Aos estudiosos do Direito Empresarial... em especial sobre a
Recuperação Judicial, recomendo a análise do texto publicado pelo Dr. Henrique
Carvalho Ricci, originalmente publicado no CONJUR.
O texto trata do eficácia da Lei Recuperação Empresarial
(Lei de Falência).
Confiram.
Abraço,
Fim do processo não significa soerguimento da empresa
“Apenas 1% das
empresas sai da recuperação judicial”. Essa notícia foi publicada no jornal O
Estado de São Paulo e repercutiu bastante na mídia especializada em
questões jurídicas e empresariais. Também apareceu aqui na Consultor
Jurídico.
Não tive acesso à íntegra da pesquisa e os dados revelados
não são suficientes para uma análise profunda a respeito da eficácia ou não do
processo de recuperação judicial[1]. Pela pesquisa, já foram ajuizados 4
mil processos de recuperação judicial, dos quais apenas 45 tiveram os processos
encerrados.
Antes de continuar, faço apenas uma ressalva. Ter o processo
de recuperação judicial extinto não significa que a empresa foi recuperada e
que as finanças do empresário estão sadias. Seria bom se a questão fosse tão
simples assim, mas, infelizmente, não é.
Em síntese, deferida a petição inicial do pedido de
recuperação judicial, o processo passa a caminhar para prepará-lo à apreciação do
plano de recuperação. Daí que, publicado o edital previsto no artigo 52º,
parágrafo 1º, da Lei 11.101/2005[2], são abertos os prazos para
apresentação do plano de recuperação judicial e das habilitações e/ou
divergências, estas que são dirigidas ao administrador judicial com a
finalidade de identificar os legitimados para deliberar a respeito do plano
apresentado.
Aprovado o plano de recuperação pela assembleia[3], os autos seguem[4] para homologação judicial. Só
aí, com a homologação, o empresário passa a estar “em recuperação judicial”[5], e ficará assim até que sejam
cumpridas todas as obrigações previstas no plano de recuperação e que vencerem
nos dois anos subsequentes à concessão do benefício, hipótese em que a
recuperação será extinta pela sentença do artigo 63, da Lei 11.101/2005. Ou
seja, a extinção da recuperação não coincide com o efetivo soerguimento do
devedor em crise, por isso a manchete de que “[a]penas 1% das empresas sai da
recuperação judicial” não pode ser lida como somente 1% das empresas que
ajuízam a recuperação judicial conseguiram se reerguer.
Feita essa ressalva, a pesquisa serve para que meditemos a
respeito da eficácia da Lei 11.101/2005, em especial, do processo de recuperação
judicial.
Eficácia é um dos campos mais áridos do direito, dentre
outras coisas, porque nos remete ao estudo das finalidades, e estas, ao plano
pragmático. Eficácia, finalidade, pragmática, são áreas ainda pouco desbravadas
pela ciência do direito e, creio, guardam algumas das maiores questões que
pendem solução por parte da dogmática. Não obstante, pensemos nos objetivos da
recuperação judicial e se eles estão sendo atingidos.
A Lei 11.101/2005, muito além do direito falimentar,
disciplina o regime jurídico do devedor em crise. Em apertadíssima síntese, aos viáveis possibilita
a concessão da recuperação, judicial e extrajudicial, e aos inviáveis a
alternativa é a falência. Isso porque, nosso sistema de produção é capitalista
onde a empresa tem uma função
social a cumprir. Empresa em crise é um problema para o qual o direito
não pode fechar os olhos, regulamentando essa questão na lei em questão.
Enfim, qual o objetivo?
Intervindo no mercado, possibilitar a tentativa de
reestruturação do devedor empresário em crise, mas ainda viável, assim como,
retirar do mercado os empresários inviáveis, já que sua manutenção só serviria
para aumentar ainda mais os prejuízos que, inexoravelmente, serão socializados
– em última análise, consumidor e contribuinte sempre pagarão a conta[6].
Os planos de recuperação judicial têm previsto mecanismos de
reestruturação e pagamento aos credores, ambos a médio e longo prazo. Talvez
seja correto afirmar que a maioria dos planos de recuperação apresentados ainda
estejam muito distantes do término de seu cumprimento. De certa forma, essa
situação prejudica a avaliação do cumprimento ou não das promessas feitas
pelo legislador da Lei 11.101/2005. Porém, passados 8 anos de sua entrada em
vigor e de posse de alguns dados divulgados pela notícia citada no início do
presente artigo, já é possível fazer uma avaliação prévia, ainda que
incompleta.
Até 2005 vigorou o Decreto-Lei 7.661/45, que regulava
extensamente a falência e previa a concordata como uma forma de contornar a
crise do devedor empresário em crise. A concordata era um instituto rudimentar,
eis que formulado em uma sociedade absolutamente distinta da atual. Em 1945
qual era o nível de desenvolvimento econômico nacional e das empresas
instaladas no país?
A concordata era, em suma, uma espécie de moratória[7], e mesmo assim, com prazo de
pagamento pequeno. Muito diferente da recuperação judicial onde, em princípio,
qualquer meio de recuperação pode ser empregado[8], desde que lícito. Reorganização
societária, alteração de objeto, venda de bens, reestruturação do passivo,
dentre outros, podem compor os meios de recuperação a serem empregados. O
processo de recuperação, portanto, é muito mais sofisticado e completo do que a
antiga concordata.
Todavia, infelizmente, a prática tem demonstrado que muitos
dos planos de recuperação apresentados são, em resumo, uma proposta de
moratória, pois, concretamente, só versam a respeito do passivo, sendo que, no
mais, usam disposições genéricas de meios de recuperação que caberiam para
qualquer tipo de devedor, apenas para cumprir a exigência do artigo 53, inciso
I, da Lei 11.101/2005.
Esse é um dos grandes problemas apresentados no cotidiano
das recuperações judiciais. Muitas vezes, elas têm sido ajuizadas apenas para
serem repactuados contratos e, quando não, para imporcalote[9] aos credores. Não há um plano consistente
de reorganização empresarial. Aliás, não raro, nem sequer as causas da crise
são concretamente apontadas. Tirando a questão do prazo, algumas recuperações
têm cara de concordata, ainda que os procedimentos sejam
completamente distintos.
Como bem apontado pela pesquisa, infelizmente, a recuperação
judicial tem virado um campo de batalha entre credores e devedores. Discussões
sobre prorrogação do prazo de suspensão das ações, sujeição ou não dos
créditos, imposição de deságio e prazos exagerados, novação em relação aos
codevedores, dentre outras, têm tomado conta do ambiente recuperacional. Em uma
recuperação judicial bem sucedida, em tese, os interesses dos credores deveriam
convergir para o mesmo ponto, afinal se a finalidade é recuperar a
empresa, empregados, fornecedores, instituições financeiras, têm que ser parceiros do
devedor e não litigantes.
Além disso, de lege ferenda, algumas coisas na Lei
11.101/2005, devem ser repensadas.
Tirando a hipótese de a inicial não ser recebida ou da
assembleia anuir ao pedido de desistência formulado pelo empresário em crise,
ou o devedor obtém o benefício ou será decretada a sua quebra. Esse jogo de tudo
ou nada tem feito com que muitos empresários deixem passar o ponto ideal
para pleitear a recuperação e, quando o fazem, já não mais são viáveis,
infelizmente.
A própria apresentação do plano em 60 dias, sem um contato
prévio com os credores, têm prejudicado as recuperações. O ideal seria que,
antes de sua apresentação, credores e devedor tivessem um contato prévio, quem
sabe com a convocação de representantes de grupos de credores (empregados,
fornecedores e instituições financeiras).
É claro que o problema da eficácia da recuperação
judicial, criada pela Lei 11.101/2005, não é tão simples assim, não quis, com o
presente artigo, reduzir a sua complexidade, pelo contrário. A ideia foi apenas
apontar alguns equívocos na utilização do instrumento da recuperação, assim
como alguns pontos a serem repensados pelo legislador.
[1] Aqui escrevi
um pouco a respeito das características da recuperação judicial e das inovações
trazidas pela Lei 11.101/2005.
[2] “Art. 52. Estando em termos a
documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da
recuperação judicial e, no mesmo ato:
I – nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta
Lei;
II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o
devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou
para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando
o disposto no art. 69 desta Lei;
III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na
forma do art. 6o desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se
processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1o, 2o e 7o do art. 6o desta
Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3o e 4o do art. 49
desta Lei;
IV – determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais
enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus
administradores;
V – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às
Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor
tiver estabelecimento.
§ 1o O juiz ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial,
que conterá:
I – o resumo do pedido do devedor e da decisão que defere o processamento da
recuperação judicial;
II – a relação nominal de credores, em que se discrimine o valor atualizado e a
classificação de cada crédito;
III – a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos, na forma
do art. 7o, § 1o, desta Lei, e para que os credores apresentem objeção ao plano
de recuperação judicial apresentado pelo devedor nos termos do art. 55 desta
Lei.”
[3] Lembrando que, não sendo o plano
objetado, não será convocada a assembleia-geral e os autos são remetidos ao
magistrado para homologação ou não do plano.
[4] Pelo artigo 57, da Lei
11.101/2005, antes da conclusão dos autos, competiria ao devedor a demonstração
de regularidade fiscal, todavia, essa exigência tem sido relativizada
pela jurisprudência.
[5] Por isso, até então, me parece ser
equivocado chamar a autora do processo de “recuperanda”, assim como ter que
usar a expressão “em recuperação judicial” nos atos que praticar, eis que,
antes da sentença prevista no caput, do artigo 58, da Lei 11.101/2005, o
empresário não está em recuperação, pelo contrário, está pleiteando
tal benefício.
[6] Aliás, no Brasil, onde a
tributação em grande parte é no consumo, muitas vezes, consumidor e
contribuinte são a mesma pessoa.
[7] Do revogado Decreto-Lei 7.661/45,
cita-se:
“Art. 156. O devedor pode evitar a declaração da falência, requerendo ao juiz
que seria competente para decretá-la, lhe seja concedida concordata preventiva.
§ 1° O devedor, no seu pedido, deve oferecer aos credores quirografários, por
saldo de seus créditos, o pagamento mínimo de:
I - 50%, se fôr à vista; (Redação dada
pela Lei nº 4.983, de 18.5.45)
II - 60%, 75%, 90% ou 100%, se a prazo, respectivamente, de 6 (seis), 12
(doze), 18 (dezoito), ou 24 (vinte e quatro) meses, devendo ser pagos, pelo
menos, 2/5 (dois quintos) no primeiro ano, nas duas últimas hipóteses. (Redação dada
pela Lei nº 4.983, de 18.5.45)”
[8] O rol dos meios de recuperação
previstos no artigo 50, da Lei 11.101/2005, é exemplificativo.
[9] Não é incomum planos prevendo
deságio de 80, 85, 90 por cento, além de carência e extenso prazo para
pagamento.
Henrique Cavalheiro Ricci é sócio do escritório Medina
& Guimarães Advogados Associados e professor de Direito Falimentar e de
Direito Tributário na PUC-PR.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 22 de outubro de
2013
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