Doutores,
Para
entender um pouco mais sobre a Guerra Fiscal entre os Estados e o ICMS,
confiram o texto do Dr. Raul Haidar.
Abraço,
Convênios
do ICMS criaram clima de insegurança
A
denominada guerra fiscal do ICMS vem chamando a atenção de muita gente há muito
tempo. Dizem que o que começa mal dificilmente acaba bem. Tal afirmativa é
totalmente verdadeira quando se vê o que vem ocorrendo com essa questão.
O
artigo 155 da Constituição ao fixar as normas a que se sujeita o ICMS incluiu
uma que cuida da forma como devem ser concedidos as isenções, incentivos e
demais benefícios fiscais, através de lei complementar. Ocorre que a Lei
Complementar 24/75 (anterior ao texto constitucional, mas por ele recepcionada)
trata de forma defeituosa os convênios, dando-lhes poderes de legislar que eles
jamais tiveram.
Não
pode a lei complementar violar a Constituição. Apesar disso, tem sido comum a
lavratura de autos de infração onde não são aceitos créditos de ICMS vindos de
outros estados. A Carta Magna assegura que a não cumulatividade do tributo
opera-se “compensando-se o que for devido em cada operação relativa à
cinculação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas
anteriores pelo mesmo ou outro estado ou pelo Distrito Federal”.
A
negativa do crédito ignora o princípio da não cumulatividade, que é essencial
na estrutura do ICMS. Se algum imposto foi pago (não importa por quem, quando
ou como) o crédito é de ser admitido. Não pode o fisco, seja a que pretexto
for, negar o direito ao crédito. O ICMS incide sobre o valor agregado que, em
singela afirmação, incide sobre a diferença entre o valor de entrada e o de
saída da mercadoria ou serviço tributado.
Portanto,
o fato de que os fornecedores de serviços usados pelo contribuinte (e sujeitos
ao ICMS) como parte dos que prestou a terceiros, seus clientes, mesmo que
ocorridos, executados, apropriados ou incorporados em outras unidades da
federação, autorizam o aproveitamento do crédito fiscal, por uma razão muito
simples: fazem parte do custo final dos serviços faturados e sobre os quais
paga-se o imposto.
Assim,
se a obrigação, seja ela qual for, tiver sido criada por ato que não emane do
Legislativo, não obriga a qualquer pessoa — ainda que venha anunciada por
convênios, portarias, instruções etc. —, pois o poder de legislar é
absolutamente indelegável. Esse princípio é que difere a democracia dos outros
regimes.
Outra
questão controvertida nessas autuações envolvendo serviços é a que se relaciona
com a emissão de notas fiscais e o fornecimento de informações eletrônicas. Já
surgiram autuações de valores elevados ante a não observância de normas que não
foram aprovadas por lei.
A
Lei Complementar (estadual) 939/2003, considerada em São Paulo como o “Estatuto
do Contribuinte”, diz, em seu artigo 8º, que: “A Administração Tributária
atuará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público, eficiência e
motivação dos atos administrativos”.
Essa
lei não é uma brincadeira, mas vem sendo solenemente ignorada por muitos
servidores.
Não
atende ao interesse público nem ao princípio da razoabilidade que o
contribuinte seja autuado numa eventual omissão, quando todos os dados ou a
maior parte deles já seja de conhecimento do fisco.
O
livro de apuração, por exemplo, é um apanhado dos mesmos informes que constam
da GIA, já entregue ao fisco. O livro de registro de utilização de documentos
serve apenas para anotar ocorrências (que o fisco, por dever de ofício, tem em
seu poder) e registrar a utilização de notas fiscais, estas, objeto de
autorizações expedidas pelo próprio fisco ou mesmo emitidas por ele. Não há
razão, pois, para que se aplique multa nesse caso, eis que a omissão ou falha
em nada interfere no pagamento do tributo. Afinal, o imposto foi destacado e
nenhum dos tomadores dos serviços ficou com dúvida sobre o que se tributava.
Ademais,
eventuais irregularidades de natureza fiscal, que não implique falta ou atraso
no recolhimento de tributo, podem ser corrigidas sem qualquer penalidade,
mediante prévia notificação ao contribuinte. Diz o artigo 52 do Decreto
46.674, regulamentando o artigo 66 da Lei 10.941/2001: “O auto de infração pode
deixar de ser lavrado, nos termos de instruções expedidas pela Secretaria da
Fazenda, desde que a infração não implique falta ou atraso de pagamento de
imposto”.
Ocorre
que a Lei 6.374/89, que regula o ICMS neste estado, em nenhum momento tornou
obrigatória a entrega de arquivos digitais ao fisco e nem mesmo a escrituração
fiscal exclusivamente através de sistemas eletronicos. Tal “obrigatoriedade” só
veio com o Decreto 48.475 que acrescentou o parágrafo 1º ao artigo 250 do
regulamento, bem como o parágrafo 2º, que trata de emissão de notas fiscal em
uma única via. Esse decreto em nenhum momento sequer menciona a lei,
afirmando que se baseia em “convênios” e “protocolos” que foram “ratificados”
pelo executivo. Como se sabe, o governador não faz leis.
Esse
parágrafo 1º, que usa a expressão “deverão” para tentar tornar obrigatório o
que a Lei 6.374 não instituiu é, portanto, totalmente inconstitucional, por não
ter sido aprovado em texto de lei. O princípio da legalidade absoluta em
matéria tributária não se discute, pois decorre de norma da Constituição
Federal, cujo artigo 5º inciso II garante: que “ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
O
contribuinte do ICMS não pode ficar refém dessa tal guerra fiscal. Por outro
lado, a simples possibilidade de imposição de multas de valores astronômicos
sem que sua legalidade esteja clara pode viabilizar sérios problemas contra o
contribuinte e até mesmo estimular eventual corrupção.
Já
passou da hora do Poder Judiciário resolver essa pendência. Existem
muitas empresas que, autuadas pelo ICMS, estão praticamente paradas, pois não
sabem se vale a pena operar num ramo onde ninguém sabe qual é a regra do jogo e
qual a norma tributária que vale e qual não vale. Além disso, as autoridades
fazendárias devem se conscientizar de que nenhum proveito se obtém criando um
clima de terrotismo fiscalista que serve apenas para afugentar o contribuinte.
Raul Haidar é advogado tributarista,
ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do
Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico, 27 de agosto de 2012
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