Doutores,
Em
época de eleição, é válido conferir o artigo de Daniel Bulha de Carvalho sobre
licitações no fim do mandato e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Abraço,
LRF
não impede licitação de obras no fim do mandato
Tem
o breve estudo o condão de analisar a contratação de obras públicas de grande
vulto nos dois últimos quadrimestres de mandato ante as restrições balizadas
pelo artigo 42 da Lei Complementar 101/00, denominada Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF).
Sua
criação veio disciplinar os artigos 163 e 169 da Constituição Federal que
exigem lei qualificada para disciplinar as “finanças públicas”, ou seja, a
entrada e saída de recursos financeiros dos cofres públicos.
Nesse
diapasão, a LRF influenciou diretamente as licitações e contratos administrativos,
acrescendo uma série de comandos, condicionamentos e cautelas nas suas
estruturas jurídicas. É possível se verificar que as determinações específicas
da LRF modificaram e sistematizaram ainda mais a geração de despesa nas
licitações e contratos administrativos. Foram aduzidas novas cautelas, houve um
crescimento da importância da fase interna dos certames, com especificações e
controles adicionais.
Assim,
como a maior parte dos processos de licitação terá ao seu fim uma despesa, e a
decisão de seguir ou não com o certame se dá ainda na fase interna, esta deverá
adequar-se a algumas normas da LRF.
O
artigo 16, parágrafo 4º, inciso I, menciona expressamente que todos os ditames
contidos no caput constituem condições prévias para o empenho e licitação
de serviços, fornecimentos de bens ou execução de obras.
O
principal objetivo das restrições descritas no artigo 16 da LRF é evitar que o
excesso de contratações comprometa o equilíbrio orçamentário. O conteúdo do
artigo 16, caput, dispõe que o aumento de despesa gerado a partir da criação,
expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental será acompanhado de:
I
— estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar
em vigor e nos dois subsequentes;
II — declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
II — declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
Observa-se
a partir da leitura do inciso I, que não basta a medição do impacto sobre o
exercício corrente e sim sobre três exercícios, o vigente e os dois
subsequentes. Há também uma referência não somente do impacto orçamentário, mas
também do financeiro, demonstrando uma preocupação com o lastro financeiro que
extinguirá, através do pagamento, a obrigação criada.
O
inciso II exige a declaração formal do ordenador da despesa, que é “toda e
qualquer autoridade de cujos atos resultem emissão de empenho, autorização de
pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos da União ou pela qual esta
responda”[1], cria um
comprometimento direto do ordenador pelo rigoroso acompanhamento do aumento de
despesa. Como decorrência de tal medida, o gerenciamento orçamentário e
financeiro tem mais um elemento de checagem obrigatória antes de emitir
qualquer empenho ou autorizar movimentações financeiras: verificar se implica
ou não aumento de despesa.
Importante
destacar que a previsão de recursos orçamentários não se confunde com a
disponibilidade de recursos financeiros, sendo que a primeira é uma previsão de
gastos estabelecida na lei orçamentária e, a segunda, refere-se à existência de
numerário disponível para pagamento no momento oportuno.
Assim,
ambas são exigidas para a realização das licitações de obras, serviços e
compras, apesar de diferidas no tempo: os recursos orçamentários como
pré-requisito da licitação e os recursos financeiros como decorrência.
Neste
esteio, outro dispositivo da LRF impôs regras acerca do dispêndio de recursos
no ultimo ano de mandato, mais precisamente nos dois últimos quadrimestres,
objeto da presente análise e fruto de enormes discussões e divergência
doutrinária. O artigo 42, da LRF, assim dispõe:
Art. 42 — É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos 2 (dois) quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.
Art. 42 — É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos 2 (dois) quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.
A
ideia do dispositivo em comento é que o dispêndio de recursos não comprometa o
orçamento do exercício vindouro e, mais do que isso, não se comprometa o
orçamento do novo titular do Poder ou órgão referido no artigo 20 da LRF, com
despesas inscritas em “restos a pagar”.
Assim,
o mencionado dispositivo disciplina que a obrigação de despesa deve ser
cumprida integralmente até o término do mandato eletivo, ou seja, paga em sua
integralidade no exercício vigente ou, ao menos que, no ultimo dia do
exercício, haja disponibilidade de caixa para pagamento no próximo exercício
financeiro vigente.
Desse
modo, a interpretação do caput do artigo 42, está em conformidade com
os dispositivos dos artigos 7º, 14 e caput do artigo 57 da Lei
8.666/93 e com o comando constitucional esculpido no artigo 167, parágrafo 1º,
da Constituição Federal, ou seja, o contrato deve estar atrelado à respectiva
vigência do crédito orçamentário.
Se
a despesa deve ser paga no exercício, não há como assumir obrigação acima de
tal período, considerando, por óbvio, que as despesas mencionadas sejam aquelas
para as quais não há previsão específica. Se tal despesa, por exemplo, estiver
prevista na lei orçamentária e há recursos disponíveis, não há qualquer
obstáculo por parte da lei.
Entretanto,
neste momento, dúvidas são recorrentes quanto a restrição da LRF face a
necessidade de início de obras públicas de grande vulto nos dois últimos
quadrimestres de mandato do chefe do Poder Executivo, cujo custo total e
execução da obra excederá o exercício financeiro.
Neste
sentido, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná, respondendo a consulta
formulada pela Prefeitura Municipal de Curitiba, em julho de 2004, decidiu que os
prefeitos podem assinar contratos para a realização de obras que ultrapassem o
mandato, desde que tenham recursos para o pagamento das parcelas que vencerão
no último exercício. [2]
Ou
seja, no caso de obras de grande vulto, aquelas em que sua execução ultrapasse
o exercício financeiro, não há qualquer restrição no mencionado dispositivo,
eis que as parcelas das obras previstas para outros exercícios serão custeadas
com recursos consignados também nos próximos orçamentos. A restrição atinge
somente aquelas parcelas previstas para o último exercício do mandato, que
deverão ser custeadas no próprio exercício ou inscritas em “Restos a Pagar”.
Ressalte-se,
se estivermos falando de obra “plurianual”, ou seja, aquela em que sua execução
será custeada com recursos em mais de um “orçamento anual”, o chefe do poder
executivo não está obrigado a prover recursos financeiros para pagar a parcela
da obra que será executada com dotação do orçamento do ano seguinte[3].
Aqui
vale a pena trazer à colação trechos de uma excelente análise realizada pelo
Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul em seu Manual de
Procedimentos para Aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal, que corroboram
nosso entendimento, já expresso anteriormente em diversos eventos sobre a LRF:
“Outra situação prática, que tem levantado tormentosa dúvida de interpretação, é a que se refere à contratação de execução de obra pública ou de serviços nos últimos oito meses de mandato. A interpretação desse caso, a exemplo da situação anterior, deve propiciar a integração do princípio do equilíbrio e da continuidade da administração destacado pela LRF, com os princípios e normas constitucionais orçamentárias e legislação correlata, de forma que preserve a razoabilidade das ações de governo.
“Outra situação prática, que tem levantado tormentosa dúvida de interpretação, é a que se refere à contratação de execução de obra pública ou de serviços nos últimos oito meses de mandato. A interpretação desse caso, a exemplo da situação anterior, deve propiciar a integração do princípio do equilíbrio e da continuidade da administração destacado pela LRF, com os princípios e normas constitucionais orçamentárias e legislação correlata, de forma que preserve a razoabilidade das ações de governo.
Nesse
sentido não poder-se-ia interpretar que, em relação a uma determinada obra de
vulto considerável ou a um contrato para prestação de serviços de engenharia de
60 meses, cuja execução do respectivo objeto fosse iniciada nos últimos oito
meses de mandato, fosse o administrador compelido a dispor de todo o recurso
financeiro necessário quando da celebração do contrato de execução. Não é esse
o interesse da Lei, e nem poderia ser. O primeiro aspecto que deve ser
observado é a relação orçamentária do art. 42 com o que dispõe a Lei de
Licitações, Lei 8.666/93, que estabelece:
“Art.
7º. As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços
obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte sequência:
“I — projeto básico;
“I — projeto básico;
“II — projeto
executivo;
“III — execução
das obras e serviços.
“(...)
“§ 2º. As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:
“I — houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório;
“II — existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários;
“III — houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma”.
“§ 2º. As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:
“I — houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório;
“II — existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários;
“III — houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma”.
Convém
destacar, por importante, que para uma obra ser licitada, preliminarmente, deve
ser atendido o princípio constitucional do planejamento integrado (CF, art.
165), ou seja, essa obra deve ser objeto de previsão no plano plurianual, na
lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária. De acordo com o
transcrito art. 7º da Lei de Licitações, deve haver, ainda, projeto básico,
projeto executivo e normas de execução dessa obra, que incluirão um cronograma
de execução. Um dos principais dispositivos que elucidam o impasse encontra-se
na Lei 8.666/93, que, no art. 7º, § 2º, III, prevê, acertadamente, que a
dotação orçamentária necessária à licitação deve ser conjugada com o
planejamento da execução a ser realizada no exercício financeiro, tão somente.
Esta
disposição da Lei de Licitações está em conformidade com o princípio da
anualidade previsto no art. 2º da Lei 4.320/64 e no art. 165 da CF/88, que
determina que a receita e a despesa devem referir-se, sempre, ao período
coincidente com o exercício financeiro. Por consequência, se o crédito
orçamentário deve limitar-se àquelas parcelas da execução da obra que forem
planejadas para o exercício, o mesmo ocorrerá em relação aos respectivos
empenho da despesa, liquidação e pagamento.
No
que tange às parcelas subsequentes, além de a obra estar incluída no PPA,
deverá haver previsão da mesma tanto na LDO, quanto na LOA relativas a cada
exercício ao qual a mesma se estenda, tudo nos limites financeiros em
consonância com o cronograma de execução físico-financeiro. Em conclusão, os
contratos para a execução de obras ou prestação de serviços serão empenhados e
liquidados no exercício, não pelo valor total, mas, somente, as parcelas
do cronograma físico-financeiro que correspondam ao executado no exercício
financeiro.”
Fica
evidente que de outra forma não poderia ser interpretada a restrição do artigo
42 da LRF, visto que obras de grande vulto, em sua maioria, são de grande
interesse e necessidade dos administrados e não pode o administrador deixar de
fazê-lo com o subterfúgio de impedimento legal.
Por
óbvio que o ato de iniciar uma grande obra nos dois últimos quadrimestres de
mandato deva ser devidamente motivado, cabalmente justificada sua necessidade e
até mesmo a procrastinação de seu início, caso o haja, eis que as etapas
prévias como o planejamento, captação de recursos financeiros e/ou
financiamento externo e elaboração de estudos de viabilidade são ações de curto
a médio prazo, que por muitas vezes excedem mais da metade do mandato eletivo
para sua conclusão.
Assim,
com a brevidade que tal instrumento requer, sem a intenção de esgotar a
matéria, entendemos que o dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal não
veta a contratação de obras públicas de grande vulto nos dois últimos
quadrimestres do mandato do chefe do Poder Executivo, ante a necessidade de dispêndio
de recursos nos anos subsequentes ao término do mandato eletivo.
Bibliografia
ALMEIDA, Cláudia. Licitações e Contratos Administrativos: Lei n.º 8.666/93 anotada e referenciada. São Paulo: Editora NDJ, 2007. 275p.
CARVALHO, Daniel Bulha de. As influências da Lei de Responsabilidade Fiscal nas Licitações e Contratos Administrativos. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2347, 4 dez 2009. Disponível em
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MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A lei de responsabilidade fiscal e seus princípios, in Revista de Direito Administrativo, Vol. 221, Rio de Janeiro : Editora Renovar, Jul/set 2000.
[3] A contratação da obra deve ser
precedida da verificação do cumprimento das exigências constitucionais (a obra
deve estar prevista no plano plurianual) e da lei de diretrizes orçamentárias ,
dos artigos 5º, § 5ºe 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de
Licitações. Constituição – Art. 167, § 1º - Nenhum investimento cuja execução
ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no
plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de
responsabilidade.
Daniel
Bulha de Carvalho é advogado e consultor na área de Licitações e
Contratos Administrativos, assessor jurídico na Secretaria de Transportes e
Trânsito da Prefeitura Municipal de Guarulhos (SP).
Revista Consultor
Jurídico, 25 de julho de 2012
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