Doutores,
Ontem
postei aqui no BLOG notícia sobre o Projeto de Lei nº 1.572/11 que trata sobre
a edição de um novo Código Comercial, cujo autor do anteprojeto é o Prof. Fábio
Ulhoa Coelho.
Hoje
me deparo com texto do Prof. Ulhoa justamente tratando sobre as modificações
que o PL pretende implementar.
Cliquem
e confiram.
Boa
leitura.
Abraço,
O
brasileiro precisa atuar na criação das leis
Atribui-se
a Otto von Bismark a conhecida frase: “leis e salsichas: é melhor não saber
como são feitas”. O provocativo brocardo tem sido, ainda hoje, lembrado quando
se põe em dúvida a racionalidade do processo legislativo.
Devemos,
contudo, contextualizar a “imagem” que teria sido engendrada pelo artífice da
unificação alemã sob a hegemonia da Prússia. Se, mesmo à míngua de fontes
acadêmicas confiáveis, esta frase foi realmente dita por Bismark, isto teria
acontecido por volta dos anos 1860. Quer dizer, há cerca de 150 anos.
Neste
tempo todo, certamente deixou de ter qualquer pertinência o paralelo
bismarkiano entre, de um lado, as condições pouco higiênicas da fabricação de
salsichas e, de outro, as imperfeições do processo legislativo. Não há dúvidas
de que, na Alemanha de hoje, as salsichas são feitas em condições bem
diferentes das que se podiam encontrar nas salsicharias prussianas, na segunda
metade do século XIX. A indústria alimentícia, a vigilância sanitária e os
direitos dos consumidores da atualidade afastam, com toda certeza, o ambiente
precário que impressionou o arguto político.
E
quanto às leis? Será plausível afirmarmos que, neste mesmo século e meio, não
teria havido nenhuma mudança na racionalidade do processo legislativo? O
fortalecimento da democracia não teria repercutido minimamente no modo como se
fazem as leis? Somente as salsichas evoluem?
Claro
que não. Na democracia da atualidade, a feitura das leis é um processo muito
mais transparente e aberto à participação dos interessados do que na época em
que viveu Bismark. Conta, para isto, com um instrumento poderosíssimo, que
sequer se poderia imaginar naquele tempo: ainternet. Ele coloca ao pleno
alcance de qualquer cidadão e da imprensa todas as informações e meios para que
as leis se produzam sob a democrática vigilância dos seus destinatários.
No site das
casas legislativas, encontram-se todas as informações sobre qualquer projeto de
lei, incluindo as emendas propostas, a identificação do parlamentar encarregado
da relatoria, as atas das reuniões das comissões em que o projeto foi discutido
etc. Na maioria das vezes, estas reuniões são gravadas e o vídeo é
disponibilizado, podendo ser visto e revisto quantas vezes o interessado
desejar. Também por meio da internet, pode-se fazer chegar aos deputados e
senadores qualquer preocupação, opinião ou contribuição relativamente a certo
projeto de lei. Na Câmara dos Deputados, há até mesmo o portal e-democracia,
que não somente transmite ao vivo sessões parlamentares como permite a direta
participação do internauta durante o seu transcurso.
O
Poder Legislativo, então, confere ampla transparência ao processo legislativo
por meio da internet. O cidadão tem acesso a todas as informações
necessárias sobre o andamento das proposições, as posições defendidas por cada
deputado ou senador, emendas e tudo o mais de que necessita para exercer tanto
o seu direito de vigilância, como o de participar do debate das grandes
questões nacionais.
O
Poder Executivo também tem usado a internet com o objetivo de motivar
a participação popular na tramitação dos projetos de lei, e colher as
impressões e contribuições dos interessados no debate. O Ministério da Justiça,
por meio da Secretaria de Assuntos Legislativos (MJ/SAL), tem patrocinado
consultas públicas sobre vários projetos de lei.
Uma
destas consultas versou sobre o Projeto de Lei 1.572/11, que institui o Código
Comercial, de autoria do Deputado Vicente Cândido. A consulta ficou aberta por
seis meses, de 2 de dezembro de 2011
a 1º de julho de 2012, período em que recebeu uma
centena e meia de contribuições, vindas de diversas partes do país.
Muitas
destas contribuições mostram-se valiosas para o aprimoramento do Projeto de Lei
e não tenho dúvidas de que repercutirão no processo legislativo, por meio da
apresentação de emendas dos deputados ou mesmo ponderação pelos relatores.
De
minha parte, como presidente da Comissão de Juristas instituída para auxiliar
os Deputados na tramitação do Código Comercial, coloquei em discussão, nesta
Comissão, todas as contribuições apresentadas na consulta pública, em nossa
última reunião, em 8 de agosto de 2012.
Para
que o leitor possa ter uma ideia do teor destas contribuições, destaco algumas
das que me pareceram versar sobre temas relevantes:
1) Conceito
de Empresário. Esta foi a questão mais debatida na consulta pública, com a
participação de Tiago Augusto de Figueiredo, Angelo Romão, David Cardoso,
Felipe Augusto Canto Bonfim, Jaime Henriques, Leonardo Gomes de Aquino, além da
Professora Mônica Gusmão. Criticou-se a orientação do Projeto de alterar o
critério de conceituação do empresário, que passaria de “material” (centrado na
exploração da atividade) para “formal” (fixado em função da inscrição no
Registro do Comércio). A questão a ser discutida é: qual o melhor critério para
conferir segurança jurídica ao conceito de empresário, tendo em vista a
realidade atual da economia brasileira?
2)
Escritura pública de divórcio. As seções de São Paulo e do Distrito
Federal do Colégio Notarial do Brasil (CNB) indicaram que o artigo 25 do Projeto
comporta aperfeiçoamento, mediante a previsão do divórcio feito por escritura
pública, instituto inexistente ao tempo da edição do Código Civil, em cujo
artigo 980 o dispositivo projetado se inspirou.
3)
Classificação das empresas segundo o porte. Leonardo Gomes de Aquino propõe o
aperfeiçoamento da classificação das empresas, segundo o porte. Devem ser
incluídos, como ele sugere, o microempreendedor e o empresário de porte médio
nesta classificação?
4)
Enunciação dos direitos dos microempresários e empresários de pequeno porte.
Jose Carlos Amador e Silva Matos, Leonardo Gomes de Aquino e Moises Mizrahy
discutem a pertinência do art. 35 do Projeto, ou de sua redação. A cláusula
restritiva contida neste dispositivo mostra-se necessária?
5)
Dissolução total da sociedade por deliberação dos sócios. Ricardo Soares
Amaral chama a atenção para o quorum de dissolução total da sociedade
por deliberação dos sócios, que o Projeto diferencia de acordo com o prazo
determinado ou indeterminado desta. Qual o quorum mais adequado para
esta deliberação?
6)
Responsabilidade civil do empresário. Ana Rafaela alerta para a
redundância no inciso I do artigo 286, que menciona a responsabilidade civil subjetiva do
empresário. O conceito de “ato ilícito” deve ser explicitado nesta definição,
ou basta o de “culpa”?
7)
Forma do mandato. O CNB (seções de DF e SP) redige dispositivo estipulando
que a forma do mandato deve ser igual à do ato a ser praticado. Esta é a melhor
solução para regulação das relações empresariais?
8)
Direito Marítimo. Glauco Martins Guerra associa-se àqueles que consideram
necessário o Projeto continuar contemplando a disciplina do direito marítimo, e
não apenas a do contrato de fretamento. Quais os temas, do direito marítimo,
que devem ser previstos num Código Comercial?
9)
Distinção entre sociedades empresárias e simples. Felipe Augusto Canto
Bonfim apresenta nova redação para o artigo 982 do Código Civil,
que
a compatibiliza com a discussão sobre o conceito de empresário. A discussão
proposta é: preservado o conceito “material” de empresário, como deve ser a
nova redação do artigo 982 do Código Civil?
10) Correções
de remissões. Importantes também se mostram as indicações de erros em remissões
dos dispositivos, como, por exemplo, a feita por Tiago Augusto de Figueiredo
relativamente ao artigo 26 do Projeto.
Ao
promover consultas públicas sobre projetos de lei em andamento ou em
elaboração, a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça
colabora para a institucionalização do real incentivo à participação popular no
debate sobre as mais relevantes leis de interesse do país. Se, no Brasil, não
se difundiu, ainda, amplamente a cultura desta participação, iniciativas como a
consulta pública da SAL/MJ sobre o Código Comercial podem começar a reverter
este quadro.
O
brasileiro já dispõe, ao seu alcance, dos instrumentos para fazer-se ouvir no
processo legislativo. Ele precisa apenas acostumar-se com este novo ambiente de
produção de leis, que a internetproporciona – bem diferente do que pôde
testemunhar Bismark – e, por meio dele, manifestar suas opiniões e sugestões.
Ganha, com isto, não apenas a racionalidade do processo legislativo, mas
principalmente a democracia brasileira.
Fábio
Ulhoa Coelho é advogado e professor da PUC-SP. É autor, entre outras
obras, de Roteiro de Lógica Jurídica.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2012
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