Nobres Doutores (em especial aos alunos
de Direito Empresarial III),
Confiram o artigo publicado no CONJUR
pelo professor Izner Hanna Garcia sobre Instituições Financeiras e as taxas de
juros.
Boa leitura e abraço,
Juros cobrados devem ser discutidos em
tribunais
Poucos meses atrás, na esteira de
discussões econômicas, assistimos nossa presidente manifestar repetidas vezes
contra as altas taxas de juros e dos spreads praticados pelos bancos
brasileiros. Em consonância com esta crítica o Banco Central reduziu
sistematicamente a Selic que está em 8,5% ao ano.
Não obstante, obviamente, todos sabem
que este patamar de 8,5% ao ano não é a baliza do custo financeiro que é
praticado pelo sistema bancário brasileiro. As taxas de juros para as operações
de empréstimo pessoal em junho aumentaram, em média, 0,07 ponto percentual
(p.p.), passando de 5,43% ao mês (a.m.) para 5,5%, informa a Fundação
Procon-SP.
Em um exercício de aproximação tomemos
que o custo financeiro médio no Brasil seja hoje de 50% ao ano.
Façamos agora um exercício comparativo.
O custo financeiro médio no EUA, quando alguém (empresa ou pessoa física) vai
até um banco e contrata um empréstimo, é de 7% ao ano.
Assim, hipoteticamente, tomemos um
capital de US$ 1 milhão ou R$ 2 bilhões.
Nosso colega norte americano, tomando
um empréstimo de US$ 1 milhão pagará US$ 70 mil ao ano de juros.
O brasileiro, tomando um capital de R$
2 milhões (arredondando a cotação do dólar para R$ 2,00), pagará, de juros, R$
1 milhão ou US$ 500 mil ao ano.
Chocante, não?!
O que aqui pagamos em um ano os
americanos pagam em 8 anos.
Não é difícil compreender que esta
conjuntura, quando se tem no crédito uma das fundamentais condicionantes de uma
economia, é fator sumamente prejudicial ao Brasil e à nossa economia e
sociedade.
Este custo do crédito, tão exorbitante
e discrepante, simplesmente inviabiliza qualquer possibilidade de que o
tomador, com a aplicação do capital emprestado, gere retorno que lhe permita
remunerar tais juros.
Literalmente tomar um empréstimo no
Brasil significa simplesmente transferir renda e capital para o agente
financeiro visto que não há negócio possível que possa fazer frente a este
juro.
Neste ponto, certamente, poderá o
leitor estar indagando: mas isto é um fato econômico e não tem relevância
jurídica. Coisa de economistas.
Pensar assim é subtrair à ciência
jurídica sua grandeza.
O Direito é uma ciência humana e tudo
que ao homem interessa é do interesse do direito.
Pensemos, por exemplo, na clonagem
humana. Esta matéria, em princípio, está afeita à ciência médica e biológica.
Contudo, vez que traz reflexos ao homem ao Direito é dever tratar e
regulamentar.
Da mesma forma as relações econômicas
de uma sociedade. Alguém poderá negar que as relações financeiras e creditícias
têm relevância e reflexos para toda sociedade?
O primeiro passo para compreensão da
abrangência desta questão é ter em mente que o sistema bancário “opera e
trabalha” com o capital de toda sociedade, funcionando quase como “caixa único”
de uma nação.
Os bancos exercem sua atividade, em
larga medida, com capital que não lhes é próprio e sim com capitais que
amealham de toda sociedade e para tanto são instituições que, para funcionarem,
tem regulação especial.
Este fato, em si, já denota que a
atividade bancária é enquadrada dentro daquelas que, à despeito de exercidas
por entes privados, tem relevância social e, por tal, são regulamentadas de
maneira especial.
Um banco não é uma quitanda de verdura
que qualquer um, sem maiores regulamentações, pode abrir. É necessária uma
carta patente que representa um dever e um privilégio. Somente os bancos podem
exercer a função de captar o dinheiro da sociedade.
Assim e por esta razão a permissão da
prática do custo financeiro exorbitante que vige em nossa economia contraria,
sem qualquer justificativa, a legalidade.
A ofensa legal inicia-se à agressão ao
artigo 192 da Constituição Federal que, em seu caput, estabelece claramente
que: "O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o
desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade,
em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será
regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação
do capital estrangeiro nas instituições que o integram”.
O texto constitucional é claríssimo,
não há possibilidade para tergiversar: promover o desenvolvimento equilibrado
do País.
Como falar em “desenvolvimento
equilibrado” quando o custo financeiro praticado é de 50% ao ano?
Mas deixemos de lado a Constituição. Já
nos acostumamos à realidade de que os princípios constitucionais são, em muitos
casos, somente “intenções”.
Vamos à esfera das leis ordinárias e
especiais.
O Superior Tribunal de Justiça já
pacificou (Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.591/DF) que as operações bancárias
estão submissas ao Código do Consumidor. Se este julgado omitiu-se de regular
os juros em si não ficou omisso da decisão que toda e qualquer atividade
bancária está submetida a este diploma.
Assim, não há razão jurídica para
afastar da análise jurídica de uma operação bancária os princípios norteadores
do Codigo do Consumidor que, no seu artigo 6º inciso V, estabelece que: “Artigo
6º São direitos básicos do consumidor: V - a modificação das cláusulas
contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão
de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
Ora, como negar que o custo financeiro
(juros) de 50% ao ano é desproporcional e excessivamente onerosa?
Vamos além. Lembremos do artigo
421 do Código Civil. Ali o legislador criou uma fundamental condicionante à
liberdade de contratar: a função social do contrato.
Voltemos agora ao conceito de banco.
Acaso pode-se dizer que um banco deve e pode somente perseguir seus lucros,
desconsiderando a função social que exerce na sociedade como agente relevante
no desenvolvimento (ou não) como se fosse uma quitanda de verdura?
Se admitirmos que os bancos podem
cobrar seus juros na forma como hoje praticam, transformando as operações
bancárias em verdadeira expropriação financeira dos tomadores, (mormente quando
considera-se que pagam aos seus depositantes tão e só 8,5% ao ano frente aos
50% que cobram dos tomadores) estaríamos fazendo letra morta do artigo 192 da
Constituição Federal, do Código do Consumidor (artigo 6º inciso V) e do Código
Civil (artigo 421).
Frente à omissão do governo (Banco
Central) a batalha pela legalidade deve ser travada no cotidiano das cortes
fazendo-se sumamente importante que todos os profissionais do direito (juízes,
promotores e advogados) tenham como compreensão que a questão dos juros não é
um debate econômico, alheio ao Direito.
Izner Hanna Garcia é professor de Processo
Civil, pós-graduado pela FGV.
Revista Consultor Jurídico, 15 de
julho de 2012
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