Leitores,
Interessante a notícia de decisão do TJSP na qual foi negada a indenização a consumidor que alegou que propaganda simbólica seria enganosa.
Confiram.
Abraço
Propaganda
simbólica não gera dever de indenizar
"É
público e notório que nenhum veículo, nem mesmo de brinquedo, de plástico, é
vendido por R$ 0,01. Nada há no mercado que se negocie por tal valor." Com
este fundamento, a 4ª Vara Cível de São Paulo negou indenização para um
consumidor que moveu ação contra uma concessionária. Ele queria comprar um
Ágile, anunciado ao preço de R$ 0,01. A Justiça entendeu que não existe
"seriedade apta a obrigar a oferta". Para a primeira instância, tanto
a "lealdade como a boa-fé devem nortear todas as relações jurídicas".
O
consumidor alegou que a concessionária anunciou o veículo a "preço de
banana" e, na hora da compra, vendeu o carro com o preço normal. Ele pediu
indenização de R$ 34 mil, valor do veículo que iria comprar. A primeira
instância acatou os argumentos da concessionária, representada pelo escritório Fabio
Kadi Advogados, e entendeu que o autor da ação "em flagrante litigância de
má-fé, utilizou-se do processo para alcançar objetivo ilegal". Para a
Justiça, no caso dos autos, não se compreende "que tenha o autor
intimamente acreditado que na seriedade dos argumentos utilizados" no
anúncio. Cabe recurso.
Ele
argumentou que foi na concessionária porque havia um anúncio na fachada com as
frases: "Deu a louca no gerente. Veículos a preço de banana". Depois
de verificar os modelos dos carros, escolheu um Ágile, anunciado ao preço de R$
0,01. Ele chamou uma das vendedoras e mostrou interesse na aquisição do bem.
Contudo, ao lhe ser entregue a nota fiscal, agora pelo gerente, constava o
valor de R$ 34.500,00. Questionado pelo consumidor sobre a diferença de preço,
o gerente disse que aquele anúncio servia apenas para atrair clientes e que não
poderia vender o veículo por R$ 0,01. Com base no artigo 30 do Código de Defesa
do Consumidor, o cliente alegou que poderia exigir o que foi ofertado.
A
primeira instância entendeu que, além da análise literal do artigo, é
necessária uma interpretação sistemática de todo o ordenamento jurídico
vigente, entre os quais se destaca a boa-fé. De acordo com o juiz que analisou
o caso, toda oferta deve ser minimamente aceitável — o que não é o caso dos
autos.
O juiz
concluiu que não houve a formação de uma justa expectativa, que pudesse vir a
ser posteriormente frustrada, diante da propaganda veiculada pela
concessionária. "Qualquer pessoa dotada de médio discernimento poderia
chegar à compreensão inarredável de que a propaganda era simbólica. Não houve,
outrossim, propaganda enganosa, o que ocorre somente quando é capaz de induzir
o consumidor em erro".
Processo: 606.01.2011.016290-0
Veja
a íntegra da decisão:
Vistos.
C.
F. A. J. move ação de obrigação de fazer c.c. indenização por danos morais em
face de NOVA CHEVROLET TATUAPÉ.
Em
suma, alega o autor que no mês de setembro p.p., acompanhado de algumas
pessoas, compareceu até a agência da requerida, no bairro do Tatuapé, a fim de
adquirir um veículo. Entrou naquele local porque havia um anúncio afixado na
fachada da empresa com os seguintes dizeres: “Deu a louca no gerente. Veículos
a preço de banana.” Após verificar os modelos disponíveis, observou a
existência de um Ágile, anunciado ao preço de R$ 0,01. Chamou uma das
vendedoras e mostrou interesse na aquisição do bem. Contudo, ao lhe ser
entregue ao autor a nota fiscal, agora pelo gerente, constava o valor de R$
34.500,00. Indagado sobre a diferença de preço, o gerente disse que aquele
anúncio servia apenas para atrair clientes e que não poderia vender o veículo
por R$ 0,01. Invoca o artigo 30 do CDC, que entende lhe autoriza a exigir o que
foi ofertado.
Tece
considerações acerca da boa-fé objetiva e dos direitos básicos do consumidor.
Aduz, ainda, que a conduta da ré causou-lhe grande frustração e vários
transtornos, reclamando uma indenização por danos morais no importe de R$
34.000,00. A inicial veio acompanhada de documentos (fls. 11/19). Citada, a ré
ofertou contestação alegando que a ação é “sem pé nem cabeça” e desprestigia
todo o trabalho desenvolvido em prol dos que realmente necessitam a tutela
jurisdicional. Nega a afixação do cartaz mencionado na inicial na fachada da
empresa, o que não é hábito da contestante. Ainda que assim não fosse, deveriam
ser os dizeres interpretados de forma figurativa. Afirma que as fotos tiradas
pelo autor, e juntadas com a inicial, representam tão somente uma tela de
computador (print screen) do estoque da ré, e não uma nota fiscal. E tal
informação nunca esteve afixada no veículo, como se fosse uma etiqueta. Requer
a improcedência da demanda e a condenação do autor como litigante de má-fé
(fls. 27/47).
A
contestação veio acompanhada de documentos (fls. 49/75). Réplica a fls. 78/81.
Instadas as partes a especificarem provas, manifestaram-se a fls.86 e 88.
É
O RELATÓRIO.
FUNDAMENTO
E DECIDO.
O
feito comporta julgamento antecipado, sendo desnecessária a dilação probatória.
A ação é manifestamente improcedente. Equivocado o entendimento defendido pelo
autor que, invocando a tutela protetiva agasalhada no artigo 30 do Código
Consumerista, pretende compelir a ré a uma obrigação iníqua, além de obter
vultosa indenização indevida, com flagrante dolo de aproveitamento. Da atenta
análise dos argumentos expendidos na inicial, contudo, verifica-se, de forma
cristalina, total subversão do ordenamento jurídico, o que não se pode deixar
de lamentar.
O
Código de Defesa do Consumidor veio em boa hora, representando avanço no
sentido de se conferir segurança às inúmeras relações e negócios travados entre
o destinatário final (consumidor) de bens e serviços e seus fornecedores. Não
se pode admitir, entretanto, que ocorra o seu desvirtuamento,
desprestigiando-se os princípios e fundamentos inspiradores do instituto. É
certo que há expressa previsão no sentido que "Toda informação ou
publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de
comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados,
obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o
contraio que vier a ser celebrado." (artigo 30 do Código de Defesa do
Consumidor). A interpretação literal de referido dispositivo legal poderia
levar ao singelo entendimento que toda oferta vincula aquele que a emitiu nos
exatos termos propostos. Menos certo não é, contudo, que faz-se necessário uma
interpretação sistemática, à luz dos princípios informadores, não só da
legislação consumerista, mas de todo o ordenamento jurídico vigente, entre os
quais se destaca a boa-fé.
Toda
oferta deve ser crível, ou seja, minimamente aceitável, capaz de levar a erro o
consumidor deve corresponder à natureza e condições do negócio usualmente
utilizadas no mercado, inteligência do artigo 427 do Código Civil. É público e
notório que nenhum veículo, nem mesmo de brinquedo, de plástico, é vendido por
R$ 0,01. Nada há no mercado que se negocie por tal valor. Disso decorre que não
houve a formação de uma justa expectativa, que pudesse vir a ser posteriormente
frustrada, frente à propaganda veiculada pela ré, como quer fazer crer o autor.
A oferta veiculada pela ré não era hábil a enganar ou mesmo sugerir, de forma
legítima e válida, que seria efetivada a venda de um veículo pelo valor
simbólico de R$ 0,01, a menor expressão monetária da economia brasileira.
Qualquer pessoa dotada de médio discernimento poderia chegar à compreensão
inarredável de que a propaganda era simbólica. Não houve, outrossim, propaganda
enganosa, o que ocorre somente quando é capaz de induzir o consumidor em erro.
Não
se ignora entendimentos no sentido que o que vincula o fornecedor não é sua
vontade, mas sim a mensagem publicitária veiculada. Isso não ocorre, contudo,
quando a publicidade não puder ser recebida como real pelo consumidor. Inexiste
seriedade apta a obrigar a oferta. Tanto a lealdade como a boa-fé devem nortear
todas as relações jurídicas, dai porque a melhor interpretação das relações
consumeristas não prescinde da análise sob essa ótica.
E
devem existir perante os dois pólos da relação. A ratio legis do Código de
Defesa do Consumidor não é a proteção total e incondicional do consumidor,
mesmo quando a razão não lhe socorra. A norma tem por escopo trazer o desejado
equilíbrio à relação consumerista, sem prescindir da análise do caso concreto e
de suas peculiariedades. Discorrendo sobre a boa-fé objetiva, da qual trata o
Código de Defesa do Consumidor, Arnaldo Rizzardo, uma das vozes mais
autorizadas na matéria, assim preleciona:
“O
princípio da boa-fé estampado no artigo 4º da lei consumerista tem, então, como
função viabilizar os ditames constitucionais da ordem econômica,
compatibilizando interesses aparentemente contraditórios, como a proteção ao
consumidor e o desenvolvimento econômico e teconológico. Com isso, tem-se que a
boa-fé não serve somente para a defesa do débil, mas sim como fundamento para
orientar a interpretação garantidora da ordem econômica, que, como vimos, tem
na harmonia dos princípios constitucionais do art. 170 sua razão de ser.” (in
CURSO DE DIREITO DO CONSUMIDOR: com exercícios / Rizzato Nunes – 2
ed.rev.modif. e atual. – São Paulo:Saraiva, 2005 – p. 128).
Sem
razão, pois, busca o autor a aquisição do veículo automotor pelo valor de R$
0,01. Quanto à pretensão de dano moral, igualmente descabida. Não houve ato
ilícito, como também inexistiu dano de natureza extrapatrimonial, não
comportando o tema maiores digressões a respeito dada a vileza do pedido.
Por
fim, não se pode desprezar o fato que o autor, em flagrante litigância de
má-fé, utilizou-se do processo para alcançar objetivo ilegal. O divisor para
caracterizar a hipótese é, segundo entendem doutrina e jurisprudência, é a
ciência da falta de fundamentação adequada dos argumentos postos em Juízo. É o
conhecimento que a pretensão não prospera, mas ainda assim se busca alcançar o
objetivo ilegal. É o caso dos autos, porquanto não se compreende – repita-se – que
tenha o autor intimamente acreditado que na seriedade dos argumentos
utilizados.
O
Juiz pode e deve aplicar, até mesmo de ofício, a pena por litigância de má-fé,
na forma do artigo 18 do CPC, como forma de desestimular a conduta reprovável
da parte que, aventureira e irresponsavelmente, utiliza-se de instrumento
idôneo, como é o processo, para tentar atingir objetivo moralmente ilegítimo.
Cabe ao juiz cuidar para que os interesses privados das partes não se
sobreponham aos interesses maiores que regem a vontade estatal, da qual é
representante. Cabe-lhe, deste modo, assegurar que do processo não se sirvam as
partes para alcançar objetivo ilegal, ilegítimo ou imoral, rechaçando todo e
qualquer intento que atende contra a dignidade da justiça.
Nessa
esteira, convencida pelas circunstâncias que cercam o caso, entendo necessária
a aplicação da multa prevista no artigo 18 do Código de Processo Civil, pois a
forma como agiu o autor causa desprestígio à justiça.
Posto
isso, ((NG))JULGO IMPROCEDENTE((CL)) o pedido. Condeno o autor no pagamento das
custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios que arbitro em
R$ 1.000,00, por equidade, ressalvados os benefícios da assistência judiciária
gratuita que lhe foram concedidos. Condeno, ainda, o autor por litigância de
má-fé, com fundamento no artigo 17, inc. III, Código de Processo Civil, no
pagamento da multa de 0,5% do valor atualizado da causa, não abrangido pelas
benesses da Lei n. 1060/50.
P.R.I.C.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico, 9 de agosto de 2012
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