurado (consumidor) é a parte mais fraca da negociação, cabe ao
segurador repassar as informações adequadas e de forma clara sobre os produtos
e os serviços oferecidos, conforme estabelecido no artigo 54, parágrafo 4º, do
CDC.
Segundo o
ministro, cláusulas com termos técnicos e de difícil compreensão são
consideradas abusivas, e no caso apreciado ficou evidente a falta de
fornecimento de informação clara da seguradora sobre os reais riscos incluídos
na apólice.
“Não pode ser
exigido do consumidor - no caso, do preposto da empresa - o conhecimento de
termos técnico-jurídicos específicos, ainda mais a diferença entre tipos penais
de mesmo gênero (furto simples e furto qualificado), ambos crimes contra o patrimônio”,
disse o relator.
Com esse
entendimento, foi restabelecida a sentença que determinou o pagamento da
indenização securitária.
REsp 1352419
Fonte:
Superior Tribunal de Justiça
2. O CÓDIGO CIVIL DE 2002 E A UNIFICAÇÃO OBRIGACIONAL
®
As circunstâncias em que são celebrados.
3. TEORIA GERAL DO DIREITO CONTRATUAL
®
Negócio jurídico bilateral que se formam a partir de declarações coincidentes
de vontade.
3.1. Princípios Gerais dos
Contratos
3.1.1. Princípio da
Autonomia da Vontade
Art. 421.
A liberdade de contratar será exercida em razão e nos
limites da função social do contrato.
As partes são livres para:
i – escolher com quem vão
contratar;
ii – delimitar o objeto da
relação contratual;
iii – fixar o conteúdo
desta mesma relação.
Obs.: A questão do
dirigismo contratual
Conferir também o enunciado nº 21 da 1ª Jornada de Direito
Comercial do CJF:
21. Nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve
ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais.
Obs.: A função social –
conferir o Enunciado nº 26 da 1ª Jornada de Direito Comercial do CJF:
26. O contrato empresarial cumpre sua função social quando
não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de
titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial.
3.1.1.1. O princípio da
atipicidade dos contratos empresariais
Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as
normas gerais fixadas neste Código.
3.1.2. Princípio do
Consensualismo
Basta para a constituição do vínculo contratual o acordo de
vontade entre as partes, sendo desnecessária qualquer outra condição para que
se aperfeiçoe o contrato
3.1.3. Princípio da
relatividade
A relação contratual produz efeitos somente entre os
contratantes – bem como aos seus herdeiros, salvo se o contrato for
personalíssimo – e não se estender além do objeto da avença.
Obs.: Exceção – Contrato
que, excepcionalmente, produz efeitos em relação a terceiro não vinculados à
relação contratual. Ex.: Contrato de Seguro em favor de terceiro.
3.1.3.1 A teoria da
aparência
Aplicada em determinados casos específicos em que um
contratante de boa-fé engana-se diante de uma situação aparente, tomando-a como
verdadeira, podem ser criados obrigações em relação a terceiros que não atuaram
diretamente na constituição do vínculo contratual.
Situações:
- excesso de mandato;
- contrato de representação comercial.
3.1.4. Princípio da força
obrigatória
O pacta sunt servanda.
Em conseqüência do princípio da força obrigatória há, nos contratos, uma
cláusula geral de irretratabilidade e de intangibilidade, fundamental para a
garantia da segurança jurídica das relações contratuais.
3.1.4.1. A teoria da
imprevisão
Cláusula rebus sic
stantibus. Tal cláusula determina que a obrigatoriedade do contrato só deve
ser observada se as condições existentes no momento de celebração da avença se
mantiverem inalteradas ou, pelo menos, sofrerem alterações que não afetem o
equilíbrio contratual.
Art.
478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma
das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra,
em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor
pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar
retroagirão à data da citação.
Art.
479. A
resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente
as condições do contrato.
Conferir também o Enunciado nº 23 e 25 da 1ª Jornada de
Direito Comercial do CJF:
23. Em contratos empresariais, é lícito às partes
contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação dos
requisitos de revisão e/ou resolução do pacto contratual.
..........
25. A revisão
do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código Civil deve levar em
conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se
presumir a sofisticação dos contratantes e observar a alocação de riscos por
eles acordada.
Interessante
observar no caso em tela o posicionamento do STJ:
DIREITO
EMPRESARIAL. CONTRATOS. COMPRA E VENDA DE COISA FUTURA (SOJA). TEORIA DA
IMPREVISÃO. ONEROSIDADE EXCESSIVA. INAPLICABILIDADE.
1.
Contratos empresariais não devem ser tratados da mesma forma que contratos
cíveis em geral ou contratos de consumo. Nestes admite-se o dirigismo
contratual. Naqueles devem prevalecer os princípios da autonomia da vontade e
da força obrigatória das avenças.
2.
Direito Civil e Direito Empresarial, ainda que ramos do Direito Privado,
submetem-se a regras e princípios próprios. O fato de o Código Civil de 2002
ter submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais não
significa que estes contratos sejam essencialmente iguais.
3.
O caso dos autos tem peculiaridades que impedem a aplicação da teoria da
imprevisão, de que trata o art. 478 do CC/2002: (i) os contratos em discussão
não são de execução continuada ou diferida, mas contratos de compra e venda de
coisa futura, a preço fixo, (ii) a alta do preço da soja não tornou a prestação
de uma das partes excessivamente onerosa, mas apenas reduziu o lucro esperado
pelo produtor rural e (iii) a variação cambial que alterou a cotação da soja
não configurou um acontecimento extraordinário e imprevisível, porque ambas as
partes contratantes conhecem o mercado em que atuam, pois são profissionais do
ramo e sabem que tais flutuações são possíveis.
5.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp
936741 / GO RECURSO ESPECIAL 2007/0065852-6. Relator: Ministro ANTONIO CARLOS
FERREIRA (1146). Órgão julgador: T4 - QUARTA TURMA. Data de publicação:
03/11/2011DJe. Data de julgamento: 08/03/2012)
Ainda, cabe transcrever passagem do voto do relator no
julgado acima:
“É
preciso deixar claro que o caso dos autos refere-se a contratos empresariais e
não a contratos de consumo, nos quais se tem defendido, atualmente, um maior
dirigismo contratual, com a consequente relativização dos princípios da
autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças.
Nos
contratos empresariais, dada a simetria natural que há entre as partes contratantes,
a situação é diferente. Não se pode tratá-los da mesma forma que os demais
contratos de direito privado, tais como os contratos de trabalho, os contratos
de consumo ou mesmo os contratos entre particulares.
O
fato de o Código Civil de 2002 ter submetido os contratos cíveis e empresariais
às mesmas regras gerais não significa que estes contratos sejam essencialmente
iguais. Por isso, os estudiosos e operadores do Direito Empresarial têm
defendido a necessidade de um novo Código Comercial, cujo projeto já está em
trâmite no Congresso Nacional (PL n. 1.572/2001 da Câmara dos Deputados).
Vale
ressaltar que o caso dos autos ainda traz algumas peculiaridades que impedem a
aplicação da teoria da imprevisão, prevista no art. 478 do CC/2002, in verbis :
Art.
478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma
das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra,
em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor
pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar
retroagirão à data da citação.
No
caso sub judice, deve-se reconhecer que: (i) os contratos em discussão não são
de execução continuada ou diferida, mas contratos de compra e venda de coisa
futura, a preço fixo, (ii) a alta do preço da soja não tornou a prestação de
uma das partes excessivamente onerosa, mas apenas reduziu o lucro esperado pelo
produtor rural e (iii) a variação cambial que alterou a cotação da soja não
configurou um acontecimento
extraordinário
e imprevisível, porque ambas as partes contratantes conhecem o mercado em que
atuam, pois são profissionais que atuam nessa área e sabem que tais flutuações
são possíveis.
Diante
do exposto, CONHEÇO do presente recurso especial e lhe DOU PROVIMENTO, para
reformar o acórdão recorrido e julgar improcedentes os pedidos deduzidos na
inicial, com inversão dos ônus sucumbenciais.
É
como voto.”
3.1.5. Princípio da boa-fé
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé.
Ainda sobre a Boa-fé, conferir o Enunciado nº 27, 28 e 29 da
1ª Jornada de Direito Comercial do CJF:
27. Não se presume violação à boa-fé objetiva se o
empresário, durante as negociações do contrato empresarial, preservar segredo
de empresa ou administrar a prestação de informações reservadas, confidenciais
ou estratégicas, com o objetivo de não colocar em risco a competitividade de
sua atividade.
28. Em razão do profissionalismo com que os empresários
devem exercer sua atividade, os contratos empresariais não podem ser anulados
pelo vício da lesão fundada na inexperiência.
29. Aplicam-se aos negócios jurídicos entre empresários a
função social do contrato e a boa-fé objetiva (arts. 421 e 422 do Código
Civil), em conformidade com as especificidades dos contratos empresariais.
3.2. A exceção do contrato
não cumprido
Art.
476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua
obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
Art.
477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes
contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar
duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação
que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia
bastante de satisfazê-la.
Conferir o Enunciado nº 24 da 1ª Jornada de Direito
Comercial do CJF:
24. Os contratos empresariais coligados, concretamente
formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção
de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa
importância.
Outrossim, para exemplificar o tema, cumpre observar decisão
veiculada no Informativo nº 526 do STJ:
DIREITO CIVIL.
NÃO CARACTERIZAÇÃO DA "FERRUGEM ASIÁTICA" COMO FATO EXTRAORDINÁRIO E
IMPREVISÍVEL PARA FINS DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO.
A ocorrência
de “ferrugem asiática” na lavoura de soja não enseja, por si só, a resolução de
contrato de compra e venda de safra futura em razão de onerosidade excessiva. Isso
porque o advento dessa doença em lavoura de soja não constitui o fato
extraordinário e imprevisível exigido pelo art. 478 do CC/2002, que dispõe
sobre a resolução do contrato por onerosidade excessiva. Precedente citado:
REsp 977.007-GO, Terceira Turma, DJe 2/12/2009. REsp 866.414-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
20/6/2013.
3.3. A Teoria do
Adimplemento Substancial
A Teoria do Adimplemento Social é aquela no qual deve-se
considerar resolvido um contrato se o devedor o adimpliu substancialmente,
contudo não tem mais condições de permanecer cumprindo com o pacto. Baseia-se
na “socialização” dos contratos, embasada também em sua função social (art. 421
do CC) e no princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do CC).
Confiram a tese do STJ:
STJ - Teoria
do adimplemento substancial limita o exercício de direitos do credor
Publicado em
10 de Setembro de 2012 às 09h18
Como regra
geral, se houver descumprimento de obrigação contratual, “a parte lesada pelo
inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o
cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”,
conforme dispõe o artigo 475 do Código Civil (CC). Entretanto, a doutrina e a
jurisprudência têm admitido o reconhecimento do adimplemento substancial, com o
fim de preservar o vínculo contratual.
Segundo a
teoria do adimplemento substancial, o credor fica impedido de rescindir o
contrato, caso haja cumprimento de parte essencial da obrigação assumida pelo
devedor; porém, não perde o direito de obter o restante do crédito, podendo
ajuizar ação de cobrança para tanto.
Origem
A substancial
performance teve origem no direito inglês, no século XVIII. De acordo com o
ministro Paulo de Tarso Sanseverino, da Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), o instituto foi desenvolvido “para superar os exageros do
formalismo exacerbado na execução dos contratos em geral”.
Embora não
seja expressamente prevista no CC, a teoria tem sido aplicada em muitos casos,
inclusive pelo STJ, tendo como base, além do princípio da boa-fé, a função
social dos contratos, a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem
causa.
De acordo com
o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do STJ, “a insuficiência
obrigacional poderá ser relativizada com vistas à preservação da relevância
social do contrato e da boa-fé, desde que a resolução do pacto não responda
satisfatoriamente a esses princípios”. Para ele, essa é a essência da doutrina
do adimplemento substancial.
Boa-fé
O princípio da
boa-fé, que exige das partes comportamento ético, baseado na confiança e na
lealdade, deve nortear qualquer relação jurídica. De acordo com o artigo 422 do
CC, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Segundo Paulo
de Tarso Sanseverino, “no plano do direito das obrigações, a boa-fé objetiva
apresenta-se, especialmente, como um modelo ideal de conduta, que se exige de
todos integrantes da relação obrigacional (devedor e credor) na busca do
correto adimplemento da obrigação, que é a sua finalidade última”.
No julgamento
do Recurso Especial (REsp) 1.202.514, a ministra Nancy Andrighi, da
Terceira Turma do STJ, afirmou que uma das funções do princípio é limitar o
exercício de direitos subjetivos. E a essa função aplica-se a teoria do
adimplemento substancial das obrigações, “como meio de rever a amplitude e o
alcance dos deveres contratuais”.
No caso objeto
do recurso, Indústrias Micheletto e Danilevicz Advogados Associados firmaram
contrato de serviços jurídicos, que previa o pagamento de prestações mensais,
reajustáveis a cada 12 meses.
Durante os
seis anos de vigência contratual, não houve nenhuma correção no valor das
parcelas. A contratada optou por renunciar ao reajuste, visando assegurar a
manutenção do contrato. Entretanto, no momento da rescisão, exigiu o pagamento
retroativo da verba.
Nancy Andrighi
explicou que nada impede que o beneficiado abra mão do reajuste mensal, como
forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual.
Nessa
hipótese, haverá redução da obrigação pela inércia de uma das partes, ao longo
da execução do contrato, em exercer direito, “criando para a outra a sensação
válida e plausível de ter havido a renúncia àquela prerrogativa”, disse.
Por isso, o
princípio da boa-fé tornou inviável a pretensão da firma de advocacia de exigir
valores a título de correção monetária, pois frustraria uma expectativa
legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual, explicou
Andrighi.
Função social
Para o
ministro Luis Felipe Salomão, o contrato deixou de servir somente para
circulação de riquezas: “Além disso - e principalmente -, é forma de adequação
e realização social da pessoa humana e meio de acesso a bens e serviços que lhe
dão dignidade.”
“Diante da
crescente publicização do direito privado, o contrato deixou de ser a máxima
expressão da autonomia da vontade para se tornar prática social de especial
importância, prática essa que o estado não pode simplesmente relegar à esfera
das deliberações particulares”, disse o ministro, no julgamento do REsp
1.051.270.
BBV Leasing
Brasil ajuizou ação de reintegração de posse contra um cliente, em razão da
falta de pagamento de cinco das 36 parcelas devidas em contrato para aquisição
de automóvel. Como não obteve sucesso nas instâncias ordinárias, a empresa
recorreu ao STJ.
Salomão
entendeu que a teoria do adimplemento substancial deveria ser aplicada ao caso,
visto que o cliente teria pagado 86% da obrigação total, além de R$10.500 de
valor residual garantido (VRG).
De acordo com
o relator, a parcela da dívida não paga não desaparecerá, “o que seria um
convite a toda sorte de fraudes”, porém o meio de realização do crédito
escolhido pela instituição financeira deverá ser adequado e proporcional à
extensão do inadimplemento - “como, por exemplo, a execução do título”,
sugeriu.
Ele explicou
que a faculdade que o credor tem de rescindir o contrato, diante do
inadimplemento do devedor, deve ser reconhecida com cautela, principalmente
quando houver desequilíbrio financeiro entre as partes contratantes, como no
recurso julgado.
Carretas
Caso semelhante
foi analisado também pela Terceira Turma, em junho deste ano. Inconformada com
o débito de seis parcelas, do total de 36, correspondentes a contrato cujo
objeto eram 135 carretas, a empresa Equatorial Transportes da Amazônia ajuizou
ação de reintegração de posse contra Costeira Transportes e Serviços.
No
REsp 1.200.105, a Equatorial pediu a extinção do contrato,
sustentando que o fato de faltar apenas um quinto do valor a ser quitado não
servia de justificativa para o inadimplemento da outra contratante.
O ministro
Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso especial, deu razão à Costeira e
aplicou a teoria do adimplemento substancial. “Tendo ocorrido um adimplemento
parcial da dívida muito próximo do resultado final, limita-se esse direito do
credor, pois a resolução direta do contrato mostrar-se-ia um exagero, uma
iniquidade”, disse.
Ele afirmou
que, atualmente, o fundamento para aplicação da teoria é o artigo 187 do CC. De
acordo com o dispositivo, o titular de um direito que o exerce de forma a
exceder os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes, comete ato ilícito.
Na hipótese,
Sanseverino explicou que o credor poderá exigir seu crédito e até indenização,
mas não a extinção do contrato.
Imóvel rural
Em agosto
deste ano, a Terceira Turma reconheceu o adimplemento substancial de um
contrato de compra e venda, cujo objeto era um imóvel rural. Do valor da
dívida, R$ 268.261, o comprador deixou de pagar, à época do vencimento, apenas
três parcelas anuais, que totalizavam R$ 26.640. Esse valor foi quitado
posteriormente.
“Se o saldo
devedor for considerado extremamente reduzido em relação à obrigação total, é
perfeitamente aplicável a teoria do adimplemento substancial, impedindo a
resolução por parte do credor, em favor da preservação do contrato”, afirmou o
ministro Massami Uyeda (AREsp 155.885).
Enriquecimento
ilícito
Quando o
comprador, após ter pagado parte substancial da dívida, torna-se inadimplente
em razão da incapacidade de arcar com o restante das prestações devidas, tem a
possibilidade de promover a extinção do contrato e de receber de volta parte do
que pagou, sem deixar de indenizar o vendedor pelo rompimento. Esse foi o
entendimento da Quarta Turma, ao julgar o REsp 761.944.
Planec
Planejamento Educacional firmou contrato de compra e venda com a Companhia
Imobiliária de Brasília (Terracap) para aquisição de um imóvel, localizado em
Águas Claras (DF). A cláusula relativa ao pagamento previa que 30% do valor do
imóvel deveriam ser pagos a título de sinal.
O tribunal
estadual considerou que o comprador, por ter dado causa à rescisão contratual,
não tinha direito ao ressarcimento de parte substancial do valor pago ao
vendedor. Entretanto, o ministro João Otávio de Noronha, relator do recurso
especial, entendeu que o acórdão deveria ser reformado.
Para o
ministro, o pagamento inicial do valor devido deixa de ser caracterizado como
sinal quando representa adimplemento de parte substancial da dívida. “Assim
sendo, é incabível a retenção de tais valores no desfazimento do negócio, sob
pena de enriquecimento ilícito do vendedor”, disse.
Ele citou
precedente, segundo o qual, “o promissário comprador que se torna inadimplente
em razão da insuportabilidade do contrato assim como pretendido executar pela
promitente vendedora tem o direito de promover a extinção da avença e de
receber a restituição de parte substancial do que pagou, retendo a construtora
uma parcela a título de indenização pelo rompimento do contrato” (REsp
476.775).
Exceção do
contrato não cumprido
No julgamento
do REsp 883.990, a Quarta Turma analisou um caso em que a teoria do
adimplemento substancial foi afastada. Um casal ajuizou ação ordinária, visando
a reintegração de posse de um imóvel, situado na Barra da Tijuca (RJ), e a
consequente rescisão do contrato milionário.
O casal de
compradores havia deixado de pagar mais da metade do valor do imóvel,
aproximadamente R$ 1 milhão, em razão de os vendedores não terem quitado
parcela do IPTU, de R$ 37 mil.
Para suspender
o pagamento das prestações devidas, o casal invocou a norma disposta no artigo
470 do CC - exceção do contrato não cumprido -, argumentando que a
responsabilidade pela quitação dos débitos fiscais incidentes sobre o bem era
dos vendedores.
De acordo com
o relator do recurso especial, ministro Fernando Gonçalves (hoje aposentado),
há uma flagrante desproporcionalidade entre o descumprimento parcial dos
vendedores com a quitação dos débitos fiscais e a retenção das parcelas devidas
pela compra do imóvel.
Ele entendeu
que a falta de pagamento do IPTU não acarretou diminuição patrimonial para os
compradores, o que serviria de justificativa para que estes deixassem de
cumprir sua obrigação. Mencionou que o valor das prestações supera em muito o
quantitativo referente ao imposto, que, inclusive, poderia ser abatido do valor
devido.
Para o
ministro, a exceção do contrato não cumprido favoreceu os vendedores. “Há
flagrante mora dos recorridos [compradores], porque, por uma escassa
importância, suspenderam o pagamento de aproximadamente R$ 1 milhão, já na
posse do imóvel até hoje mantida”, concluiu.
Contrato de
previdência
“Para a
resolução do contrato, inclusive pela via judicial, há de se considerar não só
a inadimplência em si, mas também o adimplemento da avença durante a
normalidade contratual”, disse o ministro Luis Felipe Salomão, no julgamento do
REsp 877.965
Após a morte
do cônjuge, uma beneficiária de contrato de previdência privada, firmado com o
Bradesco Vida e Previdência, foi informada de que o acordo havia sido cancelado
administrativamente, devido à inadimplência de três parcelas. Conforme
acordado, a beneficiária deveria receber pecúlio em razão de morte, no valor de
R$ 42 mil.
Entretanto,
seis dias após o cancelamento pela instituição financeira, antes de ter
ocorrido a morte do cônjuge, as três mensalidades devidas foram pagas. Em razão
do cancelamento, a empresa devolveu o valor pago em atraso.
Diante disso, a beneficiária ajuizou ação de cobrança.
No recurso
especial, ela alegou nulidade da cláusula contratual que autorizou o
cancelamento do contrato de seguro devido ao inadimplemento de parcelas, sem
que tenha ocorrido a interpelação judicial ou extrajudicial para alertar o
devedor a respeito do cancelamento ou rescisão do contrato.
Para o
ministro Salomão, a conduta da beneficiária “está inequivocamente revestida de
boa-fé, a mora - que não foi causada exclusivamente pelo consumidor - é de
pequena importância, e a resolução do contrato não era absolutamente
necessária, mostrando-se também interessante a ambas as partes a manutenção do
pacto”.
Segundo o
ministro, o inadimplemento é “relativamente desimportante em face do
substancial adimplemento verificado durante todo o período anterior”, além
disso, “decorreu essencialmente do arbítrio injustificável da recorrida -
entidade de previdência e seguros - em não receber as parcelas em atraso, antes
mesmo da ocorrência do sinistro, não agindo assim com a boa-fé e cooperação
recíproca, essenciais à harmonização das relações civis”.
Processo
relacionado: REsp 1202514, REsp 1051270, REsp 1200105, AREsp 155885, REsp
761944, REsp 476775, REsp 883990 e REsp 877965
Fonte:
Superior Tribunal de Justiça
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