quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A IMPOSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA PARA O CONTRIBUINTE DA PENALIDADE POR INFRAÇÃO PRATICADA PELO RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO

           
 Nessa semana um cliente bateu as portas da nossa banca informando que foi autuado pela Receita Federal sobre Imposto de Renda Pessoa Física - IRPF que deveria ter sido recolhido pela fonte pagadora, seu então empregador no ano de 2001.
           
            Deveras, o cliente realizou a declaração dos valores recebidos, contudo o seu empregador, apesar de ter retido, não repassou os valores a título de IRPF para a Secretaria da Receita Federal e, por isso, foi realizada a autuação contra o cliente no ano de 2006, incluindo a cobrança do valor principal acrescido de multa moratória e juros moratório.

          Pois bem, a questão a ser solucionada é: se o empregador realizou a retenção e não repassou os valores de IRPF, é devido o pagamento do valor principal para a Receita, contudo, se a infração foi cometida pelo empregador poderá a penalidade ser aplicada ao meu cliente?
             Na realidade amigos a pergunta é mais simples ainda, e baseia-se em uma questão de Teoria Geral do Direito: a pena poderá descolar-se da pessoa do infrator para um terceiro?
             Tratando-se de responsabilidade tributária o CTN informa no seu art. 128 que "a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação".
           Ou seja, a lei poderá atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do tributo a terceira pessoa, que esteja próxima ao fato gerador, mas ainda assim, se o terceiro responsável não pagar a responsabilidade do contribuinte pelo pagamento subsistirá, se a lei assim determinar.
              É o que acontecer com o IRPF. A lei determina que a fonte pagadora da receita que gera renda realize a retenção dos valores na fonte e repasse ao Fisco diretamente. Ou seja, o empregador paga salário ao seu empregado, então a lei determina que o obreiro, ao pagar a quantia, já realize a retenção dos valores a título de IRPF e os recolha ao Fisco.
             Nesse sentido, o art. 7º da Lei nº 7.713/1988, lei que disciplina o IRPF, informa que "ficam sujeito à incidência do imposto de renda na fonte (I) os rendimentos do trabalho assalariado, pagos ou creditados por pessoas físicas ou jurídicas". Ademais, o parágrafo primeiro do mesmo dispositivo informa que "o imposto a que se refere este artigo será retido por ocasião de cada pagamento ou crédito e, se houver mais de um pagamento ou crédito, pela mesma fonte pagadora, aplicar-se-á a alíquota correspondente à soma dos rendimentos pagos ou creditados à pessoa física no mês, a qualquer título". Ainda, de acordo com o art. 722 do Decreto nº 3.000/1999, "a fonte pagadora fica obrigada ao recolhimento do imposto, ainda que não o tenha retido (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 103)".
          Ora, no caso em tela o contribuinte era o meu cliente, mas o responsável tributário pelo recolhimento do tributo era o seu empregador (fonte pagadora).       Sendo o empregador a fonte pagadora do empregado, nada mais fácil do que a lei atribuir a ele a responsabilidade pela retenção do IRPF na fonte, bem como o recolhimento para o Fisco.
                   Pois bem, se o responsável tributário não recolheu a quantia devida aos cofres públicos, a responsabilidade pelo recolhimento do tributo poderá recair sobre o contribuinte, conforme o já visto art. 128 do CTN. Ainda, o "Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que cabe à fonte pagadora o recolhimento do tributo devido. Porém, a omissão da fonte pagadora não exclui a responsabilidade do contribuinte pelo pagamento do imposto, o qual fica obrigado a declarar o valor recebido em sua declaração de ajuste anual" (STJ - REsp: 704845 PR 2004/0165417-3, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 19/08/2008, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16.09.2008).
             Entretanto, se o responsável pelo recolhimento cometeu a infração poderá então a penalidade pelo ato ilegal cometido ser atribuído ao contribuinte?
              Inicialmente vamos à Constituição Federal de 1988.
              De acordo com a CF/88, no seu art. 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais, informa no inciso XLV que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido".
                   Ora, se a fonte pagadora não recolheu o tributo aos cofres do Fisco então foi ela quem cometeu a infração e não o meu cliente! Sendo assim, meu cliente deverá ficar obrigado ao pagamento das penalidades sobre a infração do empregador (fonte pagadora)?
                   Resta evidente que o cliente foi induzido em erro, agindo de boa-fé ao inserir o rendimento em sua DIRF, acreditando que o Obreiro iria recolher o tributo. Sendo assim, em virtude do erro, não é devida a multa de mora, e nem tão pouco os juros de mora, sobre o valor principal.
           Decerto, o cliente não tentou fraudar o fisco, nem tão pouco agiu com ardil. Tendo agido com boa-fé, declarando os rendimentos recebidos, foi induzido em erro pela fonte pagadora, que se comprometeu pelo recolhimento tributário sobre tais valores.
            Ora, o valor tributário principal é devido, sem dúvida, contudo imputar ao cliente multa de mora e juros moratórios sobre o valor é penalizá-lo indevidamente, amargando prejuízo que não deu causa, ferindo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade que são inerente a atividade administrativa, inclusive a atividade do fisco.
              Deveras, se a responsabilidade pelo recolhimento era da Fonte Pagadora, responsabilizar o cliente seria penalizá-lo por ato de terceiro, e por isso, tanto a pena, quanto os juros de mora, devem ser excluídos. Para o professor Leandro Paulsen[1] "a responsabilidade, normalmente , será apenas pelos tributos e não pela totalidade dos créditos (tributos e multas). Isso porque o CTN, atentando para a pessoalidade da pena (garantia fundamental com assento constitucional), busca preservar a pessoalidade da sanção tributária. Assim é que, na maioria das hipóteses de responsabilidade, refere-se à responsabilidade pelos tributos tão-somente, de modo que a responsabilidade pelas infrações (obrigação de pagar penalidades) não se transfere ao sucessor ou a outro terceiro".
            Ademais, cumpre lembrar que o CTN é claro em afirmar no seu art. 137, inciso II, informa que "a responsabilidade é pessoal ao agente (II) quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar".
             Ora, se foi o empregador quem realizou a retenção do IRPF do cliente e não o repassou para o Fisco, a infração foi cometida por ele, sendo a sua responsabilidade pessoal, na forma do dispositivo do CTN acima transcrito. Sendo assim, a cobrança de multa moratória e juros moratórios sobre o crédito tributário de IRPF constituído em face ao cliente é ilegal!
             Ademais, cumpre observar que sobre o tema, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu que "é indevida a imposição de multa ao contribuinte quando, induzido a erro pela fonte pagadora, inclui em sua declaração de ajuste os rendimentos como isentos e não tributáveis. Situação em que a responsabilidade pelo recolhimento da penalidade (multa) e juros de mora deve ser atribuída à fonte pagadora, a teor do art. 722, parágrafo único, do RIR/99 (Decreto n. 3.000/99)" (STJ - REsp: 1218222 RS 2010/0195658-2, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 04/09/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/09/2014).
           Em outro julgado o E. STJ foi claro ao afirmar que "o responsável tributário é aquele que, sem ter relação direta com o fato gerador, deve efetuar o pagamento do tributo por atribuição legal nos termos do artigo 121, parágrafo único, II, c/c 45, parágrafo único , do Código Tributário Nacional. (Precedentes 1ª e 2ª Turmas). [...] O contribuinte não pode responder pelo erro se o tributo não foi retido na fonte, posto que o responsável principal é o substituto legal tributário que, à luz da lei, deveria ter recolhido o imposto de renda, ressalvado eventual regresso, in casu, inexistente" (STJ - REsp: 502739 PE 2003/0019197-4, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 21/10/2003, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 17.11.2003 p. 212).
            Desta forma, visto o caso concreto, resta ao cliente a responsabilidade pelo pagamento da obrigação tributária principal, mas como não foi ele que cometeu a infração, não podem ser a ele atribuída a responsabilidade pelo pagamento de multa moratória e pelos juros de moratórios. Resta evidente então a ilegalidade da cobrança de multa moratória, bem como dos juros de mora lançados contra o cliente acima referido, merecendo a anulação da mesma.
              Forte abraço e até a nova postagem.




[1] Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 13ª ed. - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 984.

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