Doutores,
Apesar do BLOG ter como o objetivo os ramos de direito que
circundam o empresário, achei interessante postar a análise do Dr. Andrei
Zenkner Schmidt sobre a equiparação da pena do crime de lavagem de dinheiro com
a do crime de homicídio.
Seria correto equiparar a tutela da vida ao de lavagem de
dinheiro?
Claro que em uma época em que se noticiam fraudes em cascatas,
cachoeiras de dinheiro, nada melhor para satisfazer a opinião pública do que
estipular uma pena severa aos delituosos.
Leiam o artigo e vamos ao debate.
Abraço,
Não é razoável equiparar lavagem de dinheiro ao homicídio
As recentes alterações aprovadas na Lei 9.613/98 pelo Congresso
Nacional (PLS 209/03) encontram-se submetidas à sanção da Presidência da
República. Dentre os diversos pontos polêmicos observados no texto final, não
pode passar despercebido o aumento da pena incidente para o delito de lavagem
de dinheiro. A sanção penal, que antes já era exagerada, agora ganha contornos
de evidente excesso legislativo. A pena máxima foi elevada para 18 anos de
reclusão. Se houver reiteração delitiva (muito frequente, diga-se de passagem),
poderá ser exasperada em até 2/3 (parágrafo 4° do artigo 1°). Ou seja: a pena
máxima abstrata prevista para hipóteses tais pode atingir 30 anos, a mesma de
um homicídio qualificado (artigo 121, parágrafo 2°), de um latrocínio (artigo
157, parágrafo 3°) ou de uma extorsão mediante sequestro com morte (artigo 159,
parágrafo 3°).
Tenhamos presentes algumas premissas básicas: não ignoramos a
legitimidade da criminalização da lavagem de dinheiro, tampouco a necessidade
de uma intervenção penal inteligente e efetiva. Mas há um longo caminho a ser
percorrido para aceitarmos que tais premissas possam nos conduzir,
necessariamente, a um recrudescimento da sanção penal prevista para o delito.
Nem mesmo convenções internacionais (Palermo e Mérida, por exemplo) ou
recomendações de organismos internacionais (Gafi, por exemplo) podem ser
avocadas, ipso factu, para justificarem o aumento da pena.
Uma rápida comparação com as penas previstas para o delito de
lavagem de dinheiro na legislação comparada, inclusive de outros países que
também assumiram semelhantes compromissos internacionais relacionados ao tema,
pode nos trazer gratas surpresas.
Na Europa: 3 meses a 5 anos é a pena da lavagem de dinheiro na
Alemanha (parágrafo 261 do StGB); 6 meses a 6 anos na Espanha (artigo 301 do
CP); 6 meses a 5 anos em Portugal (artigo 368-A do CP); 15 dias a 5 anos na
Bélgica (artigo 505 do CP); 5 anos ou 10 anos (conforme a hipótese delitiva) na
França (artigos 324-1/324-2 do CP); 4
a 12 anos na Itália (artigo 648-bis do CP); 3 anos ou
multa e 5 anos ou multa (quando grave) na Suíça (artigo 305-bis/305-ter do CP).
Na América Latina: o México aprovou em maio de 2012 uma recente
reforma nos crimes de lavagem de dinheiro, prevendo as penas de 3 meses a 3
anos para o encubrimiento, e de 5 a 15 anos para operaciones com recursos de
procedência ilícita (artigos. 400/400-bis do CP); na Argentina, recente
alteração legislativa (Ley 26.683/2011) atribuiu a pena de 3 a 10 anos de prisão (artigo
303 do CP).
Portanto, o Brasil já possuía, na redação original da Lei
9.613/1998, uma pena privativa de liberdade muito além do que era exigido pela
política criminal internacional. Agora, o aumento da pena máxima de 15 para 18
anos atinge níveis intoleráveis — ainda mais se considerarmos que o combo do
legislador também prevê a exclusão da exigência de crime antecedente e a
possibilidade debranqueamento de valores procedentes de contravenções
penais.
A pena máxima de 18 anos é próxima da pena máxima do homicídio (20
anos — artigo 121 do CP). Um delito de lavagem de dinheiro é de especial
gravidade. Não contestamos isso. Mas aceitarmos que a sua gravidade, em
abstrato, possa ser bastante próxima à prevista para a tutela penal do direito
mais fundamental dentre todos os fundamentais (o direito à vida) é um demasiado
excesso.
O paralelo entre as penas do homicídio e da lavagem de dinheiro no
direito comparado também é um importante recurso para percebermos o exagero
tupiniquim.
Na Alemanha, a pena máxima da lavagem de dinheiro (5 anos)
equivale à pena mínima do crime de homicídio (parágrafo 212 do StGB). Na
Espanha, onde a pena máxima da lavagem de dinheiro é de 6 anos, o homicídio é
punido com a pena de 10 a
15 anos (artigo 138 do CP). Na Itália, a pena máxima da lavagem é de 12 anos,
enquanto o homicídio possui apenamento mínimo em 20 anos. Por fim, em Portugal,
o homicídio (artigo 131 do CP) possui pena de 8 a 16 anos, bem maior que a
sanção da lavagem (6 meses a 5 anos).
Ou seja: em todos esses países, a punição do branqueamento, a
despeito de severa, fica muito aquém das sanções penais previstas para crimes
capitais. No Brasil, a pena mínima da lavagem (3 anos), com boa vontade, até
pode ser reputada válida diante da pena mínima de um homicídio (6 anos). Mas a
mesma proporção não foi seguida quanto à pena máxima de ambos os crimes, que
quase se equivalem.
Inúmeros outros argumentos poderiam se somar para chegarmos à
conclusão de que o PLS 209/03, também no que tange ao aumento da pena prevista
para o tipo penal do artigo 1° da Lei 9.613/1998, é inconstitucional, porquanto
ofensivo ao princípio da proporcionalidade. O legislador foi muito além de
qualquer critério de razoabilidade conferido para o legítimo exercício da
discricionariedade legislativa.
Havendo o excesso, é função do Poder Judiciário, caso aprovado o
projeto de lei, decretar a inconstitucionalidade do aumento da pena. Lembremos
que o assunto não é novo: o ministro Celso de Mello, nos autos do HC 92.525, ao
verificar que a alteração legislativa (Lei 9.426/96) promovida no artigo 180 do
Código Penal puniu de forma mais severa a receptação por dolo eventual do que a
praticada por dolo direto, suspendeu cautelarmente a eficácia da condenação do
paciente como incurso na sanção do parágrafo 1° do artigo 180, haja vista a
flagrante inconstitucionalidade em que incorreu o legislador.
Andrei Zenkner Schmidt é advogado
Criminalista e Professor da PUC-RS.
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