Doutores,
Mais
uma vez é válido conferir a visão do Dr. Raul Haidar sobre o nosso sistema
tributário.
Abraço,
No
Brasil, até quem não deve tributos deve temer
Dizia-se
antigamente que nada deve temer aquele que nada deve. Mas recentemente um
cidadão viu que toda a disponibilidade de sua conta bancária desapareceu de
repente por conta de uma ordem judicial. O Poder Judiciário apoderou-se de tudo
o que ele tinha para pagar suas contas do mês, a pretexto de que ele era
responsável pela dívida de uma empresa da qual fora sócio em passado remoto, há
mais de dez anos! De fato, a vítima teve pequena participação societária numa
empresa há cerca de quinze anos, dela tendo se desligado há mais de 10. Vários
anos depois de sua saída a empresa teve sua falência decretada.
Acontece
que existe uma execução fiscal de Imposto de Renda contra a massa falida. Os
fatos geradores são posteriores à saída da pessoa aqui denominada vítima. E
como não encontraram bens dos devedores (os sócios que faliram com a empresa),
expediu-se ordem judicial para bloqueio imediato de valores do ex-sócio, que
simplesmente não tem nada a ver com a história!
Aliás,
vem se tornando cada vez mais frequentes erros no sistema de bloqueio de ativos
financeiros, com prejuízos para muitas pessoas. Fica a impressão que falta um
controle mais preciso desse mecanismo ou quem sabe o serviço esteja sendo
delegado a pessoas não habilitadas ou que não receberam adequado treinamento.
Ainda
recentemente um contribuinte recebeu notificação de que está prestes a ter seu
nome inscrito no Cadin (Cadastro de Inadimplentes) ante a falta de pagamento do
IPVA de dois veículos que foram dele um dia. O mais antigo desses automóveis
foi objeto de roubo em 1992. Como já se passaram mais de cinco anos, o
contribuinte não tem mais a documentação relativa ao caso, embora tenha sido
indenizado pela companhia de seguros. Não existe razão para que alguém mantenha
em seu arquivo documentos de um carro roubado há mais de 20 anos. O outro carro
foi vendido e, felizmente, o contribuinte obteve documento de que ele está em
Santa Catarina. Como se sabe, os registros do Detran estão sujeitos a erros.
Mas
o que causa espanto é o fato de que a Secretaria da Fazenda do Estado está
cobrando IPVA prescrito há muitos anos. Ora, se o Estado cobra imposto
prescrito, está cometendo o crime de excesso de exação, já que o tributo não é
mais devido. E obviamente o servidor público conhece a lei.
Outra
questão que devemos ter em mente como possível causadora de prejuízo ao
contribuinte , relaciona-se com a possibilidade de protesto extrajudicial das
CDAs (certidões de dívida ativa), que representam supostos créditos do poder
público.
Em
25/09/2012 foi noticiada aqui a decisão da Justiça Federal declarando ser nula
portaria interministerial que permite esse protesto. No caso, o Judiciário foi
acionado pelo Conselho Federal da OAB , sustentando que o protesto é
desnecessário já que as CDAs gozam da presunção de liquidez e certeza.
Sustentou ainda a OAB que pelo protesto “as autoridades fazendárias querem
compelir os contribuintes a realizar o pagamento do crédito tributário sem as
garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do
contraditório, o que demonstra clara pretensão de cobrança indireta de
tributo”.
A
CDA é título de crédito que serve de instrumento para mover a execução fiscal,
que por si só autoriza penhora de bens ou mesmo bloqueio de ativos financeiros.
Assim, eventual protesto serve apenas para constranger o contribuinte,
causando-lhe problema desnecessário e dificultando-lhe o exercício de suas
atividades.
Infelizmente
também são comuns CDAs referirem-se a débitos prescritos, ou seja, débitos que
não existem mais porque foram extintos pelo decurso de prazo. Assim, poderia
ser protestado aquele que nada deve. Vemos, portanto, que muitas pessoas podem
ser executadas, cobradas, processadas, protestadas, negativadas no Cadin ou
sofrerem qualquer prejuízo ou constrangimento sem que efetivamente devam alguma
coisa ao poder público.
Para
que o contribuinte consiga reverter o prejuízo, cancelando as anotações,
limpando o seu nome como ainda se diz, isso implicará em despesas, custos,
aborrecimentos e desgastes que não são corretamente corrigidos ou anulados.
Exatamente
por isso causa-nos estranheza que haja colegas advogados que admitem como
normais esses desvios. A questão é simples: estamos num estado democrático de
direito e qualquer medida que implique em desobediência aos princípios previstos
na Constituição (ampla defesa, presunção de inocência, contraditório,
legalidade, etc.) não pode ser tolerada.
Afinal,
não podemos conviver com o temor permanente de sermos vítimas de um erro sério,
que nos prejudique, apenas porque um burocrata qualquer cometeu um erro
desnecessário e inútil, que se origina apenas da maldade humana. Afinal, uma
CDA protestada é mais CDA que as outras? Colocar o nome de alguém no Cadin
serve para quê? Ao que parece apenas para prejudicar uma pessoa. Isso tudo é coisa
de governo medíocre.
Raul
Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e
Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico, 1º de outubro de 2012
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