Estou sem turmas de Direito
Empresarial I nesse semestre, mas certamente se estivesse com alunos discutindo
sobre Estabelecimento Empresarial recomendaria imediatamente a leitura do
texto.
O autores trataram de tema
que geralmente causa confusão na mente do aluno...
A verdade que para
entender o Direito Empresarial é necessário que o aluno de desprenda do
conhecimento popularesco e se volte para o entendimento da matéria através dos
termos técnicos.
No início das lições
sempre causam confusão a utilização dos termos EMPRESA, EMPRESÁRIO,
ESTABELECIMENTO..... mas indo devagar se torna fácil de aprender.
Mas voltando ao texto... confiram
o belo trabalho dos Doutores. Uma bela análise.
Forte abraço,
Alienação de estabelecimento
não é igual à de empresa
Uma
questão aparentemente simples, mas que pode gerar grandes impactos negociais,
motivou-nos a explorar o tema deste artigo: na ausência de disposição
contratual expressa quanto à obrigação de não concorrência em contratos de
compra e venda, aplica-se automaticamente a disposição do artigo 1.147 do Novo
Código Civil (“NCC”), que assim dispõe: “não havendo autorização expressa, o
alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos
cinco anos subsequentes à transferência”?
Histórico
A
Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo 170, inciso IV, que a ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observado o princípio da livre concorrência. Nesse contexto, qualquer
pacto ou obrigação de não concorrência, a princípio, poderia ser entendido como
uma limitação de tal princípio, tutelado constitucionalmente.
Entretanto,
existem determinadas situações que demandam uma flexibilização desse preceito,
em razão da existência de imperativos de igual importância, como o da livre
iniciativa. De fato, a flexibilização do princípio da livre concorrência deve
ser considerada legítima para conferir maior efetividade e concretude ao
princípio da livre iniciativa, de modo que ambos possam coexistir de forma
harmônica. É justamente sob essa ótica que se inserem as cláusulas de
não-concorrência.
As
cláusulas de não concorrência visam impedir que o alienante exerça concorrência
com o adquirente (por um período de tempo determinado), favorecendo-se da expertise adquirida
no exercício de sua anterior atividade empresária. Igualmente, nas associações
e joint-ventures, situações em que há convergência de esforços e
interesses empresariais com o intuito de partilhar riscos e resultados, as
cláusulas de não-concorrência são muitas vezes necessárias para garantir o
sucesso do negócio, ao disporem que os sócios não poderão concorrer com o
objeto da sua associação.
Esse
também é o entendimento consistentemente defendido pelo Cade (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica), órgão responsável pelo julgamento de atos
de concentração econômica no Brasil, que entende como válidas as cláusulas de
não-concorrência desde que elas sejam limitadas no tempo, no espaço, e guardem
relação específica com o mercado relacionado ao negócio objeto da operação.
Dúvida
É
nesse contexto que surge a dúvida acima transcrita: se por acaso em uma
negociação de compra e venda as partes não endereçam a questão da não-concorrência,
estariam automaticamente sujeitas à previsão do artigo 1.147 do NCC?
A
princípio a resposta parece ser afirmativa. Porém, uma análise mais detalhada
do dispositivo legal leva a concluir que sua aplicabilidade pode ser entendida
como restrita a determinadas situações específicas, como passamos a expor.
De
acordo com o artigo 1.142 do NCC, considera-se um “estabelecimento” todo
complexo de bens organizado para exercício da empresa, por empresário, ou por
sociedade empresária. O artigo 1.143, por sua vez, expressamente autoriza que
um estabelecimento pode ser objeto unitário de direitos e de negócios
jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com sua
natureza. Nessa linha, e considerando a previsão do artigo 90[1],
também do NCC, grande parte da doutrina brasileira considera um estabelecimento
como uma “universalidade de fato”.
Na
condição de universalidade de fato, um estabelecimento pode ser objeto de uma
operação de compra e venda, o que poderia levar à conclusão de que sua
alienação se equipara à alienação de empresas. Contudo, tanto a natureza legal,
quanto a transferência da propriedade são diferentes no caso de uma alienação
de estabelecimento e de uma alienação de empresa. De fato, enquanto a natureza
de um estabelecimento é uma universalidade de fato, que pode ser objeto de
relações legais, uma empresa é uma entidade legal e, portanto, está sujeita a
direitos. Em outras palavras, no âmbito jurídico, diferentemente de um
estabelecimento, uma empresa é uma entidade que pode adquirir e exercer
direitos, e também assumir e cumprir obrigações.
Além
disso, a alienação de um estabelecimento é caracterizada como a negociação de
bens, e deve ser formalizada por um Contrato de Trespasse, que está sujeito a
formalidades específicas, nos termos do artigo 1.144 do NCC. A alienação de
participação societária em uma empresa, por sua vez, é formalizada por um
contrato de compra e venda de ações ou quotas, dependendo da natureza jurídica
da sociedade. Neste caso, salienta-se, não há qualquer transferência de bens ou
ativos que constituem o estabelecimento, uma vez que eles remanescem como propriedade
da empresa.
Conclusão
Com
base no exposto, pode-se concluir com razoável segurança que a disposição do
artigo 1.147 do NCC é explícita e se refere a estabelecimentos e, portanto,
deveria ser aplicada tão somente a essa hipótese específica, não podendo ser
estendida à alienação de empresas.
O
Cade não enfrentou até o momento essa discussão jurídica. A Procuradoria do
Cade (“ProCADE”), em muitas ocasiões expressou o entendimento de que, nos casos
de compra e venda (em geral) em que o prazo da obrigação de não concorrência
excedesse 5 anos, deveria haver uma limitação desse lapso temporal a 5 anos, em
linha com o disposto no artigo 1.147 do NCC[2].
Absolutamente razoável tal entendimento, na medida em que se utiliza do artigo
1.147 do NCC como parâmetro temporal, para a validação do prazo de cláusulas de
não-concorrência. Tais pareceres, porém, não adentraram no mérito da aplicabilidade
de tal dispositivo a “empresas” ou a “estabelecimentos”[3].
Não
obstante essa aparente omissão, por todo o exposto acima, somos do entendimento
de que, na ausência de estipulação expressa em contratos de compra e venda de
empresas, não cabe a aplicação do artigo 1.147 do NCC, devendo prevalecer a
livre intenção das partes contratantes. De qualquer forma, a fim de evitar
interpretações equivocadas, em vista da ausência de um entendimento consolidado
a respeito do tema, seja no âmbito cível, seja na esfera do Direito da
Concorrência, é recomendável que, em operações de compra e venda de empresas,
sempre seja disciplinada a obrigação (ou não) de não concorrência.
[1] Art. 90: Constitui universalidade
de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa,
tenham destinação unitária.
Parágrafo
único: Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações
jurídicas próprias.
[2] Nesse sentido, a título de
exemplo, Parecer ProCADE 225/2008 emitido no âmbito do Ato de Concentração nº.
08012.001133/2008-31; e Parecer ProCADE 548/2005 emitido no âmbito do Ato de
Concentração nº. 08012.006008/2005-75.
[3] Apenas por completude da
discussão, mencione-se que em alguns casos não tão recentes, que envolveram
operações de aquisição, a ProCADE chegou a sugerir a aplicação automática do
artigo 1.147 do NCC em vista da ausência de disposição contratual a respeito da
obrigação de não concorrência. Nesse sentido, a título de exemplo, Parecer
ProCADE 116/2009 emitido no âmbito do Ato de Concentração nº.
08012.009489/2008-13; Parecer ProCADE 147/2009 emitido no âmbito do Ato de
Concentração nº. 08012.010066/2008-46; e Parecer ProCADE 166/2009 emitido no
âmbito do Ato de Concentração nº. 08012.002129/2008-91. As decisões finais do
CADE nesses casos não abordaram expressamente essa recomendação.
Vânia
Marques Ribeiro Moyano é associada do Pinheiro Neto Advogados
Marcos
Pajolla Garrido é associado do Pinheiro Neto Advogados
Fonte:
Revista Consultor Jurídico, 6 de março de 2013
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