Doutores,
Sobre
o vício da lei e o dever de restituição do tributo indevidamente recolhido,
confiram o texto do Dr. Dalton Cesar Cordeiro de Miranda publicado no CONJUR.
Abraço,
Tributo
de lei viciada deve ser restituído
Nos
dias 28 a
29 de agosto deste ano corrente tiveram curso na capital da República sessões
de julgamentos da composição plenária da Câmara Superior de Recursos Fiscais
(CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) do Ministério da
Fazenda[1].
Com
especial destaque, registrou-se que 80% dos processos pautados para análise
debatiam acerca do prazo para a repetição ou compensação de indébitos.
Em
discussão, portanto, a aplicação do marco temporal previsto na Lei Complementar
118/2005, ou a tese dos "5+5" moldada que foi na esfera do Superior
Tribunal de Justiça.
A
Procuradoria da Fazenda Nacional, como razões de argumentação, sustentou que
aquele Pleno não somente deveria, como estava regimentalmente[2] obrigado a acolher os termos do
quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do
Recurso Extraordinário 566.621[3], uma vez que, quanto à hipótese de
declaração de inconstitucionalidade de tributo, o prazo para o contribuinte
reclamar a repetição daquilo que indevidamente seria aquele correspondente
à"aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o
decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de
2005."
O
argumento em comento foi provido à unanimidade pelo Pleno da CSRF/Carf.
Com
o devido respeito, cremos que necessário se faz um maior debate sobre o tema em
comento, pois que entendemos ser possível afirmar que não necessariamente o
julgamento do Recurso Extraordinário 566.621 estava insculpido e estritamente
voltado para o exame da tese da contagem daquele prazo para repetição de
indébitos em face de declaração de inconstitucionalidade de tributos, conforme
a seguir demonstraremos.
Quando
do julgamento daquele mencionado apelo extraordinário pelo Supremo Tribunal
Federal, em sede de repercussão geral, verificamos que da ementa[4] do acórdão que consubstanciou o
resultado final da decisão a que chegou a Corte Suprema, assim como da parte
dispositiva[5] do voto vencedor de relatoria
da ministra Ellen Gracie, não há uma afirmação sequer que possa levar ao aceite
do argumento abraçado pelo Colegiado Pleno da CSRF/Carf, no sentido de que a
contagem daquele prazo para repetição de indébitos em face de declaração de
inconstitucionalidade de tributos é o de 5 (cinco) anos previsto na LC 118/2005,
tão-somente a partir de 9 de junho de 2005.
É
bem verdade que a União invocou nos autos daquele apelo julgado em repercussão
geral precedentes "relativos a questões específicas, como tributos retidos
no regime de substituição tributária e tributos inconstitucionais, (...)",
sendo que a então ministra relatora alertou para o fato de que o Superior
Tribunal de Justiça fez prevalecer seu entendimento da contagem dos
"5+5" "também em tais situações de retenção e de reconhecimento
do indébito em razão da inconstitucionalidade da lei instituidora, (...)".
Mas,
a nosso sentir, o que veio a prevalecer como coisa julgada foi o debate entre a
aplicação do prazo para fins de repetição de indébito da norma interpretativa
trazida pela LC 118/2005, ou aquele do posicionamento firmado pelo Superior
Tribunal de Justiça no sentido de que o Código Tributário Nacional fixara o
prazo de dez anos para a modalidade aqui apresentada; e, observamos, não
expressamente se tal marco temporal estava adstrito à declaração de inconstitucionalidade
de um tributo qualquer.
Entendemos,
portanto, em face do acima exposto, que não houve o enfrentamento expresso da
questão que serviu de mote para a Procuradoria da Fazenda Nacional obter
sucesso junto ao órgão Pleno da CSRF/Carf, uma vez que a Corte Suprema não
dispôs que para os tributos declarados inconstitucionais o prazo para o pedido
de restituição dos mesmos é o de cinco anos a contar do pagamento indevido,
isto a partir de 9 de junho de 2005. Decidiu, sim, que entre a aplicabilidade
da LC 118/2005 e a tese dez anos firmada pelo Superior Tribunal de Justiça com
base no CTN, haveria de prevalecer "a aplicação do novo prazo de 5 anos
tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias,
(...)."
Bem
de ver também que na esfera daquele Supremo Tribunal Federal e por ocasião do
julgamento daquele Recurso Extraordinário analisado, houve por parte do
ministro Gilmar Mendes a tentativa de se promover o enfrentamento do tema em
comento sob as luzes da declaração de inconstitucionalidade de tributos,
oportunidade em que o mesmo em seu voto vencido afirmou
Por
isso a fórmula de preclusão é fundamental na composição desses interesses.
Tanto é que, naquele caso que discutimos aqui sobre a prescrição em matéria de
previdência social, nós entendemos que era de se reconhecer que a prescrição
teria de ser de cinco anos, portanto aplicando o Código Tributário, mas
entendemos, também, de fazer a mitigação, ou a modulação de feitos permitindo
que não houvesse a propositura de ações de repetição a não ser para aqueles
casos que já estavam ajuizados. Por quê? Para delimitar o impacto que isso
causa às finanças públicas. Poderíamos dizer: "Não, nesse casos estamos
fazendo um tipo de estatolatria." Nada disso. A rigor, trata-se apenas de
um pensamento de responsabilidade fiscal, porque, por outra via, abriremos as
veias tributárias para uma hemorragia. É essa, simplesmente, a medida que se
torna. (...).
Ousamos
divergir de tal entendimento que busca — por uma questão de ordem
política-econômica-fiscal —salvaguardar os cofres públicos daqueles
contribuintes que indevidamente recolheram tributos posteriormente declarados
inconstitucionais.
Ao
bom e manso pagador de impostos, leia-se tributos, que aguarda por uma
manifestação final do STF, sem que do Poder Judiciário tenha contenciosamente
se socorrido, nunca será reconhecido ou assegurado direito à repetição de
tributo que venha a ser declarado inconstitucional, isto, frisamos, se não
enfrentada a questão da contagem do prazo prescricional para reclamação de
repetição daquilo quanto indevidamente recolhido a partir de declaração de
inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal; marco temporal[6] esse ainda carecedor de
enfrentamento e posicionamento expresso por aquela Corte Suprema.
Tal
postura, a nosso sentir e a médio-longo prazo, criará aquilo quanto denominamos
um Estado Democrático de Direito Litigioso, pois independentemente da certeza
de legitimidade e constitucionalidade da exigência de tributo instituído, o
contribuinte deverá dentro do prazo de cinco anos a contar do pagamento de tal
tributo acionar a Administração, ou diretamente o Poder Judiciário, através das
medidas cabíveis na tentativa de obter o reconhecimento do direito a repetir ou
compensar aquele tributo. Isto sim onerará os cofres públicos!
E
aquela posição defensiva e protecionista aos interesses fiscais do Estado,
manifestada em voto vencido e em detrimento ao contribuinte, está em desalinho
inclusive com manifestações recentes advindas da Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional.
Citamos
a bem ilustrar o afirmado trechos do Parecer PGFN/CRJ/958/2012, que assim
assevera
É
no mínimo questionável alegar-se que o Estado possui direito adquirido ou que
precisa ser salvaguardado pelo princípio da segurança jurídica. Ora, o Estado
é, por excelência, o produtor da norma jurídica, e, como tal, não pode alegar
ausência de segurança para descumprir as normas que ele próprio modificou, seja
no âmbito do Poder Judiciário ou dos seus demais Poderes.
Veja-se
que a definição de segurança jurídica está sempre associada à segurança do
cidadão em face às mudanças de entendimento da Administração.
Ora,
se o tributo é instituído por lei viciada, posteriormente declarada
inconstitucional, deve o quantum a ele correspondente ser sim restituído ao
contribuinte que o recolheu de forma indevida, a partir de marco temporal ainda
não expressamente enfrentado pelo STF, qual seja, o do trânsito em julgado de
sua declaração de inconstitucionalidade, seja essa promovida em sede de
repercussão geral, em julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, ou
até da data em que exarada Resolução pelo Senado Federal, a última a menos
provável das hipóteses face ao novo ordenamento processual constitucional que
se nos apresenta.
Neste
sentido, aliás, em tempos distantes já havíamos nos manifestado — em termos
salomônicos — sobre a matéria[7], cuja apresentação não se faz
pertinente neste trabalho.
Em
conclusão, cabe sim aqui insistirmos no fato de que o julgamento realizado pelo
Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral e para o Recurso Extraordinário
566.621, ficou restrito ao exame da possibilidade imediata da observação de Lei
Complementar Interpretativa (LC 118/2005), em confronto que estava com
entendimento jurisprudencial interpretativo do CTN firmado pelo Superior
Tribunal de Justiça, para fins da contagem reduzida de prazo para a repetição
ou compensação de tributos; e, não ainda, para a análise expressa da mesma
contagem de prazo prescricional para a repetição ou compensação de tributos,
quando estes forem declarados inconstitucionais, o que, a nosso ver,
possibilita a reabertura da discussão do tema nas esferas do contencioso
administrativo e judicial.
[4]DIREITO TRIBUTÁRIO - LEI INTERPRETATIVA
- APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 - DESCABIMENTO -
VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA - NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA VACATIO
LEGIS - APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE
INDÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005.
Quando
do advento da LC 118/05, estava consolidada a orientação da Primeira Seção do
STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação,
o prazo para repetição ou compensação era de 10 anos contados do seu fato
gerador, tendo em conta a aplicação combinada dos arts. 150, § 4º, 156, VII, e
168, I, do CTN.
A
LC 118/05, embora tenha se auto-proclamado interpretativa, implicou inovação
normativa, tendo reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5
anos contados do pagamento indevido.
Lei
supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser
considerada como lei nova.
Inocorrência
de violação à autonomia e independência dos Poderes, porquanto a lei
expressamente interpretativa também se submete, como qualquer outra, ao
controle judicial quanto à sua natureza, validade e aplicação.
A
aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou compensação
de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de imediato,
pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a
aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publicação
da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao
princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de
garantia do acesso à Justiça.
Afastando-se
as aplicações inconstitucionais e resguardando-se, no mais, a eficácia da
norma, permite-se a aplicação do prazo reduzido relativamente às ações
ajuizadas após a vacatio legis, conforme entendimento consolidado por esta
Corte no enunciado 445 da Súmula do Tribunal.
O
prazo da vacatio legis de 120 dias permitiu aos contribuintes não
apenas que tomassem ciência do novo prazo, mas também que ajuizassem as ações
necessárias à tutela dos seus direitos.
Inaplicabilidade
do art. 2.028 do Código Civil, pois, não havendo lacuna na LC 118/08, que pretendeu
a aplicação do novo prazo na maior extensão possível, descabida sua aplicação
por analogia. Além disso, não se trata de lei geral, tampouco impede iniciativa
legislativa em contrário.
Reconhecida
a inconstitucionalidade art. 4º, segunda parte, da LC 118/05, considerando-se
válida a aplicação de novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após
decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho
de 2005.
Aplicação
do art. 543-B, § 3º, do CPC aos recursos sobrestados.
Recurso
extraordinário desprovido.
[5]Isto posto, conheço do
recurso extraordinário da União, mas, reconhecendo a inconstitucionalidade do
art. 4º, segunda parte, da LC 118/05 por violação do princípio da segurança
jurídica, nos seus conteúdos de proteção da confiança e de acesso à Justiça,
com suporte implícito e expresso nos arts. 1º e 5º, inciso XXXV, e considerando
válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após
o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de
junho de 2005, nega-lhe provimento. Aos recursos sobrestados, que
aguardavam a análise da matéria por este STF, aplica-se o art. 543-B, § 3º, do
CPC. É como voto.
[6]"A declaração de
inconstitucionalidade pelo STF não elide a presunção de constitucionalidade das
normas, razão pela qual não estava o contribuinte obrigado a suscitar sua
inconstitucionalidade sem o pronunciamento da Excelsa Corte, cabendo-lhe, pelo
contrário, o dever de cumprir a determinação nela contida." (Comentários
ao Código Tributário Nacional, São Paulo: Apet, 2005, p. 1.244/1.2445)
[7]Da contagem dos prazos, decadencial e
prescricional, nas hipóteses de restituição e compensação da contribuição para
o PIS, recolhida nos moldes dos inconstitucionais Decretos-leis 2.445/1988 e
2.449/1988 ('in' Revista Tributária e de Finanças Públicas 55 - Ano 12 -
março-abril de 2004. Editora Revista dos Tribunais : São Paulo, p. 33 a 42)
Dalton
Cesar Cordeiro de Miranda é consultor no escritório Trench, Rossi e
Watanabe Advogados, pós-graduado em Administração Pública pela EBAP/FGV.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico, 10 de setembro de 2012
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