Minha galera.... Um texto para refletir sobre a relação
entre o Devedor e seus Credores durante a Recuperação da Empresa.
Boa leitura e forte abraço,
Negociação deve ser cultivada em recuperação de empresa
Um dos grandes desafios atuais da recuperação judicial, tal
como disciplinada pela Lei 11.101/05, consiste na preservação do espaço de
liberdade deixado para a negociação de um plano de recuperação entre devedor e
credores. Como é sabido, a natureza negocial é um dos principais aspectos a
distinguir o instituto da recuperação judicial de empresas do antigo instituto
da concordata, a qual, segundo as palavras de Pontes de Miranda, de concordata
nada tinha. Aliás, diz-se que a superação da antiga noção de favor legal, que
não deixava espaço para negociação, é o que viabiliza que empresas sejam
preservadas no regime atual.
Entretanto, cabe indagar-se: por que conferir maior espaço
para negociação entre devedor e credores é melhor do que outorgar ao juiz poder
para ditar a melhor solução para a crise da empresa? Como o objetivo da
recuperação judicial é maximizar o valor dos ativos do devedor, mediante a
preservação de uma operação que detém um surplus value de going
concern que excede o valor de liquidação decorrente da venda por
parte dos ativos da empresa, deve-se determinar tanto o valor de liquidação
como o valor de going concern de uma empresa. Se aquele for superior
a este, deve-se liquidar a empresa; se este for superior àquele, deve-se
preservar a empresa. Se o juízo onde tramita a recuperação judicial possuísse
informações perfeitas sobre o valor da empresa, ele poderia ditar qual o melhor
plano de recuperação. Entretanto, como ele não possui esta informação, é melhor
deixar aos credores a tarefa de decidir qual valor lhes é mais vantajoso, se o
de liquidação ou o de going concern. Daí a importância da negociação do
plano de recuperação em uma Assembleia-Geral de Credores.
Na jurisprudência, entretanto, verifica-se uma tendência de
aumento do controle judicial sobre as deliberações tomadas em Assembleia-Geral
de Credores na recuperação judicial. As decisões que integram a jurisprudência
são individualmente coerentes e bem-fundamentadas, mas, em seu conjunto,
parece-me, constituem incentivos contrários à negociação de um plano em
Assembleia. Essa tendência manifesta-se de duas formas distintas.
A primeira delas consiste na desqualificação do direito de
voto de credor que tenham rejeitado o plano de recuperação quando o direito de
voto tiver sido exercido abusivamente. As decisões neste sentido identificaram
como sendo abusivo o voto contrário ao plano que tivesse sido promanando de
único ou de um dos poucos credores de uma das classes de credores. É que, neste
caso, em que um único credor possui grande poder de voto, se estaria a
concentrar, em um único ou em poucos indivíduos, o poder de decidir pelo
destino da empresa em recuperação, inviabilizando-se inclusive que se atingisse
o quorum alternativo para cram down. A intuição subjacente a
perpassar estes diferentes julgados é a de que poucos não possuem legitimidade
para decidir o destino de muitos. Neste sentido, a deliberação ideal seria
aquela em que vários credores, senão todos, comparecessem à Assembleia-Geral de
Credores para deliberar. Sendo pequeno o número de credores presentes, abrem-se
as portas para o controle judicial, exercido sob a forma de desqualificação do
voto tido por abusivo. Como resultado, poderia parecer que há um viés decisório
orientado a homologar planos com vista à preservação da empresa.
A segunda forma de controle judicial consiste na
possibilidade de o magistrado não homologar plano de recuperação aprovado por
maioria em Assembleia-Geral de Credores. Neste caso, em que pese os credores
terem aprovado o plano, o magistrado recusa-se a homologá-lo, sob fundamento de
violação da lei e de princípios gerais de direito. Aqui, por evidente,
desfaz-se a impressão de que há viés judicial pró-preservação da empresa.
Porém, o que releva é que esta linha decisória reduz o poder deliberativo dos credores.
A confluência destas duas linhas decisórias, parece-me,
coloca em risco à recuperação judicial enquanto mecanismo de negociação de uma
solução para a crise da empresa. É que, pela lógica da ação coletiva, se os
credores perceberem que o exercício de seu poder de voto (que para ele
representa um custo, como, por exemplo, deslocar-se até o local da assembleia)
for irrelevante para o resultado final da negociação (à medida que o juiz pode
decidir pela concessão da recuperação cujo plano foi rejeitado, ou pela não
homologação de plano aprovado em assembleia), eles deixarão de comparecer à
assembleia. Quanto menor o número de credores a comparecer à Assembleia, menor
será a legitimidade dos poucos presentes, aumentando a probabilidade de
controle judicial da deliberação.
Entretanto, o objetivo manifesto do instituto da recuperação
judicial é preservar a empresa, vale dizer, maximizar o valor de going
concern da empresa, mediante negociação entabulada entre devedor e
credores. Deve-se, pois, cultivar a cultura de negociação em torno do plano de
recuperação, delimitando-se minuciosamente as hipóteses de controle judicial
sobre a deliberação assemblear.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de outubro de
2013
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