Nessa semana um cliente bateu as portas da nossa banca informando que foi autuado pela Receita Federal sobre Imposto de Renda Pessoa Física - IRPF que deveria ter sido recolhido pela fonte pagadora, seu então empregador no ano de 2001.
Deveras, o cliente realizou a
declaração dos valores recebidos, contudo o seu empregador, apesar de ter
retido, não repassou os valores a título de IRPF para a Secretaria da Receita
Federal e, por isso, foi realizada a autuação contra o cliente no ano de 2006,
incluindo a cobrança do valor principal acrescido de multa moratória e juros
moratório.
Pois bem, a questão a ser solucionada é: se o
empregador realizou a retenção e não repassou os valores de IRPF, é devido o
pagamento do valor principal para a Receita, contudo, se a infração foi
cometida pelo empregador poderá a penalidade ser aplicada ao meu cliente?
Na realidade amigos a pergunta é mais simples
ainda, e baseia-se em uma questão de Teoria Geral do Direito: a pena poderá
descolar-se da pessoa do infrator para um terceiro?
Tratando-se de responsabilidade tributária o CTN
informa no seu art. 128 que "a lei pode atribuir de modo
expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa,
vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade
do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento
total ou parcial da referida obrigação".
Ou
seja, a lei poderá atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do tributo a
terceira pessoa, que esteja próxima ao fato gerador, mas ainda assim, se o
terceiro responsável não pagar a responsabilidade do contribuinte pelo
pagamento subsistirá, se a lei assim determinar.
É o
que acontecer com o IRPF. A lei determina que a fonte pagadora da receita que
gera renda realize a retenção dos valores na fonte e repasse ao Fisco
diretamente. Ou seja, o empregador paga salário ao seu empregado, então a lei
determina que o obreiro, ao pagar a quantia, já realize a retenção dos valores
a título de IRPF e os recolha ao Fisco.
Nesse
sentido, o art. 7º da Lei nº 7.713/1988, lei que disciplina o IRPF, informa que
"ficam sujeito à incidência do imposto de renda na fonte (I) os
rendimentos do trabalho assalariado, pagos ou creditados por pessoas físicas ou
jurídicas". Ademais, o parágrafo primeiro do mesmo dispositivo
informa que "o imposto a que se refere este artigo será retido por ocasião
de cada pagamento ou crédito e, se houver mais de um pagamento ou crédito, pela
mesma fonte pagadora, aplicar-se-á a alíquota correspondente à soma dos
rendimentos pagos ou creditados à pessoa física no mês, a qualquer título".
Ainda, de acordo
com o art. 722 do Decreto nº 3.000/1999, "a
fonte pagadora fica obrigada ao recolhimento do imposto, ainda que não o tenha
retido (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 103)".
Ora,
no caso em tela o contribuinte era o meu cliente, mas o responsável tributário pelo
recolhimento do tributo era o seu empregador (fonte pagadora). Sendo o empregador a fonte pagadora do
empregado, nada mais fácil do que a lei atribuir a ele a responsabilidade pela
retenção do IRPF na fonte, bem como o recolhimento para o Fisco.
Pois bem, se o responsável
tributário não recolheu a quantia devida aos cofres públicos, a
responsabilidade pelo recolhimento do tributo poderá recair sobre o
contribuinte, conforme o já visto art. 128 do CTN. Ainda, o "Superior Tribunal de Justiça
vem entendendo que cabe à fonte pagadora o recolhimento do tributo devido.
Porém, a omissão da fonte pagadora não exclui a responsabilidade do
contribuinte pelo pagamento do imposto, o qual fica obrigado a declarar o valor
recebido em sua declaração de ajuste anual" (STJ - REsp: 704845 PR
2004/0165417-3, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento:
19/08/2008, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16.09.2008).
Entretanto,
se o responsável pelo recolhimento cometeu a infração poderá então a penalidade
pelo ato ilegal cometido ser atribuído ao contribuinte?
Inicialmente
vamos à Constituição Federal de 1988.
De acordo com a CF/88, no seu
art. 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais, informa no inciso XLV
que "nenhuma pena passará da pessoa do
condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento
de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido".
Ora, se
a fonte pagadora não recolheu o tributo aos cofres do Fisco então foi ela quem
cometeu a infração e não o meu cliente! Sendo assim, meu cliente deverá ficar
obrigado ao pagamento das penalidades sobre a infração do empregador (fonte
pagadora)?
Resta evidente que o cliente foi induzido em erro,
agindo de boa-fé ao inserir o rendimento em sua DIRF, acreditando que o Obreiro
iria recolher o tributo. Sendo assim, em virtude do erro, não é devida a multa
de mora, e nem tão pouco os juros de mora, sobre o valor principal.
Decerto, o cliente não tentou fraudar o fisco, nem
tão pouco agiu com ardil. Tendo agido com boa-fé, declarando os rendimentos
recebidos, foi induzido em erro pela fonte pagadora, que se comprometeu pelo
recolhimento tributário sobre tais valores.
Ora, o valor tributário principal é devido, sem
dúvida, contudo imputar ao cliente multa de mora e juros moratórios sobre o
valor é penalizá-lo indevidamente, amargando prejuízo que não deu causa,
ferindo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade que são inerente a
atividade administrativa, inclusive a atividade do fisco.
Deveras, se a responsabilidade pelo recolhimento
era da Fonte Pagadora, responsabilizar o cliente seria penalizá-lo por ato de
terceiro, e por isso, tanto a pena, quanto os juros de mora, devem ser
excluídos. Para o professor Leandro Paulsen[1]
"a responsabilidade, normalmente , será apenas pelos tributos e não pela
totalidade dos créditos (tributos e multas). Isso porque o CTN, atentando para
a pessoalidade da pena (garantia fundamental com assento constitucional), busca
preservar a pessoalidade da sanção tributária. Assim é que, na maioria das
hipóteses de responsabilidade, refere-se à responsabilidade pelos tributos
tão-somente, de modo que a responsabilidade pelas infrações (obrigação de pagar
penalidades) não se transfere ao sucessor ou a outro terceiro".
Ademais, cumpre lembrar que o CTN é claro em
afirmar no seu art. 137, inciso II, informa que "a responsabilidade é pessoal ao agente (II) quanto às
infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar".
Ora, se foi o empregador quem realizou a retenção
do IRPF do cliente e não o repassou para o Fisco, a infração foi cometida por
ele, sendo a sua responsabilidade pessoal, na forma do dispositivo do CTN acima
transcrito. Sendo assim, a cobrança de multa moratória e juros moratórios sobre
o crédito tributário de IRPF constituído em face ao cliente é ilegal!
Ademais, cumpre observar que sobre o tema, o
Egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu que "é indevida a imposição de multa
ao contribuinte quando, induzido a erro pela fonte pagadora, inclui em sua
declaração de ajuste os rendimentos como isentos e não tributáveis. Situação em
que a responsabilidade pelo recolhimento da penalidade (multa) e juros de mora
deve ser atribuída à fonte pagadora, a teor do art. 722, parágrafo único, do
RIR/99 (Decreto n. 3.000/99)" (STJ - REsp: 1218222 RS
2010/0195658-2, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento:
04/09/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/09/2014).
Em outro julgado o E. STJ foi claro ao
afirmar que "o responsável tributário é aquele que, sem ter relação direta
com o fato gerador, deve efetuar o pagamento do tributo por atribuição legal
nos termos do artigo 121, parágrafo único, II, c/c 45, parágrafo único , do
Código Tributário Nacional. (Precedentes 1ª e 2ª Turmas). [...] O contribuinte
não pode responder pelo erro se o tributo não foi retido na fonte, posto que o
responsável principal é o substituto legal tributário que, à luz da lei,
deveria ter recolhido o imposto de renda, ressalvado eventual regresso, in
casu, inexistente" (STJ - REsp: 502739 PE 2003/0019197-4, Relator:
Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 21/10/2003, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de
Publicação: DJ 17.11.2003 p. 212).
Desta forma, visto o caso concreto, resta ao
cliente a responsabilidade pelo pagamento da obrigação tributária principal,
mas como não foi ele que cometeu a infração, não podem ser a ele atribuída a
responsabilidade pelo pagamento de multa moratória e pelos juros de moratórios.
Resta evidente então a ilegalidade da cobrança de multa moratória, bem como dos
juros de mora lançados contra o cliente acima referido, merecendo a anulação da
mesma.
Forte abraço e
até a nova postagem.
[1] Direito tributário:
constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 13ª ed.
- Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 984.
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