Vamos aprender um pouco sobre o plano de Recuperação
Judicial?
Especialmente os estudiosos da Falência e Recuperação
Judicial devem conferir o texto do Dr. Henrique Cavalheiro Ricci originalmente
publicado no CONJUR.
Boa leitura.
Abraço,
Plano de recuperação deve prever valor certo de pagamento
O processo de recuperação judicial é absolutamente sui
generis. Tem procedimento peculiar, previsto na Lei 11.101/2005, com etapas bem
marcadas pelas principais decisões judiciais que vão se sucedendo[1]. A litigiosidade[2] é questionável, aliás, nem polo
passivo há. Além disso, apresenta três órgãos que somente são vistos nos
processos de recuperação e falência: assembleia-geral de credores, comitê de
credores e administrador judicial.
A assembleia-geral de credores tem, em princípio[3], a competência para apreciar a
viabilidade do empreendimento, cuja recuperação é pretendida. Em síntese, a Lei
11.101/2005, cria o regime jurídico do devedor empresário em crise[4]. Aos viáveis, reserva o instituto da
preservação de empresas (judicial e extrajudicial), às inviáveis a alternativa
é a falência.
A análise da viabilidade será feita, principalmente, no ato
de deliberação a respeito do plano de recuperação judicial, que será
apresentado pelo devedor que pleiteia a recuperação. O plano[5] é, assim, a principal peça
desse processo, na medida em que traça a estratégia de soerguimento da empresa
em crise.
O plano aprovado pela assembleia-geral de credores, nos
termos do quórum previsto no artigo 45, da Lei 11.101/2005, será levado ao
magistrado que conduz o processo para homologação ou não do resultado da
assembleia. Frisa-se homologar ou não, pois ela só ocorrerá caso o procedimento
e o plano aprovado não contenham vícios[6].
O plano de recuperação judicial é ato jurídico e, como tal,
sujeito ao controle judicial. Impossível admitir o contrário, pois, se negócios
jurídicos, atos administrativos, leis e emendas constitucionais são passíveis
de controle judicial, não faz sentido pensar no plano de recuperação judicial
como algo imune ao crivo do Judiciário[7]. Aliás, acredito que o plano também
tenha conotação de negócio jurídico.
Estando tudo em termos[8], plano e procedimento, o resultado
da assembleia-geral de credores será homologado e a recuperação judicial será
concedida, com a novação dos créditos sujeitos aos efeitos da recuperação
judicial e a formação de título executivo judicial em favor dos credores.
O título executivo judicial será constituído nos termos do
artigo 59, parágrafo 1.º, da Lei 11.101/2005[9] e do artigo 475-N, III, do
Código de Processo Civil. Título executivo é documento que representa obrigação
líquida, certa e exigível, assim, se o plano homologado constitui título, devem
as obrigações pecuniárias nele previstas se revestirem de tais atributos:
certeza, liquidez e exigibilidade.
Por isso, é vedado que nos planos de recuperação judicial
estejam previstos pagamentos ilíquidos, fixados em percentuais sobre incerto
faturamento futuro. Esta pratica tem sido reiterada no cotidiano das
recuperações judiciais, onde são previstos percentuais sobre uma receita
estimada. Alguns planos preveem, portanto, percentual da receita destinada ao
pagamento dos credores, porém, o valor sobre o qual recairá o percentual é
incerto, recaindo sobre a suposição de um futuro faturamento, faltando ao plano
a liquidez exigida para ser caracterizado como título executivo judicial.
Segundo o caput, do artigo 61, da Lei 11.101/2005,
“proferida a decisão prevista no artigo 58 desta Lei, o devedor permanecerá em
recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano
que se vencerem até dois anos depois da concessão da recuperação judicial.”
Neste período, ocorrendo o descumprimento do plano, será convolada a
recuperação judicial em falência (Constituição Federal, parágrafo 1º, artigo
61, e inciso IV, do artigo 73, ambos da Lei 11.101/2005).
Após a extinção da recuperação judicial, caso o plano seja
descumprido, não há mais a possibilidade de convolação da recuperação em
falência. Nesta hipótese, compete ao credor ajuizar um pedido de falência ou
requerer a execução[10]. Mais uma razão para se exigir que
os planos prevejam obrigações certas, líquidas e exigíveis, pois, caso
contrário, como os credores iriam aparelhar eventuais execuções a serem
requeridas nos termos do artigo 62, da Lei 11.101/2005?
Recentemente, o Tribunal de Justiça paranaense[11], através de uma das primeiras decisões
do país neste sentido, anulou plano de recuperação judicial cujas parcelas
estavam previstas sobre percentual estimado do faturamento. A decisão foi
proferida em julgamento de recurso de agravo[12], interposto contra decisão de
primeiro grau que homologou o plano de recuperação judicial.
Segundo o voto do relator, desembargador Mário Helton Jorge, “quanto
à alegação de que o plano de recuperação homologado teria violado o disposto no
artigo 59, da Lei 11.101/05, pelo fato de não ter estabelecido de forma clara
como os pagamentos serão feitos, merece prosperar, eis que no capítulo 6.2.2,
que se refere a ‘Proposta de Pagamento’ (fl. 207 – TJ), verifica-se não há
especificação das datas dos pagamentos, bem como não traz o valor líquido a ser
pago a cada credor habilitado. Assim, a ausência especifica dos valores
líquidos de cada parcela impede o cumprimento do plano de recuperação e sua
execução, haja vista falta de liquidez e certeza do quantum a ser pago.”
Além da violação aos dispositivos da Lei 11.101/2005 e do
Código de Processo Civil, o fato de o plano não deixar expressamente consignado
o valor a que cada credor tem direito, assim como a respectiva parcela, impõe
um ônus exagerado aos credores que, além de abrirem mão de parte do crédito,
não saberão nem sequer quanto irão receber em cada parcela.
O plano tem que prever valor determinado para pagamento a
cada um dos credores. Caso se proponha pagamento parcelado, o valor de cada
parcela, igualmente, deverá ser determinado, não podendo, nem em um caso (valor
global) nem em outro (valor da parcela) ser previsto estimativa com base em
futuro e incerto faturamento.
Se a homologação do plano aprovado em assembleia-geral de
credores constitui título executivo judicial, por óbvio, deve o mesmo prever
obrigação certa, líquida e exigível, caso contrário será nulo, conforme
previsão expressa da Lei 11.101/2005 e do Código de Processo Civil e reiterada
pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo e pelo Tribunal de
Justiça do Paraná.
[1] i. decisão interlocutória que
defere o processamento da inicial (artigo 52, da Lei 11.101/2005); ii. sentença
que concede a recuperação judicial (artigo 58, da Lei 11.101/2005); e iii.
sentença que extingue a recuperação judicial (artigo 63, Lei 11.101/2005).
[2] Não há lide em sua visão mais
clássica. No entanto, ao longo do processo, algumas questões podem a vir se
tornar litigiosas, como, por exemplo, a sujeição ou não de créditos, a exatidão
ou não da relação de credores apresentada pelo administrador judicial, etc.
[3] O Tribunal de Justiça gaúcho
sinalizou que a própria viabilidade é controlável pelo Poder Judiciário:
“Ressalte-se que cabe ao Judiciário aferir sobre a
regularidade do processo decisório da Assembléia de Credores, se esta foi
realizada de forma adequada e foram atendidos os requisitos legais necessários
para tanto, levando-se em consideração, ainda, a viabilidade econômica de a
empresa cumprir o plano ajustado, ou mesmo se há a imposição de sacrifício
maior aos credores, para só então proferir decisão concedendo ou não a
recuperação judicial à empresa agravada, pressupostos que foram observados no
caso dos autos.” (Agravo Nº 70043342070, Quinta Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 31/08/2011)
[4] O uso da expressão “direito
falimentar” se justifica e se mantém por questões históricas, pois a disciplina
vai muito além disso. Em verdade, o que a Lei 11.101/2005 fez foi disciplinar o
regime jurídico do devedor empresário em crise.
[5] Segundo os incisos do caput, do
artigo 53, da Lei 11.101/2005, conterá:
“I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a
ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo;
II – demonstração de sua viabilidade econômica; e
III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e
ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa
especializada.”
[6] Contendo vícios, o juiz anulará o
ato e processo, em princípio, prosseguirá a partir do ato anulado.
[7] Essa é a posição do Superior
Tribunal de Justiça, firmada no julgamento do REsp 1.314.209/SP.
Em artigo publicado aqui mesmo na Conjur falei
a respeito da suposta “soberania” e do controle judicial dos planos de
recuperação.
O Tribunal de Justiça de São Paulo adota posição similar:
“A Assembleia-Geral de Credores só é considerada soberana
para a aprovação do plano se forem obedecidos os princípios gerais de direito,
as normas da Constituição Federal, as regras de ordem pública e a Lei nº
11.101/2005. Proposta que viola princípios de direito, normas constitucionais,
regras de ordem pública e a isonomia dos credores, ensejando a manipulação do
resultado das deliberações assembleares é nula. Inclusão de credores garantidos
por alienação fiduciária, titulares de arrendamento mercantil e por
adiantamento de contrato de câmbio (ACC) nos efeitos da recuperação judicial
viola o art. 49, §§ 3º e 4º da LRF. Previsão de carência para início do
pagamento dos credores de 60 meses (5 anos), ou seja, após o decurso do prazo
bienal de supervisão judicial do art. 61, "caput", da LRF, impede que
o Judiciário convole a recuperação em falência, no caso de descumprimento das
obrigações assumidas pela recuperanda. Liberdade para alienação de bens ou
direitos integrantes do ativo permanente, independentemente de autorização
judicial, afronta o art. 66 da LRF. Proibição de ajuizamento de ações contra
sócios, cônjuges, avalistas e garantidores em geral por débitos da recuperanda,
configura violação da Constituição Federal. Proibição de protesto cambial ou
comunicação à Serasa e SPC, coíbe os credores do exercício de direito
subjetivo. Invalidade (nulidade) da deliberação assemblear acoimada de
ilegalidades, com determinação de apresentação de outro plano, no prazo de 30
dias, a ser elaborado em consonância com a Constituição Federal e com a Lei nº
11.101/2005, e submetido à assembleia-geral de credores em 60 dias, sob pena de
decreto de falência. Agravo provido.” (TJSP, AgIns n. 0168318-63.2011.8.26.0000,
rel. Des. Pereira Calças, j. 17.04.2012)
[8] O Tribunal de Justiça de
Pernambuco, no julgamento do Agravo de Instrumento n.
0006431-85.2012.8.17.0000, reconheceu a “necessidade de revisão dos
posicionamentos do Poder Judiciários no sentido da soberania absoluta das
Assembléias Gerais de Credores, devendo para tanto assumir seu papel precípuo
de guardião dos princípios consagrados na Carta Política de 1988, atuando de
maneira mais rigorosa e diligente, para que não continuem a ser homologados
planos de recuperações judiciais em flagrante descompasso com o ordenamento
jurídico vigente". Fundamentou a o acórdão na violação da Lei 11.101/2005,
da Constituição Federal.” (TJPE, AgIns n. 0006431-85.2012.8.17.0000, rel
Bartolomeu Bueno, 3.ª CC,j. 19.07.2012).
[9] “Art. 59. O plano de recuperação
judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor
e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o
disposto no § 1o do art. 50 desta Lei.
§ 1o A decisão judicial que conceder a recuperação judicial
constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584,
inciso III, do caput da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 -
Código de Processo Civil.”
[10] “Art. 62. Após o período previsto
no art. 61 desta Lei, no caso de descumprimento de qualquer obrigação prevista
no plano de recuperação judicial, qualquer credor poderá requerer a execução
específica ou a falência com base no art. 94 desta Lei.”
[12] Agravo de Instrumento n.
0984390-7, em trâmite perante a 17.ª Câmara Cível.
Henrique Cavalheiro Ricci é sócio
do escritório Medina & Guimarães Advogados Associados e professor de
Direito Falimentar e de Direito Tributário na PUC-PR.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 8 de outubro de 2013
Valeu professor, o blog está de parabéns, tanto pela estrutura quanto pela qualidade do conteúdo. Muitos magistrados deveriam ler seu blog também pra se atualizarem e evitar cometer esses tipos de erro como o da postagem. Achava que era mais frequente aqui na BA, mas pelo visto, essa vergonha de juízes que prolatam sentenças e acórdãos sem dar a devida atenção ao processo acontece no RS também, deve ser no país todo! (sem querer generalizar, em toda profissão há o bom e o mau profissional), acabam prejudicando as partes por detalhes simples. Nisso passa-se o tempo, há desgaste tanto físico quanto emocional, custas, etc. Infelizmente o pessoal tá com essa mania de parar de estudar só porque passou num concurso público, e pior ainda quando é concurso pra juiz... [L.F.]
ResponderExcluirLF.. obrigado pelas palavras meu velho... Continue acessando e contribuindo com o BLOG.
ExcluirAbraço,