Senhores,
No
que tange a incidência do ISS nos contratos de leasing, confiram o texto do Dr.
Gustavo Brigagão.
Interessante.
Forte
abraço,
Ausência
de lei complementar impede ISS em leasing
Ao
longo do tempo, buscou-se sustentar a inconstitucionalidade da incidência do
ISS sobre o contrato de leasing (tanto o operacional, quanto o financeiro),
seja porque ele não teria sido expressamente previsto na lista de serviços
tributáveis pelo imposto, vício esse que foi sanado pela Lei Complementar 56,
de 15 de dezembro de 1987, seja porque ele não teria a natureza de prestação de
serviço, por não configurar obrigação de fazer.
Nutria-se
a esperança, quanto a este último argumento, de que o Supremo Tribunal Federal
viesse a adotar o mesmo entendimento que havia prevalecido quando do exame da
incidência do ISS sobre locação de bens móveis. De acordo com esse precedente,
por não ter a locação a natureza de obrigação de fazer (e, sim, obrigação de
dar), o imposto municipal não poderia incidir sobre o seu preço (RE 116.121,
Pleno, Min. Marco Aurélio, DJ de 25 de maio de 2001).
Essa
esperança caiu por terra quando o Tribunal decidiu que o leasing financeiro,
diferentemente do leasing operacional, teria, sim, a natureza de serviço (que
se corporificaria no próprio financiamento realizado) e que, consequentemente,
estaria sujeito à incidência do ISS (RE 547.245 e RE 592.905, Pleno, Min. Eros
Grau, em 2 de dezembro de 2009).
Note-se,
contudo, que nessa oportunidade o STF julgou a constitucionalidade dessa
incidência exclusivamente sob o enfoque de o leasing ter ou não a natureza de
serviço. Não se examinou qualquer outro pressuposto constitucional que, se não
observado, pudesse impedir a incidência do imposto.
É
o que farei neste artigo.
De
acordo com o artigo 146 da Constituição Federal, cabe à lei complementar dispor
sobre conflitos de competência entre a União, os estados e os municípios, de
forma a evitar que entes políticos distintos promovam a dupla (ou tripla)
incidência de tributos sobre um mesmo fato gerador.
A
previsão em lei complementar sobre a forma como esses conflitos devem ser
dirimidos constitui premissa de incidência do tributo. A ausência de tal norma
compromete a própria cobrança do imposto sobre a atividade de que se trate, e
não apenas aquela que se dê nas circunstâncias em que haja a possibilidade
concreta de conflito (dupla tributação).
Quando
examinei, nesta coluna, a constitucionalidade da incidência do ISS na
importação de serviços, tive a oportunidade de citar dois precedentes do STF
que examinaram esse tema.
O
primeiro deles foi aquele em que se declarou a inconstitucionalidade da
cobrança do Adicional do Imposto sobre a Renda (ADIR), exatamente por não haver
lei complementar que dispusesse sobre as regras que solucionariam os eventuais
conflitos de competência que decorriam das leis estaduais instituidoras do
tributo.
O
ADIR recaia sobre o que fosse pago à União a título do Imposto sobre a Renda
incidente sobre lucros, ganhos ou rendimentos percebidos por pessoas físicas ou
jurídicas.
Considerando
que não havia regra única sobre os critérios de cálculo e cobrança do ADIR, os
estados poderiam adotar (e efetivamente adotavam) regras incompatíveis entre
si, que acabavam por resultar em problemas diversos, dos quais destacamos:
i)
a definição do estado competente na situação em que o contribuinte possuía
estabelecimentos em estados diversos;
ii)
a situação na qual o contribuinte, no primeiro dia do ano, transferia o seu
domicílio de São Paulo (onde o fato gerador — Lei do estado de São Paulo
6.352/1988 — era o mesmo do imposto de renda) para o Rio de Janeiro (onde o
fato gerador era o pagamento do Imposto de Renda, Lei do estado do Rio de
Janeiro 1.394/1988); nessas circunstâncias, ambos os estados se consideravam
competentes para fazer incidir o adicional.
Em
razão de situações como essas, o STF decidiu que o ADIR não poderia ser
instituído pelos estados e pelo Distrito Federal enquanto lei complementar não
dispusesse sobre as matérias referidas no artigo 146 da CF.
Eis
a ementa da decisão proferida em uma das 27 Ações Diretas de
Inconstitucionalidade, julgadas pelo plenário do STF, que ilustra, com
exatidão, o entendimento desse tribunal sobre a matéria:
"Ação
Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 6.352, de 29 ele dezembro de 1988, do
Estado de São Paulo. Tributário. Adicional de Imposto de Renda (CF, art 155,
II), arts. 146 e 24, § 3 da parte permanente da CF e art. 34, §§ 3º, 4° e 5º do
ADCT. O adicional do imposto de renda, de que trata o inciso II do art. 155,
não pode ser instituído pelos Estados e Distrito Federal, sem que, antes, a lei
complementar nacional, prevista no caput do art. 146, disponha sobre as matérias
referidas em seus incisos e alíneas, não estando sua edição dispensada pelo §
3° do art. 24 da parte permanente da Constituição Federal, nem pelos §§ 3º, 4°
e 5° do art. 34 do ADCT. Ação julgada procedente, declarada a
inconstitucionalidade da Lei n. 6.352, de 29 de dezembro de 1988, do Estado de
São Paulo." (ADIN 28-4-SP, Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 151,
p. 657)
Outro
precedente jurisprudencial que tratou do tema em análise foi a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.600-8, de que foi relator o ministro Nelson Jobim.
Nessa ação, julgou-se inconstitucional a incidência do ICMS sobre transporte
aéreo de pessoas, entre outros motivos, porque faltava lei complementar que
dispusesse sobre eventuais conflitos de competência.
Destacamos
trecho do voto da ministra Ellen Gracie, que bem ilustra o raciocínio então
desenvolvido:
“A
Constituição Federal estabelece em seu art. 146 que à Lei Complementar cabe
dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre os Estados
(I); definir fatos geradores, base de cálculo e contribuintes relativamente aos
impostos discriminados na Constituição (III, a); e estabelecer normas relativas
a obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários (III, b).
Tudo isso, como se viu e melhor foi demonstrado pelo voto que me antecedeu, não
está claramente definido, com relação ao transporte aéreo, de passageiros na
referida legislação. Os dispositivos impugnados nada estabelecem sobre a forma
como serão solucionados os conflitos em torno da competência impositiva, nem
sobre a partilha do produto do imposto, o que seria imprescindível, em face da
circunstância de a prestação desse serviço envolver, na maioria das vezes, mais
de um Estado (...)”
Particularmente
em relação ao leasing financeiro, em virtude das várias etapas necessárias à
realização dessa atividade, é possível e, aliás, muito comum, que haja
dispersão dos estabelecimentos prestadores do serviço, em municípios distintos.
De
fato, em tese, o exercício da atividade pode se dar em, pelo menos, três
etapas/locais distintos, quais sejam:
i)
local da assinatura do contrato, além da captação do cliente e coleta das suas
informações;
ii)
local em que está localizada a equipe técnica responsável por operacionalizar o
financiamento; e
iii)
local da entrega do bem financiado.
Tanto
essas circunstâncias geram dúvida sobre os municípios competentes para cobrar
ISS que, atualmente, está pendente de análise pela 1ª Seção do Superior
Tribunal de Justiça, o julgamento do Recurso Especial 1.060.210, em que se
discute se o ISS seria devido ao município em que é assinado o contrato, ou
àquele em que localizada a equipe técnica responsável por efetivamente conceder
o financiamento.
É
absolutamente indispensável, portanto, que lei complementar disponha sobre como
serão dirimidos os conflitos de competência nessas situações, e a sua ausência,
da mesma forma como ocorreu com o ADIR e com o ICMS sobre transporte aéreo,
impede a incidência do ISS sobre as operações de leasing financeiro.
Prova
disso, é que tramita no Congresso Nacional o projeto de lei complementar (PLP)
542/2009, de autoria do Deputado Federal Luiz Carlos Hauly, que fixa como
município competente para recolher o ISS aquele no qual ocorre a entrega do bem
ao cliente final (que, reparem, nem consta da discussão pendente de julgamento
pelo STJ, acima referida).
Baseado
nessas premissas, a conclusão a que chegamos é no sentido de que, apesar de o
leasing financeiro ter a natureza de serviço (conforme jurisprudência do STF)
e, portanto, configurar fato gerador do ISS, para que essa incidência ocorra em
consonância com os princípios constitucionais que regem as relações
tributárias, será necessária a edição de lei complementar que disponha sobre os
critérios a serem utilizados na solução dos conflitos de competência inerentes
ao exercício dessa atividade.
Gustavo
Brigagão é sócio do escritório Ulhôa Canto, secretário-geral da ABDF
(Associação Brasileira de Direito Financeiro), diretor do Centro de Estudos das
Sociedades de Advogados (Cesa) e presidente da Câmara Britânica do Rio de
Janeiro.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico, 22 de agosto de 2012
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