Relembrar
não custa nada...
Sobre
a questão do protesto especial para fim falimentar, confiram o texto do Dr. Henrique
Cavalheiro Ricci.
Abraço,
Falência
por impontualidade exige protesto específico
É
próprio da linguagem que as palavras sejam potencialmente vagas e ambíguas[1]. Não é
diferente com o termo falência, que, em apertadíssima síntese, está a designar
tanto o meio de extinção de sociedades empresarias como o processo de execução
em concurso, o qual, para ser instaurado, exige uma sentença que reconheça a
existência de um devedor empresário, submetido à incidência da Lei 11.101/2005
e em estado de insolvência. Em suma, são pressupostos da falência: devedor
empresário; estado de insolvência; e sentença “declaratória”[2] da
falência.
O
estado de insolvência não é propriamente de insolvência econômica, ou seja,
situação de o passivo superar o ativo. No Direito Falimentar brasileiro é
insolvente aquele que é impontual injustificadamente, frustra execução ou
pratica ato de falência, conforme previsto nos incisos I, II e III, do artigo
94, da Lei 11.101/2005.
Impontualidade
injustificada (inciso I), execução frustrada (inciso II) e ato de falência,
constituem-se em hipóteses que criam a presunção relativa de insolvência
econômica, cuja alternativa é a falência, eis que se presumem inviáveis os
empresários em tal situação. Relativa, pois, o depósito elisivo, previsto no
artigo 98, da Lei de Recuperação e Falências e a possibilidade de, no prazo da
contestação, ser requerida a recuperação judicial (conforme previsto no artigo
95), são situações que afastam a referida presunção.
É
impontual injustificadamente[3] o devedor
empresário que “sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento,
obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados
cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do
pedido de falência” (inciso I, do artigo 94, da LRF).
Mais
a frente, no próprio artigo 94,
a Lei Falimentar ainda prevê a necessidade de protesto
específico para fins falimentares: “§ 3º Na hipótese do inciso I do caput deste
artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma
do parágrafo único do art. 9º desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos
respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da
legislação específica”.
A
redação dos dispositivos (inciso I e § 3º, ambos do caput, do artigo 94) é
absolutamente clara quanto à exigência de protesto e incisiva no sentido de que
este seja realizado de forma específica para fins falimentares, na medida em
que dispõe “acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de
protesto para fim falimentar”.
Em
qualquer caso, ou seja, tratando-se de sentença, escritura pública, documento
particular firmado por duas testemunhas, títulos de crédito, etc., pois,
repita-se, “em qualquer caso” deverá haver o protesto específico para fim
falimentar.
Apesar
da aparente clareza do dispositivo, alguns tribunais[4], entre eles o
próprio Superior Tribunal de Justiça[5], e parte
importante da doutrina do direito falimentar, têm entendido que basta o
protesto cambial, caso o título que basear o pedido falimentar já estiver
protestado, dispensando, portanto, o protesto específico que, em princípio,
deveria ser feito “em qualquer caso”.
Poder-se-ia
sustentar que, tendo sido tirado o protesto cambial, seria uma exigência
meramente formal o protesto específico — que, segundo a Lei deveria ser
realizado “em qualquer caso”[6]. A mim tal
assertiva não procede.
Primeiro,
porque não se pode conceber a “flexibilização” de requisitos para penalizar
alguém. Aliás, vale lembrar que para a sociedade empresária a falência é a mais
severa das sanções, pois equivale à pena de morte desta. A propósito, por que
não aplicar aqui, ainda que subsidiariamente, o princípio da preservação da
empresa? Por que se admitir, por vezes, uma aplicação tão condescendente deste
princípio na recuperação
judicial e seu esquecimento no processo falimentar?
Ademais,
é direito do devedor ser apontado em protesto para fim falimentar. Neste caso,
querendo, poderá evitar o protesto com o pagamento ou com a sustação judicial
do mesmo. É evidente que ele, devedor empresário, igualmente poderia fazer isso
frente ao protesto por falta de pagamento, contudo, é também evidente a
gravidade do protesto falimentar, o que, por si só, já pode justificar uma ou
outra conduta acima (pagamento ou ajuizamento de demanda visando sustar o
protesto). Fora isso, o protesto falimentar dispõe de requisitos próprios, os
quais, igualmente, poderiam ser questionados judicialmente — em uma demanda
anulatória de protesto com requerimento liminar de sustação, por exemplo.
Apesar
do argumento acima, no sentido de que protesto falimentar seria “mera
formalidade”, penso que o entendimento que dispensa o protesto específico para
fim falimentar, na existência de protesto cambial, derive da aplicação
equivocada da jurisprudência consolidada à luz da antiga legislação falimentar
(Decreto-Lei 7.661/45).
Digo
isso porque, na Antiga Lei de Falência, previa-se que os títulos cujo protesto
(cambial) não era obrigatório, deveriam ser protestados para fins falimentares,
segundo o artigo 10, do Decreto-Lei 7.661/45: “Os títulos não sujeitos a
protesto obrigatório devem ser protestados, para o fim da presente lei, nos
cartórios de protesto de letras e títulos, onde haverá um livro especial para o
seu registro”. Ou seja, havendo protesto cambial, na vigência da lei revogada,
não se exigia o presto falimentar, por isso a jurisprudência ter firmado tal
entendimento.
Já
o artigo 11, do Decreto-Lei 7.661/45 previa que “para requerer a falência do
devedor com fundamento no artigo 1º, as pessoas mencionadas no artigo 9º devem
instruir o pedido com a prova da sua qualidade e com a certidão do protesto que
caracteriza a impontualidade do devedor”. Diferentemente da redação da lei em
vigor, insistente e propositalmente reproduzida ao longo do presente texto, que
prevê que o protesto será específico para fim falimentar “em qualquer caso”.
À
bem da verdade, tais argumentos sequer foram e estão sendo enfrentados pelos
precedentes que foram surgindo após a edição da Lei 11.101/2005, limitando-se
eles, em sua maioria, a reproduzir a jurisprudência consolidada quando o texto
normativo era diverso do atual.
Por
isso, creio que o protesto específico para fim falimentar deve existir “em
qualquer caso”, como expressamente previsto na Lei 11.101/2005, na hipótese de
falência decretada com base na impontualidade injustificada.
[1] Daí a importância do contexto
para a interpretação – não só do Direito, mas também do Direito, conforme em texto anteriormente
publicado em co-autoria com José Miguel Garcia Medina.
[2] Declaratória entre aspas, pois
tal sentença tem natureza jurídica de sentença constitutiva, eis que daquelas
que cria, extingue e modifica relações jurídicas, v.g., cria a massa
falida, extingue a personalidade jurídica da sociedade empresária e faz vencer
antecipadamente as obrigações.
[3] A meu ver, só há impontualidade injustificada,
eis que, se for “justificada”, não se estará diante de impontualidade, já que
inexigível a obrigação. Assim, as hipóteses previstas no artigo 96, da Lei
11.101/2005, não designam propriamente hipóteses de impontualidade justificada,
mas, sim, de situações onde é afastada a impontualidade ou onde não é cabível o
pedido falimentar (como na hipótese de a atividade ter sido cessada há mais de
dois anos – artigo 96, VIII, da Lei 11.101/2005).
[4] “FALÊNCIA - IMPONTUALIDADE -
ARTIGO 94, I DA LEI 1.101/05 - MONTANTE DA DÍVIDA - HIPÓTESE EM QUE O VALOR DO
INADIMPLEMENTO SUPERA 40 SALÁRIOS MÍNIMOS - INTERESSE PROCESSUAL RECONHECIDO -
DESNECESSIDADE DE PROTESTO ESPECIAL - DUPLICATAS PROTESTADAS -
IMPRESCINDIBILIDADE DA IDENTIFICAÇÃO DA PESSOA QUE RECEBEU A NOTIFICAÇÃO DO
PROTESTO, SOB PENA DE INVIABILIZAR O PEDIDO DE FALÊNCIA - SÚMULA 361 DO STJ -
EXTINÇÃO DO PROCESSO MANTIDA, MAS POR FUNDAMENTO DIVERSO - RECURSO DESPROVIDO.”
(TJSP, Câmara Reservada à Falência e Recuperação, Apelação
0003093-56.2010.8.26.0604, Relator Desembargador Elliot Akel, julgada em
17/05/2010)
[5] AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO
ESPECIAL. JUÍZO PRÉVIO DE ADMISSIBILIDADE. NÃO VINCULAÇÃO DO STJ. FALÊNCIA.
PROTESTO ESPECIAL. DESNECESSIDADE. RECEBIMENTO DA NOTIFICAÇÃO. IDENTIFICAÇÃO.
SÚMULA N. 361-STJ. REEXAME. SÚMULA N. 7-STJ. NÃO PROVIMENTO. 1. O juízo prévio
de admissibilidade do recurso especial não vincula o Superior Tribunal de
Justiça. 2. “É prescindível o protesto especial para a formulação do pedido de
falência.” (REsp 1052495/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe
18/11/2009) 3. “A notificação do protesto, para requerimento de falência da
empresa devedora, exige a identificação da pessoa que a recebeu.” Súmula n. 361
do STJ. Concluído pelo Tribunal local que houve a devida identificação, o
reexame da questão esbarra no enunciado n. 7, da Súmula do STJ. Não se exige,
ademais, que a pessoa identificada tenha poderes formais para o recebimento da
referida notificação. 4. Agravo regimental não provido. (STJ, 4.º T., AgRg no
REsp 1016893/SP, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, julgado em
01/09/2011, DJe 08/09/2011)
[6] Sinto pela repetição, mas faço
isso porque, para mim, a clareza do dispositivo já seria suficiente para
justificar o que sustento no presente texto.
Henrique
Cavalheiro Ricci é advogado do escritório Medina & Guimarães
Advogados Associados e professor de Direito Falimentar na PUC-PR.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico, 26 de novembro de 2012
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