Ilustres,
Interessante
as reflexões apresentadas no artigo publicado no CONJUR sobre dispositivos
antitruste.
Uma
pena que o site do CONJUR não indicou o autor do texto.
Ainda
assim, confiram o trabalho.
Abraço,
A
apresentação de operações de fusões perante o Cade
Os
atos de concentração, tais como fusões, aquisições, bem como as incorporações
de empresas, que visam a qualquer forma de concentração econômica (horizontal
ou vertical) podem produzir, potencialmente, efeitos negativos e positivos
sobre o bem-estar econômico.
Sobre
os efeitos positivos, esses, em regra, derivam de economias de escala ou de
escopo e de redução de custos de transação, entre outros fatores, que podem
proporcionar vantagens competitivas para as empresas participantes da operação
e para os consumidores.
Entretanto,
tais operações também podem modificar a estrutura do mercado, gerando efeitos
negativos, na medida em que favorecem a possibilidade do exercício do poder de
mercado com potencialidade lesiva à concorrência, o que se manifesta por meio
do aumento indiscriminado de preços, queda na qualidade dos produtos ofertados,
baixa diferenciação dos produtos e redução dos investimentos em P&D. A
probabilidade de produção de tais efeitos justifica a intervenção da autoridade
antitruste.
A
análise antitruste, pois, objetivando o bem-estar social e do consumidor final,
tem o condão de pesar os custos sociais decorrentes da operação (eventual
redução da concorrência) com os benefícios sociais por ela gerados (por
exemplo, a redução de custos, aumento de qualidade etc).
O
artigo 54, parágrafo 4º, da Lei 8.884/1994 estabelece que o ato de concentração
deverá ser submetido à apreciação do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) no prazo máximo de quinze dias úteis a contar de sua
realização. Percebe-se, de acordo com o referido dispositivo, que, atualmente,
essas operações, quando realizadas, devem ser comunicadas ao Cade,
necessariamente, no prazo legal, o que faz do Brasil um dos únicos países do
mundo a adotar um controle a posteriori de estrutura.
A
nova lei antitruste, Lei 12.529/2011, todavia, trouxe como principal mudança a
exigência de submissão prévia ao Cade de fusões e aquisições que possam ter
efeitos anticompetitivos, afastando, assim, a possibilidade de notificação
posterior, tal como prevista na Lei 8.884/94. A análise prévia das operações
dará mais segurança jurídica às empresas e trará maior agilidade à análise dos
atos de concentração, uma vez que o Cade terá o prazo máximo de 240 dias para
analisar os atos de concentração a serem realizados, prorrogáveis por mais 90
dias em caso de operações complexas.
Contudo,
levando-se em conta que a nova lei ainda não entrou em vigor e a eficácia, ainda
fluente, da Lei 8.884/94, incidente sobre todas as operações realizadas até a
vigência daquela, o tema ora abordado continua a apresentar relevância, haja
vista a persistente dificuldade das empresas partícipes de operações de
identificar o momento adequado à sua notificação.
Um
sério problema que se apresenta, corriqueiramente, na análise da tempestividade
da apresentação de operações perante o Cade, diz respeito à apresentação, fora
do prazo legal, de documentos preliminares ao contrato principal de aquisição/fusão.
Constantemente, as empresas sustentam que a notificação realizada se dá em
caráter prévio, vez que a operação apenas se realizará, quando cumpridas todas
as condições previstas no instrumento preliminar e celebrado o negócio
principal. Em casos como tais, para a análise da tempestividade da apresentação
da operação, há de haver um exame mais acurado quanto aos termos do documento
preliminar em cotejo com a jurisprudência do Cade.
Inicialmente,
convém salientar a inaplicabilidade da Súmula 9 do Cade, geralmente aludidas
por empresas notificantes para sustentar a tempestividade da operação. Segundo
o entendimento sumulado, “para fins da contagem do prazo de que trata o
parágrafo 4º do artigo 54 da Lei 8.884/94, considera-se realizado o ato de concentração
na data de exercício da opção de compra ou de venda e não o do negócio jurídico
que a constitui, salvo se dos correspondentes termos negociais decorram
direitos e obrigações que, por si sós, sejam capazes de afetar, ainda que
apenas potencialmente, a dinâmica concorrencial entre as empresas.”
Há
de se observar que a opção de compra, referida na súmula, possui a
peculiaridade de criar obrigação ao talante de uma única parte, que fica
vinculada a um prazo, cujo decurso, por si só desobriga, o promitente1, no
caso, o vendedor. A compra, por sua vez, somente se aperfeiçoa com o acordo de
vontades. Equipara-se, pois, a opção de compra, à venda a contento e à promessa
de doação. Para hipóteses como essas é que foi concebido o artigo 466 do Código
Civil, a saber:
"Artigo
466. Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a
mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo
este, no que lhe for razoavelmente assinado pelo devedor."
Verifica-se
que, na opção de compra, apenas a vendedora manifesta sua vontade de contratar
e, a esta obrigação, se vincula de forma irretratável e irrevogável.
Entretanto, o titular da opção de compra (possível futuro comprador) não se
obriga a contratar. Ao contrário, pode ou não exercer o direito de exigir da
outra parte, no prazo e forma estipulados contratualmente, de acordo com a sua
conveniência. Vê-se, assim, quando da estipulação da opção de compra, a
ausência da convergência de vontades, elemento essencial do negócio jurídico
futuro.
O
instituto da opção de compra não se confunde com os contratos preliminares,
firmados quando do curso das tratativas de uma fusão ou aquisição. Em tais
documentos, em regra, as partes vinculam-se a todos os elementos essenciais do
contrato de compra e venda de ações ou ativos, quais sejam a vontade de
contratar manifestada, o objeto e o preço. O vínculo jurídico entre as partes,
por conseguinte, passa a existir a partir da sua assinatura, assumindo, em
muitos casos, o caráter “irrevogável e irretratável”. É bem verdade que, em
muitos casos, são estipuladas, nos contratos preliminares, condições
suspensivas, cuja implementação será verificada em momento posterior, qual seja
a data do fechamento da operação.
A
existência das condições suspensivas, contudo, não afasta o fato de ser o
contrato preliminar o primeiro documento vinculativo entre as partes, vez que
tal instrumento, por si só, já delineia todo o negócio jurídico. Quanto a isso
a Súmula 8 do Cade estabelece que “para fins da contagem do prazo de que trata
o parágrafo 4º do artigo 54 da Lei 8.884/94, considera-se realizado o ato de
concentração na data da celebração do negócio jurídico e não da implementação
de condição suspensiva.”
Por
outro lado, cumpre notar que a preocupação do Cade, em relação à tempestividade
das notificações, parece se direcionar muito mais para a averiguação dos
efeitos do ato praticado sobre a concorrência do que para a forma da qual o ato
se reveste, se declaração unilateral (obrigando apenas uma única parte), se
acordo de vontades com objeto e preço definido. Tal conclusão decorre da
própria Súmula 9 do Cade, que ressalva sua incidência nos casos em que, dos
correspondentes termos negociais da opção de compra, decorram direitos e
obrigações que, por si sós, sejam capazes de afetar, ainda que apenas
potencialmente, a dinâmica concorrencial entre as empresas. Nesse passo,
pode-se afirmar que, independentemente da forma contratual, na análise
antitruste, o mais importante a ser observado é o momento em que a operação
passa a afetar as relações de concorrência entre as partes contratantes.
Sendo
assim, para o Cade, o ato de concentração referido na Lei 8.884/94 seria aquele
que consubstanciaria uma negociação capaz de repercutir efetivamente no
mercado, tendo, por si só, forte poder inibidor na competição entre as partes
envolvidas.
De
fato, as relações econômicas são extremamente sensíveis e dinâmicas. Por
conseguinte, qualquer fato/ato realizado pelas empresas é potencial gerador de
efeitos nas relações de mercado.
Supõe-se
que dois ou mais agentes econômicos, tão logo formem um consenso sobre os
aspectos essenciais de uma determinada operação, deixarão de concorrer entre si
em um mercado — ou, pelo menos, evitarão tomar, a partir de então, atitudes
hostis uns contra os outros.
Mesmo
quando os dois ou mais agentes econômicos, que participam da operação, não
concorrem em um mesmo mercado, presume-se que aquele cujo controle societário
está sendo adquirido (empresa alvo ou empresa objeto) modifique sua forma de
administração — no mínimo, a fim de preparar-se para a celebração do negócio
principal que se concretizará, tão logo implementadas as condições suspensivas.
Ou seja, ainda que o agente econômico que está adquirindo o controle societário
não ingresse, de imediato, na administração da empresa alvo ou empresa objeto,
a dinâmica de administração dessa poderá ser alterada desde o momento em que se
forma um acordo de vontades sobre os aspectos nucleares de uma determinada
operação.
Em
suma, as atividades operacionais da empresa alienada são, em grande parte,
restringidas quando da celebração do contrato preliminar, o que termina por
afetar a sua sistemática concorrencial, vez que impedida de atuar livremente
frente a outro player do mercado. Além disso, a competitividade entre a
compradora e a empresa adquirida é sensivelmente afetada, quando ambas atuam no
mesmo mercado relevante.
É
preciso ter em vista que, como os mercados são, em geral, extremamente
dinâmicos, uma operação, quando já delineada no contrato preliminar, poderá
afetar o mercado instantaneamente ou em um curto período.
Diante
desse risco, o ideal é que o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
(SBDC) aprecie a operação logo que ajustada entre os agentes econômicos, por
meio do contrato preliminar, mesmo que, ocasionalmente, desperdice recursos na
análise de uma operação que acabará não se concretizando no futuro. Em outras
palavras, a razão pela qual o prazo previsto pelo artigo 54, parágrafo 4º, da
Lei nº 8.884/1994 começa a fluir da data em que celebrado o primeiro
instrumento vinculante é a necessidade de atuação do Cade a tempo de evitar que
a operação cause danos ao mercado (Princípio da Precaução). Por sua vez, o
primeiro instrumento vinculante é aquele do qual decorre obrigação, que, por si
só, termine por afetar as relações concorrenciais.
Saliente-se
que o momento de apresentação do ato de concentração ao Cade está consolidado
em normativa interna da Autarquia.
Preceituava
o artigo 2º da Resolução 15/1998 do Cade, in verbis:
“Artigo
2º. O momento da realização da operação, para os termos do cumprimento dos
parágrafos 4º e 5º do artigo 54 da Lei 8.884/94, será definido a partir do
primeiro documento vinculativo firmado entre as requerentes, salvo quando
alteração nas relações de concorrência entre as requerentes ou entre pelo menos
uma delas e terceiro agente ocorrer em momento diverso.”
A
Resolução 15/1998 do Cade foi revogada pela Resolução 45/2007 (a qual aprovou o
Regimento Interno da Autarquia). No entanto, a regra contida no artigo 2º da
Resolução 15/1998 foi parcialmente reproduzida no artigo 98 do atual Regimento
Interno:
“Artigo
98. Considerar-se-á como o momento da realização do ato, para fins de
cumprimento no disposto nos parágrafos 4º e 5º do art. 54 da Lei 8.884/94, a
data da celebração do primeiro documento vinculativo.”
Observe-se
que a discussão sobre a intempestividade de notificações de atos de
concentração e o entendimento do Cade sobre o primeiro instrumento vinculante
não é nova no âmbito do Poder Judiciário.
A
Primeira Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a
legalidade do artigo 2º da Resolução Cade 15/1998 (do qual o artigo 98 do
Regimento Interno constitui uma reprodução parcial), por ocasião do julgamento
do Recurso Especial 984.249/DF2. Confira-se, a propósito, a ementa do acórdão
então proferido:
“ADMINISTRATIVO.
DEFESA DA CONCORRÊNCIA. OPERAÇÃO DE CONCENTRAÇÃO DE EMPRESAS. APROVAÇÃO PELO
CADE. PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS. TERMO INICIAL. DATA DA EFETIVAÇÃO
DO ATO JURÍDICO COM EFICÁCIA VINCULATIVA. SENTIDO DA LEI Nº 8.884/94 (ARTIGO
54, PARÁGRAFO 4º) E DA RESOLUÇÃO 15/98 - CADE (ARTIGO 2º). INOBSERVÂNCIA DO
PRAZO. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA DE NATUREZA FORMAL (ARTIGO 54, PARÁGRAFO 5º),
CUJA TIPICIDADE OU CONSUMAÇÃO INDEPENDEM DA LEGITIMIDADE DA DOCUMENTAÇÃO
APRESENTADA OU DA APROVAÇÃO DA OPERAÇÃO PELO CADE. RECURSO PROVIDO.”
De
acordo com o entendimento do Ministro Teori Albino Zavascki, lançado no
processo referido, são duas as formas de controle, pelo Cade, das operações de
concentração de empresas: (a) a do controle preventivo, quando os atos
jurídicos são apresentados antes da sua “realização”; e (b) a do controle
posterior, caso em que as empresas ficam obrigadas a apresentar os atos ‘no
prazo máximo de quinze dias úteis de sua realização. “Realização”, aqui, tem o
evidente significado de concretização jurídica, não de efetivação do resultado
material do negócio. É que, independentemente do pleno exaurimento material (ou
seja, da integral execução do ato negocial no plano da realidade), o só
aperfeiçoamento jurídico do negócio produz (ou, pelo menos, tem aptidão para produzir)
desde logo efeitos nas relações concorrenciais.
Ainda,
segundo a Relatoria, a Resolução 15/98 andou bem quando adotou como momento da
"realização" o da eficácia jurídica do negócio de concentração, ou
seja, quando considerou realizado o negócio no momento em que há celebração de
um ato juridicamente vinculativo, vez que, no momento em que duas empresas
estabelecem um concerto de vontade de caráter vinculativo, é evidente que ficam
criadas as condições para que os efeitos desse negócio se façam sentir imediatamente,
inclusive no que se refere à limitação ou à eliminação de concorrência nas
relações de mercado.
Também
é bastante esclarecedor o voto então proferido pelo ministro Luiz Fux, no
julgamento do recurso mencionado, no sentido de que, desde o primeiro ato
vinculativo, já se constata a realização de atos que produzem efeitos nas
condições concorrenciais do mercado, possibilidade da ocorrência de abuso do
poder econômico e de um possível prejuízo para inúmeros consumidores, de sorte
que, se o ato passou a produzir efeitos imediatos no mercado, não se pode
considerar data posterior para marcar o início do prazo do artigo 54, parágrafo
4º, da Lei 8.884/94.
No
mesmo sentido, mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça julgou o REsp
nº 615.628/DF, acolhendo a tese do Cade de que o termo inicial do prazo de 15
dias para apresentação da operação ao SBDC é contado a partir do primeiro
instrumento vinculativo entre as partes3.
A
jurisprudência mencionada atesta que a regra contida no artigo 98 do atual Regimento
Interno do Cade está em consonância com o artigo 54, parágrafo 4º, da Lei
8.884/1994.
Assim,
todo e qualquer ato descrito no artigo 54 da Lei 8.884/94 deve ser submetido à
apreciação do Cade, no prazo máximo de quinze dias (úteis), contados a partir
do primeiro documento vinculante firmado entre as partes, tendente à
concentração.
Por
outro lado, a omissão das empresas em apresentar o ato de concentração ao SBDC,
no prazo legal, enquadra-se no disposto no parágrafo 5º do artigo 54 da Lei
8.884/94, que estabelece a penalidade de multa em se tratando do descumprimento
do prazo, vinculando o Cade à aplicação da sanção cominada, em obediência ao
Princípio da Legalidade. Nesse caso, resta ao Conselho, tão somente, dosar a
pena aplicada dentro dos limites estabelecidos no dispositivo.
Por
fim, não é demais destacar que a multa prevista no artigo 54, parágrafo 5º, da
Lei 8.884/1994 permanece devida, ainda que o Cade conclua, posteriormente, que
o ato de concentração não provoca efeitos nocivos à livre concorrência.
[1]
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, vol. II, 3a. ed., São Paulo,
Atlas, 2002, p.424.
[2]
STJ, Primeira Turma, REsp 984.249/DF, Rel. Min. José Delgado, Relator para
Acórdão Min. Teori Albino Zavascki, DJ 29/06/2009
[3]
STJ, REsp nº 615.628/DF, Segunda Turma, Rel. Min. Hermam Benjamim, DJ
04/05/2011
Fonte:
Revista Consultor Jurídico, 6 de julho de 2012
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