Doutores,
Confiram
a aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial nos Contratos de acordo com os
julgados do STJ.
Abraço,
STJ
- Teoria do adimplemento substancial limita o exercício de direitos do credor
Publicado
em 10 de Setembro de 2012 às 09h18
Como
regra geral, se houver descumprimento de obrigação contratual, “a parte lesada
pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir
exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por
perdas e danos”, conforme dispõe o artigo 475 do Código Civil (CC). Entretanto,
a doutrina e a jurisprudência têm admitido o reconhecimento do adimplemento
substancial, com o fim de preservar o vínculo contratual.
Segundo
a teoria do adimplemento substancial, o credor fica impedido de rescindir o
contrato, caso haja cumprimento de parte essencial da obrigação assumida pelo
devedor; porém, não perde o direito de obter o restante do crédito, podendo
ajuizar ação de cobrança para tanto.
Origem
A
substancial performance teve origem no direito inglês, no século XVIII. De
acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, da Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), o instituto foi desenvolvido “para superar os
exageros do formalismo exacerbado na execução dos contratos em geral”.
Embora
não seja expressamente prevista no CC, a teoria tem sido aplicada em muitos
casos, inclusive pelo STJ, tendo como base, além do princípio da boa-fé, a
função social dos contratos, a vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento
sem causa.
De
acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do STJ, “a
insuficiência obrigacional poderá ser relativizada com vistas à preservação da
relevância social do contrato e da boa-fé, desde que a resolução do pacto não
responda satisfatoriamente a esses princípios”. Para ele, essa é a essência da
doutrina do adimplemento substancial.
Boa-fé
O
princípio da boa-fé, que exige das partes comportamento ético, baseado na
confiança e na lealdade, deve nortear qualquer relação jurídica. De acordo com
o artigo 422 do CC, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé”.
Segundo
Paulo de Tarso Sanseverino, “no plano do direito das obrigações, a boa-fé
objetiva apresenta-se, especialmente, como um modelo ideal de conduta, que se
exige de todos integrantes da relação obrigacional (devedor e credor) na busca
do correto adimplemento da obrigação, que é a sua finalidade última”.
No
julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.202.514, a ministra Nancy
Andrighi, da Terceira Turma do STJ, afirmou que uma das funções do princípio é
limitar o exercício de direitos subjetivos. E a essa função aplica-se a teoria
do adimplemento substancial das obrigações, “como meio de rever a amplitude e o
alcance dos deveres contratuais”.
No
caso objeto do recurso, Indústrias Micheletto e Danilevicz Advogados Associados
firmaram contrato de serviços jurídicos, que previa o pagamento de prestações
mensais, reajustáveis a cada 12 meses.
Durante
os seis anos de vigência contratual, não houve nenhuma correção no valor das
parcelas. A contratada optou por renunciar ao reajuste, visando assegurar a
manutenção do contrato. Entretanto, no momento da rescisão, exigiu o pagamento
retroativo da verba.
Nancy
Andrighi explicou que nada impede que o beneficiado abra mão do reajuste
mensal, como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual.
Nessa
hipótese, haverá redução da obrigação pela inércia de uma das partes, ao longo
da execução do contrato, em exercer direito, “criando para a outra a sensação
válida e plausível de ter havido a renúncia àquela prerrogativa”, disse.
Por
isso, o princípio da boa-fé tornou inviável a pretensão da firma de advocacia
de exigir valores a título de correção monetária, pois frustraria uma
expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação
contratual, explicou Andrighi.
Função
social
Para
o ministro Luis Felipe Salomão, o contrato deixou de servir somente para
circulação de riquezas: “Além disso - e principalmente -, é forma de adequação
e realização social da pessoa humana e meio de acesso a bens e serviços que lhe
dão dignidade.”
“Diante
da crescente publicização do direito privado, o contrato deixou de ser a máxima
expressão da autonomia da vontade para se tornar prática social de especial
importância, prática essa que o estado não pode simplesmente relegar à esfera
das deliberações particulares”, disse o ministro, no julgamento do REsp
1.051.270.
BBV
Leasing Brasil ajuizou ação de reintegração de posse contra um cliente, em
razão da falta de pagamento de cinco das 36 parcelas devidas em contrato para
aquisição de automóvel. Como não obteve sucesso nas instâncias ordinárias, a
empresa recorreu ao STJ.
Salomão
entendeu que a teoria do adimplemento substancial deveria ser aplicada ao caso,
visto que o cliente teria pagado 86% da obrigação total, além de R$10.500 de
valor residual garantido (VRG).
De
acordo com o relator, a parcela da dívida não paga não desaparecerá, “o que
seria um convite a toda sorte de fraudes”, porém o meio de realização do
crédito escolhido pela instituição financeira deverá ser adequado e
proporcional à extensão do inadimplemento - “como, por exemplo, a execução do
título”, sugeriu.
Ele
explicou que a faculdade que o credor tem de rescindir o contrato, diante do
inadimplemento do devedor, deve ser reconhecida com cautela, principalmente
quando houver desequilíbrio financeiro entre as partes contratantes, como no
recurso julgado.
Carretas
Caso
semelhante foi analisado também pela Terceira Turma, em junho deste ano.
Inconformada com o débito de seis parcelas, do total de 36, correspondentes a
contrato cujo objeto eram 135 carretas, a empresa Equatorial Transportes da
Amazônia ajuizou ação de reintegração de posse contra Costeira Transportes e
Serviços.
No
REsp 1.200.105, a Equatorial pediu a extinção do contrato,
sustentando que o fato de faltar apenas um quinto do valor a ser quitado não
servia de justificativa para o inadimplemento da outra contratante.
O
ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso especial, deu razão à
Costeira e aplicou a teoria do adimplemento substancial. “Tendo ocorrido um
adimplemento parcial da dívida muito próximo do resultado final, limita-se esse
direito do credor, pois a resolução direta do contrato mostrar-se-ia um
exagero, uma iniquidade”, disse.
Ele
afirmou que, atualmente, o fundamento para aplicação da teoria é o artigo 187
do CC. De acordo com o dispositivo, o titular de um direito que o exerce de
forma a exceder os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes, comete ato ilícito.
Na
hipótese, Sanseverino explicou que o credor poderá exigir seu crédito e até
indenização, mas não a extinção do contrato.
Imóvel
rural
Em
agosto deste ano, a Terceira Turma reconheceu o adimplemento substancial de um
contrato de compra e venda, cujo objeto era um imóvel rural. Do valor da
dívida, R$ 268.261, o comprador deixou de pagar, à época do vencimento, apenas
três parcelas anuais, que totalizavam R$ 26.640. Esse valor foi quitado
posteriormente.
“Se
o saldo devedor for considerado extremamente reduzido em relação à obrigação
total, é perfeitamente aplicável a teoria do adimplemento substancial,
impedindo a resolução por parte do credor, em favor da preservação do
contrato”, afirmou o ministro Massami Uyeda (AREsp 155.885).
Enriquecimento
ilícito
Quando
o comprador, após ter pagado parte substancial da dívida, torna-se inadimplente
em razão da incapacidade de arcar com o restante das prestações devidas, tem a
possibilidade de promover a extinção do contrato e de receber de volta parte do
que pagou, sem deixar de indenizar o vendedor pelo rompimento. Esse foi o
entendimento da Quarta Turma, ao julgar o REsp 761.944.
Planec
Planejamento Educacional firmou contrato de compra e venda com a Companhia
Imobiliária de Brasília (Terracap) para aquisição de um imóvel, localizado em
Águas Claras (DF). A cláusula relativa ao pagamento previa que 30% do valor do
imóvel deveriam ser pagos a título de sinal.
O
tribunal estadual considerou que o comprador, por ter dado causa à rescisão
contratual, não tinha direito ao ressarcimento de parte substancial do valor
pago ao vendedor. Entretanto, o ministro João Otávio de Noronha, relator do
recurso especial, entendeu que o acórdão deveria ser reformado.
Para
o ministro, o pagamento inicial do valor devido deixa de ser caracterizado como
sinal quando representa adimplemento de parte substancial da dívida. “Assim
sendo, é incabível a retenção de tais valores no desfazimento do negócio, sob
pena de enriquecimento ilícito do vendedor”, disse.
Ele
citou precedente, segundo o qual, “o promissário comprador que se torna
inadimplente em razão da insuportabilidade do contrato assim como pretendido
executar pela promitente vendedora tem o direito de promover a extinção da
avença e de receber a restituição de parte substancial do que pagou, retendo a
construtora uma parcela a título de indenização pelo rompimento do contrato”
(REsp 476.775).
Exceção
do contrato não cumprido
No
julgamento do REsp 883.990, a Quarta Turma analisou um caso em que a
teoria do adimplemento substancial foi afastada. Um casal ajuizou ação
ordinária, visando a reintegração de posse de um imóvel, situado na Barra da
Tijuca (RJ), e a consequente rescisão do contrato milionário.
O
casal de compradores havia deixado de pagar mais da metade do valor do imóvel,
aproximadamente R$ 1 milhão, em razão de os vendedores não terem quitado
parcela do IPTU, de R$ 37 mil.
Para
suspender o pagamento das prestações devidas, o casal invocou a norma disposta
no artigo 470 do CC - exceção do contrato não cumprido -, argumentando que a
responsabilidade pela quitação dos débitos fiscais incidentes sobre o bem era
dos vendedores.
De
acordo com o relator do recurso especial, ministro Fernando Gonçalves (hoje
aposentado), há uma flagrante desproporcionalidade entre o descumprimento
parcial dos vendedores com a quitação dos débitos fiscais e a retenção das
parcelas devidas pela compra do imóvel.
Ele
entendeu que a falta de pagamento do IPTU não acarretou diminuição patrimonial
para os compradores, o que serviria de justificativa para que estes deixassem
de cumprir sua obrigação. Mencionou que o valor das prestações supera em muito
o quantitativo referente ao imposto, que, inclusive, poderia ser abatido do
valor devido.
Para
o ministro, a exceção do contrato não cumprido favoreceu os vendedores. “Há
flagrante mora dos recorridos [compradores], porque, por uma escassa
importância, suspenderam o pagamento de aproximadamente R$ 1 milhão, já na
posse do imóvel até hoje mantida”, concluiu.
Contrato
de previdência
“Para
a resolução do contrato, inclusive pela via judicial, há de se considerar não
só a inadimplência em si, mas também o adimplemento da avença durante a
normalidade contratual”, disse o ministro Luis Felipe Salomão, no julgamento do
REsp 877.965
Após
a morte do cônjuge, uma beneficiária de contrato de previdência privada,
firmado com o Bradesco Vida e Previdência, foi informada de que o acordo havia
sido cancelado administrativamente, devido à inadimplência de três parcelas.
Conforme acordado, a beneficiária deveria receber pecúlio em razão de morte, no
valor de R$ 42 mil.
Entretanto,
seis dias após o cancelamento pela instituição financeira, antes de ter
ocorrido a morte do cônjuge, as três mensalidades devidas foram pagas. Em razão
do cancelamento, a empresa devolveu o valor pago em atraso. Diante disso,
a beneficiária ajuizou ação de cobrança.
No
recurso especial, ela alegou nulidade da cláusula contratual que autorizou o
cancelamento do contrato de seguro devido ao inadimplemento de parcelas, sem
que tenha ocorrido a interpelação judicial ou extrajudicial para alertar o
devedor a respeito do cancelamento ou rescisão do contrato.
Para
o ministro Salomão, a conduta da beneficiária “está inequivocamente revestida
de boa-fé, a mora - que não foi causada exclusivamente pelo consumidor - é de
pequena importância, e a resolução do contrato não era absolutamente
necessária, mostrando-se também interessante a ambas as partes a manutenção do
pacto”.
Segundo
o ministro, o inadimplemento é “relativamente desimportante em face do
substancial adimplemento verificado durante todo o período anterior”, além
disso, “decorreu essencialmente do arbítrio injustificável da recorrida -
entidade de previdência e seguros - em não receber as parcelas em atraso, antes
mesmo da ocorrência do sinistro, não agindo assim com a boa-fé e cooperação
recíproca, essenciais à harmonização das relações civis”.
Processo
relacionado: REsp 1202514, REsp 1051270, REsp 1200105, AREsp 155885, REsp
761944, REsp 476775, REsp 883990 e REsp 877965
Fonte:
Superior Tribunal de Justiça
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