sábado, 11 de agosto de 2012

Propaganda simbólica não gera dever de indenizar


Leitores,

Interessante a notícia de decisão do TJSP na qual foi negada a indenização a consumidor que alegou que propaganda simbólica seria enganosa.

Confiram.

Abraço




Propaganda simbólica não gera dever de indenizar

"É público e notório que nenhum veículo, nem mesmo de brinquedo, de plástico, é vendido por R$ 0,01. Nada há no mercado que se negocie por tal valor." Com este fundamento, a 4ª Vara Cível de São Paulo negou indenização para um consumidor que moveu ação contra uma concessionária. Ele queria comprar um Ágile, anunciado ao preço de R$ 0,01. A Justiça entendeu que não existe "seriedade apta a obrigar a oferta". Para a primeira instância, tanto a "lealdade como a boa-fé devem nortear todas as relações jurídicas".

O consumidor alegou que a concessionária anunciou o veículo a "preço de banana" e, na hora da compra, vendeu o carro com o preço normal. Ele pediu indenização de R$ 34 mil, valor do veículo que iria comprar. A primeira instância acatou os argumentos da concessionária, representada pelo escritório Fabio Kadi Advogados, e entendeu que o autor da ação "em flagrante litigância de má-fé, utilizou-se do processo para alcançar objetivo ilegal". Para a Justiça, no caso dos autos, não se compreende "que tenha o autor intimamente acreditado que na seriedade dos argumentos utilizados" no anúncio. Cabe recurso.

Ele argumentou que foi na concessionária porque havia um anúncio na fachada com as frases: "Deu a louca no gerente. Veículos a preço de banana". Depois de verificar os modelos dos carros, escolheu um Ágile, anunciado ao preço de R$ 0,01. Ele chamou uma das vendedoras e mostrou interesse na aquisição do bem. Contudo, ao lhe ser entregue a nota fiscal, agora pelo gerente, constava o valor de R$ 34.500,00. Questionado pelo consumidor sobre a diferença de preço, o gerente disse que aquele anúncio servia apenas para atrair clientes e que não poderia vender o veículo por R$ 0,01. Com base no artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor, o cliente alegou que poderia exigir o que foi ofertado.

A primeira instância entendeu que, além da análise literal do artigo, é necessária uma interpretação sistemática de todo o ordenamento jurídico vigente, entre os quais se destaca a boa-fé. De acordo com o juiz que analisou o caso, toda oferta deve ser minimamente aceitável — o que não é o caso dos autos.

O juiz concluiu que não houve a formação de uma justa expectativa, que pudesse vir a ser posteriormente frustrada, diante da propaganda veiculada pela concessionária. "Qualquer pessoa dotada de médio discernimento poderia chegar à compreensão inarredável de que a propaganda era simbólica. Não houve, outrossim, propaganda enganosa, o que ocorre somente quando é capaz de induzir o consumidor em erro".


Veja a íntegra da decisão:

Vistos.

C. F. A. J. move ação de obrigação de fazer c.c. indenização por danos morais em face de NOVA CHEVROLET TATUAPÉ.

Em suma, alega o autor que no mês de setembro p.p., acompanhado de algumas pessoas, compareceu até a agência da requerida, no bairro do Tatuapé, a fim de adquirir um veículo. Entrou naquele local porque havia um anúncio afixado na fachada da empresa com os seguintes dizeres: “Deu a louca no gerente. Veículos a preço de banana.” Após verificar os modelos disponíveis, observou a existência de um Ágile, anunciado ao preço de R$ 0,01. Chamou uma das vendedoras e mostrou interesse na aquisição do bem. Contudo, ao lhe ser entregue ao autor a nota fiscal, agora pelo gerente, constava o valor de R$ 34.500,00. Indagado sobre a diferença de preço, o gerente disse que aquele anúncio servia apenas para atrair clientes e que não poderia vender o veículo por R$ 0,01. Invoca o artigo 30 do CDC, que entende lhe autoriza a exigir o que foi ofertado.

Tece considerações acerca da boa-fé objetiva e dos direitos básicos do consumidor. Aduz, ainda, que a conduta da ré causou-lhe grande frustração e vários transtornos, reclamando uma indenização por danos morais no importe de R$ 34.000,00. A inicial veio acompanhada de documentos (fls. 11/19). Citada, a ré ofertou contestação alegando que a ação é “sem pé nem cabeça” e desprestigia todo o trabalho desenvolvido em prol dos que realmente necessitam a tutela jurisdicional. Nega a afixação do cartaz mencionado na inicial na fachada da empresa, o que não é hábito da contestante. Ainda que assim não fosse, deveriam ser os dizeres interpretados de forma figurativa. Afirma que as fotos tiradas pelo autor, e juntadas com a inicial, representam tão somente uma tela de computador (print screen) do estoque da ré, e não uma nota fiscal. E tal informação nunca esteve afixada no veículo, como se fosse uma etiqueta. Requer a improcedência da demanda e a condenação do autor como litigante de má-fé (fls. 27/47).

A contestação veio acompanhada de documentos (fls. 49/75). Réplica a fls. 78/81. Instadas as partes a especificarem provas, manifestaram-se a fls.86 e 88.

É O RELATÓRIO.

FUNDAMENTO E DECIDO.

O feito comporta julgamento antecipado, sendo desnecessária a dilação probatória. A ação é manifestamente improcedente. Equivocado o entendimento defendido pelo autor que, invocando a tutela protetiva agasalhada no artigo 30 do Código Consumerista, pretende compelir a ré a uma obrigação iníqua, além de obter vultosa indenização indevida, com flagrante dolo de aproveitamento. Da atenta análise dos argumentos expendidos na inicial, contudo, verifica-se, de forma cristalina, total subversão do ordenamento jurídico, o que não se pode deixar de lamentar.

O Código de Defesa do Consumidor veio em boa hora, representando avanço no sentido de se conferir segurança às inúmeras relações e negócios travados entre o destinatário final (consumidor) de bens e serviços e seus fornecedores. Não se pode admitir, entretanto, que ocorra o seu desvirtuamento, desprestigiando-se os princípios e fundamentos inspiradores do instituto. É certo que há expressa previsão no sentido que "Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contraio que vier a ser celebrado." (artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor). A interpretação literal de referido dispositivo legal poderia levar ao singelo entendimento que toda oferta vincula aquele que a emitiu nos exatos termos propostos. Menos certo não é, contudo, que faz-se necessário uma interpretação sistemática, à luz dos princípios informadores, não só da legislação consumerista, mas de todo o ordenamento jurídico vigente, entre os quais se destaca a boa-fé.
Toda oferta deve ser crível, ou seja, minimamente aceitável, capaz de levar a erro o consumidor deve corresponder à natureza e condições do negócio usualmente utilizadas no mercado, inteligência do artigo 427 do Código Civil. É público e notório que nenhum veículo, nem mesmo de brinquedo, de plástico, é vendido por R$ 0,01. Nada há no mercado que se negocie por tal valor. Disso decorre que não houve a formação de uma justa expectativa, que pudesse vir a ser posteriormente frustrada, frente à propaganda veiculada pela ré, como quer fazer crer o autor. A oferta veiculada pela ré não era hábil a enganar ou mesmo sugerir, de forma legítima e válida, que seria efetivada a venda de um veículo pelo valor simbólico de R$ 0,01, a menor expressão monetária da economia brasileira. Qualquer pessoa dotada de médio discernimento poderia chegar à compreensão inarredável de que a propaganda era simbólica. Não houve, outrossim, propaganda enganosa, o que ocorre somente quando é capaz de induzir o consumidor em erro.

Não se ignora entendimentos no sentido que o que vincula o fornecedor não é sua vontade, mas sim a mensagem publicitária veiculada. Isso não ocorre, contudo, quando a publicidade não puder ser recebida como real pelo consumidor. Inexiste seriedade apta a obrigar a oferta. Tanto a lealdade como a boa-fé devem nortear todas as relações jurídicas, dai porque a melhor interpretação das relações consumeristas não prescinde da análise sob essa ótica.

E devem existir perante os dois pólos da relação. A ratio legis do Código de Defesa do Consumidor não é a proteção total e incondicional do consumidor, mesmo quando a razão não lhe socorra. A norma tem por escopo trazer o desejado equilíbrio à relação consumerista, sem prescindir da análise do caso concreto e de suas peculiariedades. Discorrendo sobre a boa-fé objetiva, da qual trata o Código de Defesa do Consumidor, Arnaldo Rizzardo, uma das vozes mais autorizadas na matéria, assim preleciona:

“O princípio da boa-fé estampado no artigo 4º da lei consumerista tem, então, como função viabilizar os ditames constitucionais da ordem econômica, compatibilizando interesses aparentemente contraditórios, como a proteção ao consumidor e o desenvolvimento econômico e teconológico. Com isso, tem-se que a boa-fé não serve somente para a defesa do débil, mas sim como fundamento para orientar a interpretação garantidora da ordem econômica, que, como vimos, tem na harmonia dos princípios constitucionais do art. 170 sua razão de ser.” (in CURSO DE DIREITO DO CONSUMIDOR: com exercícios / Rizzato Nunes – 2 ed.rev.modif. e atual. – São Paulo:Saraiva, 2005 – p. 128).

Sem razão, pois, busca o autor a aquisição do veículo automotor pelo valor de R$ 0,01. Quanto à pretensão de dano moral, igualmente descabida. Não houve ato ilícito, como também inexistiu dano de natureza extrapatrimonial, não comportando o tema maiores digressões a respeito dada a vileza do pedido.

Por fim, não se pode desprezar o fato que o autor, em flagrante litigância de má-fé, utilizou-se do processo para alcançar objetivo ilegal. O divisor para caracterizar a hipótese é, segundo entendem doutrina e jurisprudência, é a ciência da falta de fundamentação adequada dos argumentos postos em Juízo. É o conhecimento que a pretensão não prospera, mas ainda assim se busca alcançar o objetivo ilegal. É o caso dos autos, porquanto não se compreende – repita-se – que tenha o autor intimamente acreditado que na seriedade dos argumentos utilizados.

O Juiz pode e deve aplicar, até mesmo de ofício, a pena por litigância de má-fé, na forma do artigo 18 do CPC, como forma de desestimular a conduta reprovável da parte que, aventureira e irresponsavelmente, utiliza-se de instrumento idôneo, como é o processo, para tentar atingir objetivo moralmente ilegítimo. Cabe ao juiz cuidar para que os interesses privados das partes não se sobreponham aos interesses maiores que regem a vontade estatal, da qual é representante. Cabe-lhe, deste modo, assegurar que do processo não se sirvam as partes para alcançar objetivo ilegal, ilegítimo ou imoral, rechaçando todo e qualquer intento que atende contra a dignidade da justiça.

Nessa esteira, convencida pelas circunstâncias que cercam o caso, entendo necessária a aplicação da multa prevista no artigo 18 do Código de Processo Civil, pois a forma como agiu o autor causa desprestígio à justiça.

Posto isso, ((NG))JULGO IMPROCEDENTE((CL)) o pedido. Condeno o autor no pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios que arbitro em R$ 1.000,00, por equidade, ressalvados os benefícios da assistência judiciária gratuita que lhe foram concedidos. Condeno, ainda, o autor por litigância de má-fé, com fundamento no artigo 17, inc. III, Código de Processo Civil, no pagamento da multa de 0,5% do valor atualizado da causa, não abrangido pelas benesses da Lei n. 1060/50.

P.R.I.C. 

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 9 de agosto de 2012

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