Minha
galera... sempre bom conferir as palavras do prof. Heleno Torres, especialmente
quando se refere ao Direito Tributário e a segurança jurídica.
Interessante o
artigo publicado pelo Professor onde o mesmo comenta a integração do sistema
jurídico pela jurisprudência dos Tribunais.
Vamos conferir.
Forte abraço,
Limites à
modificação da jurisprudência consolidada
Em matéria tributária, a jurisprudência galgou espaço de capital
importância na teoria das fontes do direito e, ainda que não seja fonte
primária, e equipare-se à legalidade na função de inovar regras para futuro,
seus conteúdos são normas individuais e concretas com eficácia inter
partes e, como atos
jurídicos públicos, concorrem para a formação do “direito vivo”, naquilo que
concerne à orientação das expectativas dos destinatários do sistema tributário
e à própria reprodução normativa dos órgãos da administração ou da jurisdição.[1]
Nesse sentido, a jurisprudência constitui uma garantia contra a
instabilidade, na forma de certeza do direito e meio de “orientação” das condutas
individuais. Como diz Joseph Raz, “o Direito deve ser capaz de guiar o
comportamento dos sujeitos”, o que vale igualmente para a jurisprudência, pois
as pessoas aspiram a segurança quanto ao direito aplicável, para determinar as
consequências dos seus atos (efeito de orientação da certeza do direito).[2]
Embora o Brasil não adote o common law, nosso sistema jurídico confere
relevância aos precedentes jurisprudenciais e demonstra uma clara tendência a
considerá-los vinculantes, a exemplo do que preconizam as Leis 11.418/2006 e
11.672/2008 que inseriram no Código de Processo Civil (CPC) a regulamentação a
respeito dos recursos repetitivos e o regime de repercussão geral. As súmulas e
os artigos 475, parágrafo 3º; 518, parágrafo 1º; 543-A; 543-B; 557 e 741,
parágrafo único, todos do CPC, denotam a importância das decisões do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Contudo, questão de extrema importância é a ausência de regime
jurídico para definir as condições para regular a modificação abrupta da
jurisprudência, pelo impacto sobre a segurança jurídica, haja vista a mutação
das relações jurídicas e afetação à “segurança por orientação” da
jurisprudência.
Tomemos aqui como exemplo possível mudança de jurisprudência do
STJ sobre o local do fato jurídico tributário do Imposto Sobre Serviços (ISS)
no caso do arrendamento mercantil, ou leasing, o que equivale não
apenas a uma afetação aos direitos do contribuinte, mas principalmente a uma
mudança do sujeito ativo das obrigações principais do ISS. Esse tema
encontra-se ora sob exame no Recurso Especial Repetitivo e pode ter grave
impacto sobre a receita tributária dos municípios. Logo, pode ocorrer a
retirada daquela exação de um município para transferi-lo e concentrá-lo em um
único ou em poucos municípios. Nesse aspecto, em evidente afetação ao
financiamento do município prejudicado que detinha como certa a previsibilidade
de receitas ao longo de décadas.
Ora, seria extremamente danoso ao federalismo, com amplo
favorecimento à guerra fiscal, caso essa fácil manipulação do local do
estabelecimento, como o de arrendamento mercantil de bens móveis,
pudesse ter sua cobrança vinculada unicamente ao local
do estabelecimento da administração dos contratos, em prejuízo do
critério do local da prestação, como
sempre foi admitido pelo STJ, ao longo de toda a aplicação do artigo 12 do
Decreto-lei 406/68, e da LC 116/2003. Ou seja, verteria graves prejuízos aos
municípios e à segurança jurídica uma mudança de jurisprudência consolidada do
STJ e do STF, eventual alteração do critério de definição do fato jurídico
tributário do ISS naquelas referidas operações, em desfavor da arrecadação dos demais
municípios.
A prestação de serviço derivada do contrato de leasing conclui-se somente com a tradição do
bem arrendado, cuja “causa jurídica” depende do destino ou do uso do bem.
Portanto, será apenas no município em que se concretizam os atos de transferência
dos bens onde se aperfeiçoará o fato gerador do ISS nas operações de leasing.
E, consequentemente, este será o município competente para cobrança do imposto.
No nosso entender, esta é a única proposição normativa que se pode afirmar em
consonância com o artigo 156, III da CF e com a autonomia dos municípios.[3]
No STJ, por mais de 20 anos, têm sido examinadas tanto a questão
da incidência do ISS sobre as operações de leasing, que se afigurava
no alcance material da competência do artigo 156, III, da CF, quanto à
identificação do sujeito ativo competente para cobrança do ISS sobre as
operações deleasing.
De fato, a jurisprudência do STJ sempre foi firme ao determinar
que será competente para cobrar o ISS o município em que ocorre o fato gerador,
como pacificado no julgamento dos Embargos de Divergência 130.792/CE, o qual
foi ratificado sucessivamente nas decisões subsequentes. Confira-se:
“EMBARGOS DE
DIVERGÊNCIA. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PRECEDENTES.
I — Para fins de incidência do ISS — Imposto Sobre Serviços —, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea a do Decreto-Lei n. 406/68.
II — Embargos rejeitados.”[4]
I — Para fins de incidência do ISS — Imposto Sobre Serviços —, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea a do Decreto-Lei n. 406/68.
II — Embargos rejeitados.”[4]
Nos julgados posteriores à edição da Lei Complementar 116/2003,
o STJ sempre manteve sua posição quanto à cobrança do ISS, inclusive ao julgar
casos semelhantes ao presente que envolviam a cobrança do ISS em operações de
arrendamento mercantil (leasing).
A saber:
“TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING.
SÚMULA 138/STJ. COBRANÇA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. ART. 12 DO DL N.
406/68. BASE DE CÁLCULO. VALOR DOS SERVIÇOS.
1. ‘O ISS incide na operação de arrendamento mercantil de coisas móveis’. Inteligência da Súmula 138/STJ.
1. ‘O ISS incide na operação de arrendamento mercantil de coisas móveis’. Inteligência da Súmula 138/STJ.
2. O Município competente para a cobrança
do ISS é aquele onde ocorreu o fato gerador e a base de cálculo será o valor total
dos serviços prestados. Precedentes.
3. Agravo regimental não-provido.”[5]
3. Agravo regimental não-provido.”[5]
O voto do ministro relator Mauro Campbell Marques, nesta
oportunidade, foi contundente ao afirmar que: “Em relação à competência para a
instituir e cobrar o Imposto Sobre Serviços exigido nas operações de
arrendamento mercantil, há entendimento firmado no âmbito do STJ em sentido
idêntico ao sufragado pelo tribunal de origem. Ou
seja, o município competente para a cobrança da exação é aquele onde ocorreu o
fato gerador e a base de cálculo será o valor total dos serviços prestados.”[6]Deveras,
a competência para exigir o ISS sobre operações de leasing foi examinada em distintas
oportunidades, com jurisprudência consolidada pela 1ª e 2ª Turmas em favor do
“local da prestação”.
Entrementes, admitida como pacífica a jurisprudência do STJ no
que corresponde ao local da prestação de serviços, como o critério
preponderante, nada foi alterado pela Lei Complementar 116/2003, ao revogar o
artigo 12 do Decreto-lei 406/68. Nesse diapasão, o acórdão cuja ementa segue
transcrita, é assaz oportuno:
“EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL.
SOBRESTAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PERÍCIA.
SUBSTRATO PROBATÓRIO SUFICIENTE. SÚMULA N. 7/STJ. FATO GERADOR. MUNICÍPIO COMPETENTE
PARA RECOLHIMENTO DA EXAÇÃO. LOCAL ONDE OCORRE A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. MATÉRIA
CONSTITUCIONAL. (...)
III — ‘As Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ pacificaram o entendimento de que o ISS deve ser recolhido no local da efetiva prestação de serviços, pois é nesse local que se verifica o fato gerador’ (AgRg no Ag 763.269/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 12.09.2006). Na mesma linha: AgRg no Ag 762.249/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 28.09.2006 e REsp 695.500/MT, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 31.05.2006.
IV — Esta Corte, em inúmeros julgamentos, tem defendido a orientação de que a controvérsia acerca da incidência do ISS sobre a operação de arrendamento mercantil envolve a interpretação e a eficácia do artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, razão pela qual a competência pertence ao Colendo Supremo Tribunal Federal. Precedentes: AgRg no REsp 876.590/SC, Rel. Min. Humberto Martins, DJ31.05.2007; REsp 797.948/SC, Rel. p/acórdão Min. Luiz Fux, DJ 01.03.2007; REsp 919.148/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ 28.05.2007 e REsp 886.592/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ26.03.2007.
V — Agravo regimental improvido.”[7]
III — ‘As Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ pacificaram o entendimento de que o ISS deve ser recolhido no local da efetiva prestação de serviços, pois é nesse local que se verifica o fato gerador’ (AgRg no Ag 763.269/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 12.09.2006). Na mesma linha: AgRg no Ag 762.249/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 28.09.2006 e REsp 695.500/MT, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 31.05.2006.
IV — Esta Corte, em inúmeros julgamentos, tem defendido a orientação de que a controvérsia acerca da incidência do ISS sobre a operação de arrendamento mercantil envolve a interpretação e a eficácia do artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, razão pela qual a competência pertence ao Colendo Supremo Tribunal Federal. Precedentes: AgRg no REsp 876.590/SC, Rel. Min. Humberto Martins, DJ31.05.2007; REsp 797.948/SC, Rel. p/acórdão Min. Luiz Fux, DJ 01.03.2007; REsp 919.148/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ 28.05.2007 e REsp 886.592/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ26.03.2007.
V — Agravo regimental improvido.”[7]
A hermenêutica desta decisão sintetiza a história
jurisprudencial do STJ quanto à incidência do ISS no caso das operações com leasing.
Trazido para os dias atuais, verifica-se que dois aspectos
fundamentais viam-se prefigurados nas razões de decidir do STJ:
I) O
ISS deve ser recolhido no local da efetiva prestação de serviços — reconhecimento de Jurisprudência
consolidada, porquanto as “Turmas que compõem a 1ª Seção do STJ pacificaram o
entendimento” no sentido de que a incidência, no caso do leasing,
seria no local onde se verifica o fato gerador.
II) A controvérsia acerca da incidência do
ISS sobre a operação de arrendamento mercantilenvolveria a
interpretação e a eficácia do artigo 156, inciso III, da CF. E só para essa
matéria caberia aguardar o pronunciamento do STF.
Como se verifica de ambas as decisões, o STJ manteve incólume
seu entendimento, com alcance às operações de arrendamento mercantil, como
antecipado na sua Súmula 138 (O
ISS incide na operação de arrendamento mercantil de coisas móveis),
segundo o qual o ISS será devido sempre no local da prestação de serviços, em
harmonia com sua hipótese de incidência.[8]
Aguardava desfecho unicamente o exame de constitucionalidade da
qualificação do arrendamento mercantil como hipótese de incidência do ISS pelo
STF. Quanto a esse aspecto, o Pleno do STF, em 2009, julgou o RE 547.245/SC e
declarou constitucional a referida incidência, como se verifica da ementa a
seguir transcrita. In verbis:
“RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. OPERAÇÃO DE
LEASING FINANCEIRO. ARTIGO 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento
mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o
leasing financeiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos
outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o
declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o
inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do
artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing financeiro),
contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma
prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir,
resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing
financeiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se dá provimento.”[9]
O STF firmou, assim, jurisprudência para essa matéria, ao
consolidar o entendimento segundo o qual o “leasing”
financeiro seria equiparado a “serviço”, em conformidade com o artigo 156, III,
da CF. E mais não se houve. Não se cuidou da determinação do local do fato
jurídico tributário, mas unicamente da delimitação das condições materiais
necessárias e suficientes à verificação do “fato gerador” do ISS sobre o leasing.
Essa ressalva é de fundamental relevo para demonstrar que a
declaração de constitucionalidade da incidência do ISS sobre leasing pelo RE 547.245/SC, por si só, não foi
suficiente para modificar o quadro decisório do STJ quanto ao sujeito ativo do
imposto ou local da prestação.
Dito de outro modo, o julgamento do STF não se interpõe como
motivo suficiente para determinar alguma mutação jurisprudencial quanto à
incidência espacial, assim definida pelo local da prestação do serviço, desde a
vigência do artigo 12 do Decreto-lei 406/68, assim como ao longo da Lei
Complementar 116/2003.
Antes, a jurisprudência do STF, quanto a este aspecto, também é
firme ao determinar que o município competente para cobrar o ISS será aquele no
qual os serviços são executados, o que se pode aplicar, em plenitude à espécie,
a saber:
“(...) CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO — MUNICÍPIO — LOCAL DA
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. Em relação à questão do local competente para o
lançamento e recolhimento do ISS, está pacificado nos tribunais pátrios o
entendimento de que “competente para a instituição e
arrecadação do ISS é o Município em que ocorre a efetiva prestação do serviço,
e não o local da sede do estabelecimento da empresa contribuinte”
(...). 7. Agravo regimental desprovido.”[10]
Portanto, confirma-se, assim, a manutenção da jurisprudência do
STF firme no sentido de que somente o local da prestação do serviço pode ser
colhido como critério para incidência do ISS, mesmo após o RE 547.245/SC. Tudo
a confirmar o mesmo entendimento assentado no STJ de há muito.
Na Constituição, o artigo 156, III qualifica o critério material
da regra-matriz de incidência do ISS (prestar serviços). Entretanto, o critério
temporal e espacial devem ser identificados em coerência com aquele critério
material. Assim, para construção do fato jurídico do ISS, portanto, o critério
espacial (lugar) deve ser compreendido em sintonia com o critério material
(prestar serviços) e com o critério temporal (conclusão dos serviços).
A LC 116/2003, firme nesse propósito de especificação dos
critérios material, temporal e espacial, no artigo 1º, prescreve que o Imposto
Sobre Serviços de Qualquer Natureza “tem como fato gerador aprestação de serviços constantes da
lista anexa” e, conforme o parágrafo 4º, “a incidência do imposto não depende da
denominação dada ao serviço prestado”. Por conseguinte, tem-se a
evidência de um regime baseado na prevalência de substância sobre a forma.
Dessome-se que os serviços de arrendamento mercantil dependem da ocorrência da
operação listada, quer de “intermediação”, quer de “serviço financeiro” (conexão material), para
assegurar a tributação do estabelecimento prestador conexo com o local da prestação do serviço (art. 3º, da LC n. 116/2003), ademais
da definição do sujeito ativo.
Pelo princípio de taxatividade da lista de serviços da LC
116/2003, essas modalidades de administração não podem servir para modificar os
critérios de tratamento de outras hipóteses igualmente tipificadas. Os serviços
listados darão ensejo à ocorrência do fato jurídico tributário sempre que
presentes as situações qualificadas como “necessárias” e “suficientes”.
Na função estatuída pelo artigo 146, I e II, a,
da CF, a Lei Complementar 116/2003 prescreve que o ISS é devido ao município em
que se localiza o estabelecimento prestador ou, na falta do
estabelecimento, no local do domicílio do prestador.
Assim, ao prescrever norma cogente a todos municípios brasileiros, a LC
116/2003 pretendeu pôr fim à antiga discussão quanto ao município competente
para cobrança do ISS.[11]
Quanto aos serviços passíveis de tributação, o estabelecimento funcionará sempre como uma espécie de
“força de atração” de todos os serviços prestados em conexão com este, quer
pela atuação dos seus empregados, quer pela aplicação dos seus meios. Nesse
caso, estabelecimento prestador será aquele no qual se verifica a
assinatura do contrato de leasing e onde há a entrega do bem ao
arrendatário (logo, local do estabelecimento do tomador ou
intermediário do serviço).
Somente neste sentido poder-se-ia falar n’alguma presença do
local do estabelecimento prestador,
ou seja, naquele que se configura uma unidade econômica ou profissional na qual
o prestador de serviços de arrendamento mercantil realiza a parte mais
relevante de sua atividade, que se caracteriza pela contratação e pela
colocação do bem à disposição do tomador do serviço.[12] Por conseguinte, entende-se por estabelecimento
prestador o local que é efetivamente utilizado
pelocontribuinte na atividade de prestar serviços (i); ainda que de modo temporário
(ii), e que se possa configurar como unidade econômica ou profissional (iii).
Destarte, a efetiva prestação de serviços de leasing concretiza-se com a contratação
seguida da entrega do bem arrendado. Logo, no caso presente, o estabelecimento
prestador será aquele
onde ocorrer o fato gerador, nos termos do artigo 114 do CTN, onde se verifica
a assinatura do contrato deleasing e houver a entrega do bem ao
arrendatário (ou seja, local do estabelecimento do tomador ou
intermediário do serviço).
A conclusão dos serviços de arrendamento mercantil,
deveras, materializa-se com a assinatura do contrato e a tradição do bem
arrendado. Logo, o critério espacial deve ser o local no qual são concluídos os
serviços, onde se materializam as condições necessárias e suficientes ao fato
gerador, nos termos do artigo 114 combinado com o artigo 116, I, do CTN.
Repise-se, a prestação de serviços de leasing concretiza-se com a conclusão do
contrato, mediante a assinatura deste instrumento pelas partes (a) e
estritamente vinculada ao bem arrendado (b),[13] como realçam trechos do voto do
Ministro Joaquim Barbosa, no julgamento do RE 547.245-SC:
“O cerne do
negócio jurídico de arrendamento mercantil consiste na colocação de um bem à
disposição do arrendatário, para uso durante certo prazo, com a
opção de compra do bem a ser exercida ou rejeitada no futuro. Animam ainda a
escolha de tal negócio jurídico as condições legais e contratuais e os
respectivos efeitos tributários. O propósito negocial está vinculado às
características da atividade econômica desenvolvida, como evitar a
obsolescência na linha produtiva e a manutenção de liquidez pela desnecessidade
de imobilização total e imediata de recursos. A arrendadora atua como
intermediária na criação de uma vantagem produtiva e na aproximação de
interesses convergentes, ao adquirir o bem do fornecedor a pedido da
arrendatária. O núcleo essencial da atividade de
arrendamento não se reduz, portanto, a captar, intermediar ou aplicar recursos
financeiros próprios ou de terceiros. Não há, pura e simplesmente, a
concessão de crédito àqueles interessados no aluguel ou na aquisição de bens. A
empresa arrendadora vai ao mercado e adquire o bem para transferir sua posse
ao arrendatário. Não há predominância dos aspectos de financiamento
ou aluguel, reciprocamente considerados. O negócio jurídico é uno. Vale dizer,
as operações de arrendamento mercantil pertencem a categoria própria, que não
se confunde com aluguel ou financiamento, isoladamente considerados.”[14]
De fato. A finalidade do arrendamento mercantil será sempre o
uso do bem arrendado pelo arrendatário, que se perfaz com a tradição. As
operações financeiras antecedentes ou subsequentes (captação de recursos,
intermediação financeira, administração do contrato de leasing)
são irrelevantes para configurar a prestação de serviços. Os serviços de
arrendamento mercantil concluem-se com assinatura do contrato pelas partes (a)
e deverão ser mantidos indissociavelmente vinculados ao bem arrendado (b).
Deste modo, o critério espacial — local da prestação de serviços — deverá ser
sempre aquele no qual seja assinado o contrato e entregue o bem arrendado, em
plena coerência com o disposto nos artigo 114 e 116, I, do CTN.
Afora isso, não há motivo que justifique a mutação de
jurisprudência do STJ consolidada ao logo das últimas décadas, quanto à
incidência do ISS sobre o leasing pelo critério do local da
prestação do serviço, em sucessivas confirmações. Fazê-lo, à evidência, servirá
apenas à inovação de mais uma fonte de insegurança jurídica, pelas anacrônicas
afetações às relações jurídicas, ademais de favorecimento à guerra fiscal e
prejuízo inconteste aos direitos fundamentais dos contribuintes. Por este e
outros casos, deve-se buscar com urgência a adoção de medidas para definir as
condições que autorizam a mutação da jurisprudência consolidada nos tribunais
superiores.
[1] A esse respeito, o nosso: Direito
constitucional tributário e segurança jurídica: metódica
da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, 758p.
[2] Paulo de Barros Carvalho
destaca, com propriedade, a importância da jurisprudência para criar
expectativas legítimas de direito para os jurisdicionados. “O Poder Judiciário
exerce papel fundamental para a materialização da segurança no interior do
sistema jurídico, pela construção de normas individuais e concretas que fixam
os contornos semânticos das regras gerais e abstratas, possibilitando aos
contribuintes atuarem em função desses vetores postos pelas decisões judiciais.
Sobre ser tarefa indispensável e da maior envergadura no Estado Democrático de
Direito, o exercício da função jurisdicional não se basta apenas na solução de
conflitos intersubjetivos, mas, e principalmente, na demarcação de parâmetros
para os comportamentos futuros, residindo exatamente nessa segunda proposição
seu estreito vínculo e compromisso com o sentimento de previsibilidade e o
princípio da não-surpresa. (...) Afinal, as regras do jogo estão postas
intersubjetivamente nos textos de direito positivo e não podem variar ao sabor
das necessidades de caixa das pessoas políticas.” CARVALHO, Paulo de Barros. Crédito-prêmio
de IPI: estudos e pareceres. Barueri: Manole, 2005, pp. 26-27.
[3] “Esta autonomia vem
assegurada, de modo mais significativo, no art. 30 da CF, que, em suma, garante
ao município governo e administração próprios, no que toca ao seu peculiar
interesse.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional
tributário. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 186-187)
[4] EDiv no REsp 130.792/CE,
Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. p. Acórdão Min. Nancy Andrighi, j. 07.04.2000, DJ 12.06.2001, p. 66. Este precedente do
C. STJ. Confira-se, exemplificativamente, a ementa abaixo transcrita: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL
E TRIBUTÁRIO. ISS. COBRANÇA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. 1. ‘O Município
competente para cobrar o ISS é o da ocorrência do fato gerador do tributo, ou
seja, o local onde os serviços foram prestados’. (REsp 399.249/RS). 2. Adentrar
à questão do local no qual foi prestado o serviço, ensejaria reexame de matéria
fático-probatória, impondo a aplicação da Súmula n. 7 do STJ: ‘A pretensão de
simples reexame de prova não enseja recurso especial’. 3. Precedentes. 4.
Ausência de motivos suficientes para a modificação do julgado. 5. Agravo
regimental desprovido.” AgRg no AgIn 516.637/MG, rel. Min. Luiz
Fux, j. 05.02.2004, Primeira Turma, DJ 01.03.2004.
[5] AgRg no AgIn 964.198/RS,
Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 25.11.2008, Segunda Turma, DJ17.12.2008.
[6] Excertos do AgRg no AgIn
964.198/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 25.11.2008, Segunda Turma, DJ 17.12.2008.
[8] “Verifico que a questão foi decidida de
acordo com a orientação já pacificada no âmbito deste Superior Tribunal de
Justiça, no sentido de que o ISS é tributo somente exigível pelo Município onde
se realiza o fato gerador, entendido este o local no qual há a prestação de
serviço.” Excertos do AgRg no REsp 960.492/RS, Rel. Min. Francisco
Falcão, j. 06.12.2007, Primeira Turma, DJe 26.03.2008.
[10] Segundo AgRg no AgIn
830.300/SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 06.12.2011, DJe22.02.2012.
[11] Como exemplo: “Cinge-se a
controvérsia à fixação da competência para cobrança do ISS, se é do Município
onde se localiza a sede da empresa prestadora de serviços, conforme determina o
artigo 12 do Decreto-lei n. 406/68, ou do Município onde aqueles são prestados.
A egrégia Primeira Seção desta colenda Corte Superior de Justiça pacificou o
entendimento de que o Município competente para realizar a cobrança do ISS é o
do local da prestação dos serviços em que se deu a ocorrência do fato gerador
do imposto. Essa interpretação harmoniza-se com o disposto no artigo 156, III,
da Constituição Federal, que atribui ao Município o poder de tributar as
prestações ocorridas em seus limites territoriais.” (AgRg
no Ag 607.881/PE, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 20.06.2005, p. 209).
[12] Neste mesmo sentido, Ives
Gandra Martins afirma que o estabelecimento prestador é o local onde são prestados
os serviços: “A Lei Complementar n. 116/2003, procurou, assim, definir
estabelecimento, para efeito de incidência do ISS, com alcance bastante amplo,
considerando ‘estabelecimento prestador’ o local onde o contribuinte desenvolver
a atividade de prestar serviços, podendo ser de modo permanente ou
temporário, sendo irrelevantes as denominações de sede, filial, agência, posto
de atendimento, escritório de representação, contato ou quaisquer outras que
venham a ser utilizadas, desde que configure unidade econômica ou profissional,
a exemplo do conceito de estabelecimento, para efeitos de incidência do ICMS.”
MARTINS, Ives Gandra da Silva; RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. Aspectos
relevantes do ISS. Revista Dialética de Direito Tributário.
n. 182. São Paulo: Dialética, 2010, p. 165.
[13] Como observa Aldo de
Paula Junior: “Partindo-se do pressuposto de ser necessário um ato humano, um
fazer (e não um dar) pode-se concluir que foram identificados no leasing financeiro ‘fazeres’ que embora
individualmente não possam sintetizar o objeto do contrato, em seu conjunto
podem caracterizar um novo serviço. Esses ‘fazeres’ não seriam tributados
individualmente como cada serviço autônomo e independente (ainda que estivesse
na lista de serviços) porque são elementos, parte de um contrato típico
qualificado por seu conjunto. Seriam serviços-meio em um serviço-fim ou contrato-fim.”
PAULA JUNIOR, Aldo de. O conceito de serviço para fins de ISS. Da locação de
bens móveis ao leasing financeiro: o STF mudou de
entendimento? In: Direito tributário e os conceitos
dedireito privado. São Paulo: Noeses, 2010, p. 16.
Heleno Taveira
Torres é advogado, professor e livre-docente de Direito
Tributário da Faculdade de Direito da USP, e membro do Comitê Executivo da
International Fiscal Association.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico, 30
de janeiro de 2013
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