Doutores,
Para
entender um pouco do nosso sistema tributário, confiram o texto do Dr. Raul
Haidar, publicado pelo CONJUR.
Boa
leitura e forte abraço,
O
contribuinte brasileiro é otário mesmo?
Reportagem
publicada em uma revista norte-americana demonstrou que o consumidor brasileiro
paga por um automóvel importado muito mais do que ele vale e tentou
atribuir-nos por isso a qualidade de otários.
Talvez
não sejamos otários, mas apenas escravos de uma estrutura econômica, financeira
e sobretudo tributária que não nos dá alternativa.
Infelizmente,
pagar por aquilo de que necessitamos preços absurdos, totalmente fora da
realidade, não é novidade e nem se limita a veículos. Chega até mesmo a coisas
básicas. Um almoço razoável em qualquer restaurante de São Paulo custa hoje bem
mais que um similar nas principais capitais do mundo.
Adquiriu
relevância o preço do veículo porque é exatamente a indústria automotiva que
tem recebido ao longo do tempo uma enorme série de favores e proteções, sempre
a pretexto de garantir empregos e incentivar a economia.
No
início da década de 90, com a abertura das importações, quase ocorreu uma
invasão de veículos importados que aqui chegavam a preços bem menores do que os
aqui fabricados. Com um detalhe: os veículos aqui produzidos eram de qualidade
pior, não tinham os acessórios disponibilizados nos importados e nem contavam
com tecnologia similar.
Naquela
época o governo aumentou o imposto de importação e também o IPI de forma
acentuada, sobre os importados, para supostamente manter os empregos dos nossos
metalúrgicos.
Mas
se nós queremos Justiça Tributária, não podemos nos preocupar apenas com
determinados produtos para desenvolver nossa indústria ou fazer funcionar nossa
economia. O aumento ou redução de imposto, de forma episódica e sobre alguns
segmentos, não é algo que possa se sustentar a médio ou longo prazo como forma
de resolver nossos problemas. Nosso mundo é um pouco maior que o território
ocupado pelas lojas de automóveis ou de materiais de construção. Ao que parece
estamos vendo algumas árvores, mas perdemos a visão da floresta.
Não
há a menor dúvida de que a questão tributária é fundamental para corrigir as
nossas principais distorções. E como já dissemos neste espaço, há 3 itens
importantes: a) reduzir a carga tributária; b) simplificar a burocracia fiscal;
e c) garantirmos uma estabilidade razoável das normas reguladoras.
Quando
se fala em reduzir a carga, isso não pode se limitar a alguns segmentos.
Deve-se aplicar com segurança o princípio da essencialidade dos produtos, para
tributar menos as coisas mais essenciais e onerar as supérfluas. Não há razão
nenhuma para reduzir imposto de automóvel e manter elevadas taxas nos remédios
e materiais escolares por exemplo.
No
que se refere à burocracia, há muito a ser feito. Por incrível que pareça a
informatização acabou aumentando o trabalho dos contribuintes nesse assunto. Um
exemplo muito claro é o que se refere às inscrições nas repartições.
Antigamente existia o CGC até que um dia um desses espertinhos que caem de
paraquedas na Receita resolveu que deveria ser feito um recadastramento geral,
passando os registros a se chamarem de CNPJ. Dizia-se que haveria um único
cadastro, extinguindo-se as inscrições estaduais e federais. Mentiram, como de
hábito. Até hoje o contribuinte ou seu preposto tem que ir a 3 lugares
diferentes para fazer sua inscrição. Para que? Para nada, pois basta a Receita
transmitir os dados através da informática e as outras inscrições seriam dispensáveis.
Mas se houver em algum lugar um servidor público mal intencionado, ele poderá
criar embaraços e retardar a inscrição até que se encontre o famoso jeitinho
para resolver o inexistente problema.
Já
estamos nos tornando com frequência cada vez mais reféns da burocracia
insensata e desequilibrada. As agências reguladoras das diversas atividades
econômicas muitas vezes não possuem sequer o número de pessoas necessárias às
verificações que devem ser feitas. Com isso, muitos empreendimentos ficam
paralisados, no aguardo de licenças ou registros, onerando os empresários de
forma indevida.
A
burocracia brasileira não só é um grande transtorno para todos, como tem nos
colocado como otários, idiotas, imbecis, etc., diante das inevitáveis
comparações que as empresas internacionais de consultoria são obrigadas a fazer
periodicamente. Nosso nível burocrático já está bem próximo das economias mais
atrasadas e rudimentares. Algo precisa ser feito para resolver isso.
O
custo disso tudo tem que ser transferido para o preço dos produtos ou serviços.
Por isso é que as coisas por aqui custam tão caro.
Hoje
qualquer profissional razoavelmente informado sabe que há vários anos não temos
mais um sistema tributário. E dentro disso existe a burocracia que, nas
palavras do Prof. Ives Gandra Martins, quando se instala passa a produzir
anticorpos contra as reformas.
O
brasileiro não é otário. Otários são os que ainda pensam que o país não mudou.
Não há a menor dúvida que estamos iniciando uma nova vida na história do país.
Na questão tributária precisamos criar um novo sistema que possa ser
instrumento de nosso desenvolvimento, deixando de ser uma coleção de armadilhas
que nos impede de trilhar o bom caminho.
Raul
Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e
Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico, 3 de setembro de 2012
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