quarta-feira, 13 de março de 2013

Lei de Recuperação Judicial dificulta acesso a crédito


Minha galera... em especial aos meus alunos de Direito Empresarial IV (Falência e Recuperação Empresarial)... confiram o texto produzido pelo Dr. João Roberto Ferreira Franco sobre a Recuperação Empresarial e a necessidade de se oportunizar crédito ao empresário em recuperação.

Interessante o ponto de vista abordado pelo Autor.

Forte abraço,


Lei de Recuperação Judicial dificulta acesso a crédito

A Lei 11.101/2005 é conhecida no meio jurídico e empresarial como Lei de Recuperação Judicial e Falências e que extinguiu a antiga lei de concordatas. Tinha como objetivo precípuo, quando era Projeto de Lei, criar um novo instituto voltado para a superação da crise financeira e econômica da empresa com base, principalmente, na teoria da função social das sociedades empresárias na atividade econômica.

A expectativa pelo aludido instituto foi grande pelo empresariado nacional, que logo foi arrefecido pela ingerência dos interesses do fisco e do sistema financeiro nacional. Essa intervenção pode ser claramente notada pela diferença entre o projeto original e o trâmite de elaboração da lei que ao final foi editada. Claramente alguns dispositivos favoreceram especificamente as instituições financeiras e o fisco nacional.

Essa decepção da sociedade empresária se deu porque a lei publicada não atendeu sua finalidade basilar, qual seja, a mantença das atividades da empresa com medidas que possibilitam a superação da crise financeira e econômica com a finalidade de atender a função social da empresa.

Entende-se como função social da empresa a importância que a sociedade empresária exerce dentro do próprio estado e da sociedade, sendo certo que essa função é exercida a partir do momento em que gera empregos, tributos, desenvolvimento e crescimento econômico, com influência direta na saúde, educação, segurança e cultura no meio em que estão inseridas. Justamente atendendo aos interesses do sistema financeiro é que a referida lei trouxe em seu bojo, no artigo 49, parágrafos 3° e 4°, o que mais tarde ficou conhecido como trava bancária. O que significa, em outras palavras, que os créditos de natureza financeira que tenham como objetos alienação fiduciária, arrendamento mercantil, incorporações imobiliárias, compra e venda com reserva de domínio e contrato de câmbio para exportação não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial.

Com isso, o legislador deixou de lado os interesses sociais sob a justificativa de que o crédito poderia encarecer no país, prejudicando assim a economia. Em verdade, tal argumento parece contraditório, tendo em vista que a grande maioria das sociedades empresarias encontra-se de alguma maneira vinculada a contratos de crédito junto ao sistema financeiro nos moldes da exceção do artigo supracitado. Sendo assim, a propositura da recuperação judicial não consegue atingir na sua totalidade a sua finalidade, de superar a crise financeira com fundamento na função social da empresa, prejudicando da mesma forma a economia do país.

Não havendo a satisfação da finalidade da Lei 11.101 em sua totalidade, no que tange a recuperação judicial, muitos pedidos de recuperação acabam mostrando-se ineficazes e culminam com a falência da empresa, tendo como consequência direta o reflexo na economia em que essas sociedades estão inseridas.

Outro ponto negativo é a exclusão do fisco do plano de recuperação judicial. Aqui a solução parece mais fácil, vez que o próprio Código Tributário Nacional determina a edição de lei especial para tratar do parcelamento do débito tributário de empresas em situação de recuperação judicial.

Fácil em termos, já que até o momento não houve a edição de tal lei pelo Legislativo, o que traz diversos problemas para empresas que conseguem a aprovação do plano frente aos credores particulares, mas continuam sofrendo com as execuções fiscais – fato que seria resolvido com a aprovação de um projeto neste sentido.

Ocorre que dentre todos os problemas enfrentados pelas empresas que se utilizam do instituto da Recuperação Judicial, o que parece mais danoso e difícil de ser superado é a falta de crédito para empresas nessa situação, seja a partir do momento da distribuição da ação de Recuperação Judicial. Ou seja, depois de homologado o plano, é a falta de crédito no mercado.

Como já explorado pela doutrina e jurisprudência, o crédito é um insumo para a atividade produtiva que necessita do produto “dinheiro” para desenvolver os seus negócios. Já sendo o crédito essencial para empresas que não se encontram em situação de superação de crise financeira e econômica, quem dirá para empresas em recuperação judicial que tem que reestruturar o negócio e honrar com o plano aprovado para sair de tal cenário, parece mais do que essencial. É vital.

Assim, dentro do atual cenário mundial, especialmente em se tratando de legislação diretamente ligada a disciplina do direito comercial, não pode o legislador originário deixar de lado a questão econômico no momento da elaboração e edição de leis que tratem de assuntos que envolvam empresas.

Como dito, para as instituições, o dinheiro é visto como insumo que é utilizado com a finalidade de desenvolver os negócios empresariais e o setor produtivo, assim como a energia, a água, as matérias primas e outros, ou seja, vital para a própria empresa e para a finalidade do plano de recuperação e da própria lei. Portanto, não abordar o acesso das empresas em recuperação judicial ao crédito é mesmo que deixá-las sem capacidade produtiva e de superação.

Isto porque a posição do Conselho Monetário Nacional é a de não beneficiar as empresas em recuperação judicial. Sendo o órgão máximo do Sistema Financeiro Nacional é ele o responsável por ditar as regras e diretrizes das políticas monetária, cambial e creditícia, regulando e fiscalizando instituições financeiras e os instrumentos das políticas monetária e cambial.

Também é de responsabilidade do CMN a criação de normas que determinem a classificação do crédito bancário (rating) nas operações realizados pelos bancos centrais ficando a cargo do Banco Central do Brasil e fiscalização e a exigência do cumprimento das referidas normas.

A necessidade da proteção do crédito visando à minimização dos riscos das instituições financeiras é preponderante para a classificação dos tomadores (rating), com foco na compensação das perdas quando do inadimplemento, seja através de cobrança de juros mais altos ou exigência de garantias diferenciadas pelos bancos comerciais.

Foi pensando nisso que o Conselho Monetário Nacional editou a resolução 2.682/99 que determinou que as instituições financeiras devem classificar as operações de crédito em ordem crescente de risco, iniciando em “AA” até “H”, devendo o tomador ser classificado de acordo com informações internas e externas. Ademais, esta classificação deve ser revista periodicamente em casos de atraso do tomador do empréstimo ou das empresas que façam parte do mesmo grupo econômico.

Ocorre que o artigo 8º, parágrafo 3º, da resolução prevê:

“A operação objeto de renegociação deve ser mantida, no mínimo, no mesmo nível de risco em que estiver classificada, observado que aquela registrada como prejuízo deve ser classificada como de risco nível H.

Considera-se renegociação a composição de divida, prorrogação, a novação, a concessão de nova operação para liquidação parcial ou integral de operação anterior ou qualquer outro tipo de acordo que implique na alteração nos prazos de vencimento ou condições de pagamento originalmente pactuadas.”

Em outras palavras, segundo o artigo citado, a classificação (rating) do tomador deve ser mantida no mesmo nível, mesmo nos casos de renegociação da divida, ou seja, se um tomador torna-se inadimplente e é classificado na posição “H”, será mantido na mesma posição mesmo após renegociar a divida, o que o impossibilitado de conseguir mais crédito junto às instituições financeiras. 

Nesta sistemática, uma empresa em recuperação judicial com plano homologado e aprovado pelo juízo competente deixa de ter acesso ao crédito junto às instituições financeiras por estar classificada no rating como G ou H. Tal situação decorre do fato de que a empresa em recuperação judicial deve deixar de pagar seus débitos até a propositura da ação e iniciar os pagamentos somente na forma e nas condições aprovadas na homologação do plano apresentado e aprovado pelos credores.

Além disso, a resolução prevê que o provisionamento pela instituição financeira seja crescente conforme o rating do tomador vai se deteriorando. Ou seja, a instituição deverá provisionar em conta especifica o valor da operação e esses valores ficarão indisponíveis para novos negócios, deixando o banco de emprestar esse dinheiro em outras operações de crédito diminuindo seu lucro.

Por tudo que aqui foi dito é que parece claro que as empresas em recuperação judicial não conseguem crédito junto as instituições financeiras: a homologação do plano é tratada pela resolução como renegociação da divida, mantendo a empresa em nível mínimo de classificação no rating.

Neste sentido é que se critica a resolução citada que tira do mercado a possibilidade das instituições financeiras fornecerem crédito para os recuperandos. Ademais, a ideia do CMN é proteger as operações de créditos e as instituições que fornecem esse crédito, sendo assim, os bancos devem de tempos em tempos rever sua avaliação das operações de crédito para reclassificar os tomadores de acordo com o rating. Ocorre que as empresas que têm a maior transparência são as em recuperação judicial, que precisam oferecer dados mensais gratuitos ao juiz e ao administrador judicial, além de terem em seu planejamento um plano de recuperação que passou pelo crivo dos credores e do juiz.


No fim, a resolução mostra-se contraditória porque as empresas que possuem maior transparência e controle em suas operações (empresas em recuperação judicial) acabam ficando sem acesso ao crédito, quando poderiam prever em seu plano, inclusive, a aquisição de empréstimos e outros, o que acabaria por favorecer a própria economia.

João Roberto Ferreira Franco é coordenador de Direito Empresarial da Comissão do Jovem Advogado da OAB-SP, defensor e instrutor do Tribunal de Ética e Disciplina V e VI da OAB-SP, e advogado do escritório Lodovico Advogados Associados.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 2 de março de 2013

5 comentários:

  1. Ver esses textos voltados para o Direito Empresarial mostram que estudar é pra vida toda, tão perto de formar e só agora se desvela todo um campo vastíssimo desses! E, por isso, não vem com tanta nitidez. O posicionamento do CMN parece estar vinculado com aquele primeiro conceito debatido de empresa "boa" e "má" e o mercado autoregulador, o que entra em confronto com outro conceito apresentado na minha aula de Dir. Empresarial ministrada pelo Prof. Kalil. Fala-se em reliberalismo e a necessidade de intervenção somada a autonomia, o que é um contrasenso, mas uma medida criativa a ser utilizada aqui. Mercado é produto de abstração, mas com vida própria. Produto aceito e viável sobrevive SE bem administrado, mas nem sempre o que é bom se mantem por si só, tampouco o que é "mal" se esvai por força do "destino" do mercado. A intervenção é válida desde que o posicionamento seja bem delineado, ponderem-se os motivos e se persiga uma lógica mais coesa, pois ao falar de falência e recuperaçaõ judicial não se pode tratar toda a cadeia que se interelaciona como mero coadjuvante!

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  2. Anete... que bom que o Direito Empresarial venha lhe despertando interesse.

    Realmente... o texto tem muito haver com a aula das BOAS EMPRESAS X MÁS EMPRESAS e as soluções de mercado.

    Ora, criar uma Lei que regule o encerramento da empresa em crise e o pagamento isonômico dos credores é a personificação da intervenção do Estado no mercado... O detalhe do texto é que espera mais intervenção a fim de se propiciar a finalidade da lei: a Recuperação Empresarial e não a falência.

    É certo que o empresário não sobrevive sem crédito, necessitando deste para o desenvolvimento da sua atividade. E estou falando do empresário saudável... Ou seja, se o empresário saudável não vive sem crédito, imagine o empresário em crise, tentando se reerguer... esse mais do ninguém necessita de crédito.

    Entendo que o Capitalismo necessita do Estado, do contrário ele se autofagogita.

    Abraço,

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  3. Entendo e concordo Professor.

    Mercado, ratifico, é abstração, mas que vive em um todo organizado. Não existe uma margem de previsibilidade entre quem é bom e quem não é não? Há parâmetros objetivos que possam ser utilizados a fim de se pensar em um protecionismo voltado a essas empresas sem esse discurso de princípio da isonomia, crédito pra um e todos?

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    1. Anete... para o mercado "bom" e lucro são sinônimos. Previsão sobre isso... Nenhuma! Nesse aspecto as normas do mercado são implacáveis. Se ainda há demanda sobre o produto o mercado absorve, salva, mas se não houver demanda o mercado descarta. Esses são os critérios do mercado.

      Pensar em parâmetros objetivos para a oferta de crédito por bancos é bem complicado... Vamos lembrar que os Bancos são instituições privadas e celebram negócios com quem eles bem entendem. Difícil pensar em obrigar que o banco "a" ou "b" forneça crédito.

      Mas vamos imaginar que serão os bancos estatais que irão fornecer... difícil também estabelecer parâmetros para saber qual o nível de crise que eles devem ter em uma tabela para poder conceder crédito.

      Realmente é uma situação a ser pensada... Vejo que o Estado não deve cercear as empresas em crise de participar de linhas de fomento instituídas pelo próprio Estado... Acho que ai já seria um bom passo, ou seja, a sociedade, ainda que em crise, possa a vir participar de linhas de crédito fornecidas pelo Estado, como um indicador que o próprio Estado está ajudando ela a sair da crise.

      Contudo, parâmetros objetivos que diferenciem os estados de crise... complicadinho.

      Abraço,

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  4. Pronto, entendi e concordei!
    Falei em critérios objetivos por falta de criatividade, mas essa idéia das linhas de fomento, excelente.
    Tinhaligado a idéia de boa empresa com a de um produto que funcionaria no mercado e não ao lucro, a lógica é distante da civilista, muito esclarecedor!

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