Mais
lições sobre o Direito Tributário... Hoje a produção está boa! ahaha
Pois
bem, no que tange ao ISS, matéria sempre debatida é a questão da
territorialidade e as tentativas do Poder Público Municipal estender a sua
competência além das suas fronteiras.
Sobre
o tema, vamos aprender mais um pouco com a lição dos Doutores Luiz Bichara e
Francisco Giardina, publicado originalmente no CONJUR.
Confiram...
abraço,
Município
deve respeitar competência para instituir tributos
O
Município do Rio de Janeiro, na medida em que se avizinham eventos de grande
repercussão para a cidade e o país, começa a buscar fontes de recursos que
façam frente aos grandes investimentos e, igualmente, que cubram as inúmeras
desonerações fiscais contidas na Lei Municipal 5.230, de 25 de novembro de
2010.
A
despeito do nobre objetivo de angariar receitas, o Município do Rio de Janeiro,
evidentemente, não pode extrapolar da sua competência constitucional para
instituir tributos. Um exemplo gritante do equívoco cometido é a recente
Instrução Normativa SMF 20, de 9 de abril de 2013 (DOMRJ 10/4/2013) que, a
pretexto de aclarar alguns pontos sobre o ISS devido por empresas de planos de
saúde, passou a considerar as seguradoras especializadas em saúde como
contribuintes do ISS.
A
previsão, contudo, é evidentemente ilegal.
Não é
recente a pretensão de alguns municípios pretenderem cobrar ISS sobre a
atividade securitária. Ocorre que o Decreto-Lei 406/68 e, atualmente, a Lei
Complementar 116/2003 não têm qualquer item que autorize a referida tributação.
Nem mesmo cabe cogitar de uma intermediação de negócios. O seguro não é um
serviço para fins de tributação.
Um
problema mais delicado relacionado ao assunto se refere à atividade de planos
de saúde. Isso porque, em que pese esteja ele elencado como hipótese de
incidência do ISS, o plano de saúde não é, salvo exceções, um serviço em seu
sentido técnico. A operação envolve obrigações de dar (indenizar por um evento
ocorrido), quer seja pelo sistema de reembolso, quer seja um pagamento direto
ao prestador do serviço, esse sempre que se dá por conta e ordem do
beneficiário do plano.
Não
por outro motivo é que o tema será, em breve, analisado pelo Supremo Tribunal
Federal pelo regime de repercussão geral, mais especificamente no Recurso
Extraordinário 651.703/PR, relator o Ministro Luiz Fux.
Ousando
ainda mais, portanto, na medida em que nem mesmo o plano de saúde se revela
como um serviço, o Município do Rio de Janeiro fez editar a aludida Instrução
Normativa SMF 20/2013, tributando o seguro-saúde pelo ISS, providência que não
se sustenta por uma série de razões.
A Lei
Federal 10.185/2001 instituiu as seguradoras especializadas em saúde e
estabeleceu, em seu artigo 2º, que, para efeito da Lei 9.656/98 e da Lei
9.961/2000, o seguro-saúde se enquadra como plano privado de assistência à
saúde e a sociedade seguradora especializada em saúde como operadora de plano
de assistência à saúde.
Essa
constatação já é decisiva e resolve a questão. Contrariamente ao que entende o
Município do Rio de Janeiro, a Lei 10.185/2001 tão somente submeteu o
seguro-saúde ao regime próprio dos planos de saúde para fins regulatórios e de
fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Concluir que, daí,
se possam dar efeitos tributários dessa magnitude é um passo demasiadamente
largo.
Com
efeito, uma vez que o seguro-saúde objetiva dar cobertura aos riscos de
assistência médica e hospitalar, conforme o que se estabeleceu desde o
Decreto-Lei 73/66, é apenas lógico deva o seguro-saúde estar sob o manto da
mesma agência regulatória que as demais operadoras de planos de saúde. Não é
razoável que, para o seguro-saúde, tenhamos a Superintendência Nacional de
Seguros Privados (SUSEP) e, para os planos de saúde, a ANS. A normatização do
setor deve ser uniforme.
É
impertinente tirar dessa premissa, portanto, que o seguro-saúde seja idêntico
ao plano de saúde. A Lei Complementar 116/2003 não coloca o seguro, seja ele
qual for, como sujeito ao ISS. Aliás, se o fizesse, seria inconstitucional. A
seguradora indeniza sinistros, não havendo prestação de serviços qualquer.
O
Município do Rio de Janeiro, inclusive, se põe em contradição com suas próprias
decisões. O próprio Coordenador da Coordenadoria de Revisão e Julgamento
Tributários, em processo administrativo envolvendo uma seguradora de saúde,
teve a oportunidade de decidir que “uma empresa seguradora quando administra
sinistros acobertados por seus próprios contratos de seguros, não administra
negócio de terceiro, administra o próprio negócio. Por outro lado, por se
tratar de operação de seguro, o imposto incidente não é o ISS, mas o IOF, mercê
do artigo 153, V, da Constituição Federal.”.
A
administração pública deve ter coerência nas suas atitudes. O princípio da
confiança anda lado a lado com a moralidade. A atividade empresarial não pode
ficar à mercê de interpretações desencontradas ou de entendimentos dos
administradores de ocasião.
Não é
ocioso lembrar, que o seguro é tema sujeito à normatização federal apenas.
Outros entes federativos que não a União Federal não têm competência alguma
para criar regras que impactem no seguro.
O
seguro está sujeito ao recolhimento do IOF, tributo federal, que grava o prêmio
pago pelos segurados. Os municípios não podem pretender cobrar ISS de uma
grandeza já tributada por um tributo federal.
Importante
salientar que outras prefeituras, mais apegadas à legalidade, como o Município
de São Paulo, expressamente declararam que o seguro-saúde não está submetido ao
ISS, na medida que “as sociedades seguradoras, inclusive as Seguradoras
Especializadas em Saúde, estão fora do campo de incidência do ISS e sujeitas a
imposto de competência da União, conforme disposto no artigo 153, V da Constituição
Federal.” (Solução de Consulta SF/DEJUG 74, de 21 de agosto de 2007).
Por
fim, cabe atentar ao fato de que essa pretensão do Município do Rio de Janeiro
vem plasmada em uma simples instrução normativa, inclusive com incidência
imediata. Mesmo que lhe fosse admitido instituir tributos — e, por evidente,
não o é — a referida norma deveria ter observado o princípio da anterioridade.
Em verdade, mesmo se houvesse lei nesse sentido com a observância da
anterioridade, isso pouco importa, a previsão seria inconstitucional de toda
forma.
Afora
esses aspectos de índole tributária, é necessário evidenciar que o seguro ocupa
uma função da mais alta relevância para o país. O Município do Rio de Janeiro
deveria estar preocupado em atrair investimentos, mantendo, em seu território,
atividades econômicas relevantes, sob pena de termos novamente o esvaziamento
da Cidade e do Estado que infelizmente se verificou na década de 90. Aquelas
seguradoras que apostaram no Estado e no Município são agora punidas, ainda que
de forma indireta.
A
administração pública precisa se mostrar coerente com as suas posturas e com os
encargos que lhe são confiados pelo texto constitucional. É mais do que o
momento de se agir com a mais absoluta seriedade e respeito com os agentes econômicos.
A
atividade securitária está assentada em critérios de mutualismo. Se há a quebra
desse equilíbrio, todos perdem, uma vez que os interesses em jogo são
diretamente do grupo segurado e, indiretamente, da própria sociedade e do
Estado.
Luiz
Gustavo A. S. Bichara é advogado tributarista, sócio do escritório
Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados, vice-presidente da Comissão de
Estudos Tributários da OAB/RJ, diretor da Associação Brasileira de Direito
Financeiro e membro do general council da Intenational Fiscal Association.
Francisco
Carlos Rosas Giardina é advogado no escritório Bichara, Barata & Costa
Advogados.
Fonte:
Revista Consultor Jurídico, 9 de maio de 2013
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